Do mato ao milho, uma letra de diferença

milho
acima, toesinto; abaixo, milho; no meio, híbrido milho-toesinto

Quando se fala em milho, a imagem que vem à cabeça é de uma grande espiga cheia de grãos amarelos. Parece uma configuração natural, mas não é: a espiga de milho, como muitas outras plantas domesticadas é uma criação humana. Organismos geneticamente modificados são quase tão antigos quanto a agricultura. O milho tem sido uma das plantas mais estudadas e modificadas há mil(h)ênios. O mais recente estudo sobre o grão amarelo chamado de verde revela que seu longo histórico de seleção artificial resultou numa modificação genética tão precisa que envolveu a troca de apenas uma letra do DNA do ancestral do milho.

O milho (Zea mays) começou a ser domesticado no México há cerca de 9 000 anos, a partir de várias espécies de uma gramínea selvagem conhecida como teosinto (Z. diploperennis, Z. luxurians, Z. nicaraguensis, Z. perennis). As sementes de teosinto são protegidas por uma casca dura, que as torna impróprias para o consumo. No entanto, através de cruzamentos sucessivos, os mais antigos agricultores mexicanos foram desenvolvendo e selecionando variedades de teosinto com grãos “pelados”. Nessas plantas, que então eram uma novidade biotecnológica e hoje são pés de milho, as estruturas que formavam as cascas dos grãos passaram a formar a espiga rígida. Esta espiga rígida, por sua vez, dificulta a perda dos grãos. No teosinto os grãos, apesar de duros, se dispersavam com facilidade.

Como se trata de seleção artificial, todas essas características típicas do milho evoluíram em um tempo relativamente curto — coisa de uns poucos milhares de anos. Em décadas recentes, uma série de estudos tem demosntrado que as diferenças entre o teosinto e o milho se devem a pelo menos seis genes modificados.

Um desses genes, tga1, controla exatamente a formação das cascas nos grãos. Segundo John Doebley, da Universidade de Winconsin-Madison, o tga1 atua como “o condutor de uma orquestra, coordenando as ações de muitos músicos diferentes”. No teosinto, a proteína TGA1 estimula a ativação de outros genes no processo de formação das cascas dos grãos. No milho, é o contrário: TGA1 reprime ou mesmo interrompe esse processo, levando aos grãos pelados. Mas qual é, exatamente, a diferença entre essas duas versões do tga1?

Para descobrir, Doebley e seus colaboradores compararam o tga1 presente no DNA de 16 variedades de milho e 20 tipos de teosinto. Eles descobriram uma diferença minúscula entre as amostras de milho e de teosinto: numa posição particular da sequência tga1, o milho apresentava uma base nitrogenada C em vez do G encontrado no teosinto. Essa simples troca de letrinha causa uma troca de aminoácido na proteína TGA1 — sai uma lisina do teosinto e entra uma asparagina no milho. Os resultados foram publicados na edição deste mês da revista Genetics.

A troca de um simples nucleotídeo e consequentemente de um aminoácido resulta num grande efeito estrutural na proteína TGA1. No milho, a TGA1 tem maior tendência a formar dímeros ou pares de moléculas. Essa alteração estrutural, por sua vez, torna a TGA1 em proteína repressora dos genes que controla.

“Mantendo a analogia do maestro”, explica Doebley ao ScienceDaily, “o TGA1 do teosinto induz a orquestra a tocar bem alto, mas o TGA1 do milho lhes diz para tocar mais baixo — ou, em termos bioquímicos, os genes são reprimidos.” De fato, os pesquisadores notaram que ao reduzir o volume de expressão do gene tga1 no milho levou a um aumento das cascas (vestigiais) dos grãos.

Agora resta saber como, exatamente, os antiquíssimos agricultores mexicanos conseguiram alcançar uma modificação genética tão refinada. O que se sabe é que foi um trabalho de dezenas de gerações de plantadores de grãos — e sem nenhuma patente sobre aquele organismo geneticamente modificado que veio a ser chamado de milho.

REFERÊNCIA

rb2_large_gray25H. Wang, A. J. Studer, Q. Zhao, R. Meeley, J. F. Doebley. Evidence that the Origin of Naked Kernels During Maize Domestication Was Caused by a Single Amino Acid Substitution in tga1. Genetics, 2015; DOI: 10.1534/genetics.115.175752

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