Nova York, fim do século XIX. Aqui é a porta de entrada dos EUA, com suas mansões, avenidas, cartolas, vestidos, telégrafos, eletricidade, ferrovias, máquinas fotográficas… Uma das inúmeras máquinas fotográficas nova-iorquinas era de um imigrante dinamarquês. Jacob Riis viveu na miséria nos dois lados do Atlântico. Em vez de se deslumbrar com as riquezas da “América”, ele focou suas lentes para os recantos esquecidos da Belle Èpoque: os cortiços e barracos, as vielas sujas e escuras, as delegacias de polícia e os albergues, os ladrões e os membros de gangues, os velhos abandonados e os imigrantes que descobrem que o Novo Mundo não é bem uma terra de oportunidades…
Filho de um mestre-escola metido a jornalista, Niels Edward, e de uma dona-de-casa, Carolina, Jacob August Riis nasceu em Ribe (Dinamarca) em 3 de maio de 1849. Foi o terceiro de uma família de 15 filhos, incluindo uma irmã adotiva. Apesar da dureza, teve uma infância razoavelmente feliz até os sete anos, quando um irmão mais novo, Theodor, morreu afogado. Riis nunca esqueceria o luto de sua mãe. E com razão, pois exceto por duas irmãs (incluindo a adotiva), Jacob Riis foi o único filho da D. Carolina a chegar ao século XX. O pai queria lhe encaminhar para uma carreira literária, mas na adolescência Jacob tentou a carpintaria. Aos 16, apaixonou-se por Elisabeth Gjortz, filha do dono da carpintaria onde estava de aprendiz. O Sr. Niels desaprovava tanto a relação quanto e emprego do filho e mandou-o para Copenhague. Depois de fazer alguns bicos de carpinteiro na capital por uns anos, Jacob voltou em 1868 e, depois de não conseguir emprego nem se casar com a paquera, decidiu ir para os Estados Unidos.
Só conseguiria emigrar dois anos mais tarde, em duas etapas: num pequeno barco até Glasgow e na terceira classe do vapor Iowa até Nova York, onde desembarcou com apenas 40 dólares no bolso (gastou metade disso logo no primeiro dia, comprando um revólver), uma carta de recomendação ao cônsul dinamarquês e uma caixinha com uns fios de cabelo de Elisabeth Gjortz. Depois de cinco dias na penúria, conseguiu um emprego de carpinteiro na região de Pittsburgh. Quando soube da Guerra Franco-Prussiana, tentou voltar (a pé) para Nova York e embarcar para a Europa; talvez tentaria a vida como mercenário.
Não deu certo e, depois de outros bicos e misérias no interior de Nova York (chegou a dormir em um cemitério e se alimentar das maçãs caídas no chão), voltou para a cidade grande (onde perdeu o cabelo de Elisabeth e ganhou a companhia de um vira-lata). Depois de outros bicos e algumas caronas num trem de carga, chegaria ao consulado dinamarquês na Filadélfia, que lhe recomendou trabalhos de carpintaria junto á comunidade escandinava. Neste período ele começou a escrever (em inglês e dinamarquês), mas não teve sucesso ao tentar a vida como jornalista. Chegou a ser vendedor de ferros de passar, mas foi passado para trás pelos colegas de trabalho. Doente e novamente desempregado, ainda soube que Elisabeth havia se casado com outro.
De volta a NY, Riis tentou de novo a carreira jornalística. Indicado a trainee de um jornal apareceu para a entrevista em desalinho. Ainda assim, ganhou uma chance de cobrir um almoço na Astor House. Começava ali uma carreira dedicada a escrever sobre ricos e pobres, os bem-estabelecidos e os recém-chegados. Riis chegou a comprar um jornal e, após vendê-lo, voltou para a Dinamarca atrás de Elisabeth (agora viúva). Meses mais tarde, voltaria casado com ela para Nova York.
Foi um vizinho de Riis que o indicou para o New York Tribune, onde ele se tornaria repórter policial. Durante a noite, Riis trabalharia nas zonas mais barra-pesada de NY. Movido por suas próprias experiências em albergues e favelas, ele buscou fazer diferença na vida dos mais pobres.
Apesar do sucesso de seus textos, com tons meio dramáticos meio reformistas, Riis sentia-se limitado em sua expressão. Tentou o desenho, mas não tinha a habilidade para os sketches. A fotografia no começo da décade de 1880 ainda era lenta e pouco prática para o jornalismo — ainda menos nos ambientes escuros e esquálidos onde trabalhava. Em 1887, porém, Riis ficou sabendo de uma grande novidade, que permitiria tirar fotos até dos cantos mais osbcuros — o flash, uma mistura em pó de magnésio, clorato de potássio e sulfito de antimônio.
Para desenvolver seu flash, Riis buscou o auxílio do Dr. John Nagle, chefe do escritório de estatística do Departamento Municipal de Saúde e fotógrafo nas horas vagas. Junto com outros dois fotógrafos, Henry Piffard e Richard Lawrence, Riis e Nagle usaram a nova tecnologia para fotografar os cortiços nova-iorquinos.
Sua primeira reportagem fotográfica saiu no The Sun em 12 de fevereiro de 1888. No artigo não-assinado, Riis se descrevia como “um gentleman energético, que combina em sua pessoa, ainda que não na prática, as dignidade de diácono numa igreja de Long Island e repórter policial em Nova York”. As doze gravuras baseadas nas fotografias eram “retratos dos crimes e misérias de Gotham de dia e de noite” e seriam “a base para uma palestra intitulada ‘The Other Half: How it lives and dies in New York‘, a ser dada em igrejas e escolas dominicais, etc”. Dois anos mais tarde, em 1890, The Other Half se tornaria um livro, ilustrado com dezessete reproduções fotográficas pelo método halftone (um dos primeiros livros a utilizar este método).
Riis e seus colaboradores (que não eram lá muito honestos e foram até processados) foram os pioneiros da fotografia a flash na América. Os primeiros flashes eram literalmente disparados de um dispositivo parecido com uma pistola. Obviamente, isso não era muito seguro no submundo nova-iorquino. Riis trocou a pistola por uma frigideira. Seu processo envolvia a retirada da capa da lente, a ignição do pó de flash, e o fechamento da lente. No curto intervalo de exposição e explosão do flash, Riis descobriu que era mesmo possível obter imagens — ainda que as primeiras fossem superexpostas e muitas vezes borradas, o que foi corrigido pela prática.
Ao longo de três anos, Riis passou a maior parte de suas noites fotografando o submundo de Nova York e seus cortiços, vielas escuras, fábricas improvisadas e cervejarias. Ele documentou as durezas das vidas dos mais pobres e dos imigrantes recém-chegados. Muito do seu trabalho foi feito nas vizinhanças da Mulberry Street, área infame por sua criminalidade e miséria. No entanto, nem todas as fotos desse período são de Riis, pois ele aceitou doações sobre o mesmo tema feitas por outros profissionais e até amadores. Em 1892, publica Children of the Poor, espécie de continuação de The Other Half dedicada às crianças que encontrava.
A essa altura, Riis já começava a chamar a atenção como ativista social. Em 1895, Riis foi procurado por ninguém menos que Theodore Roosevelt, que então começava a carreira como secretário de segurança púbica. Roosevelt pediu que o fotojornalista lhe mostrasse o trabalho noturno da polícia. No primeiro passeio, ambos descobriram que nove de cada dez policiais simplesmente não patrulhavam à noite. Os dois se tornariam amigos pelo resto da vida e Riis participaria das campanhas políticas de Roosevelt.
Riis era um proponente da distribuição de renda, seja por meio de programas sociais, seja por filantropia dos mais ricos. Era uma postura avançada para a época, mas suas opiniões pessoais sobre as causas da probreza são cheias de clichês um tanto racistas. Suas descrições de imigrantes — os judeus seriam “nervosos e inquietos”, os orientais, “sinistros”; os itaianos, “sujos” e os negros “felizes” em sua pobreza — seriam consideradas estereotipadas hoje em dia. Por mais progressista que fosse, Jacob Riis ainda era um homem típico do século XIX quando faleceu numa fazenda do interior do Massachussetts em 26 de maio de 1914, aos 65 anos. Deixou três filhos, uma segunda esposa (a primeira falecera em 1905) e uma autobiografia, escrita em 1901 e centenas de fotografias, muitas das quais podem ser vistas nesta galeria digital.
mario
Conheci por acaso surfando na net sobre esse homem extraordinário, inspirador.
Grato por disponibilizar essas informações.
Rogério Freitas De Sousa
Linda história, viveu seguindo os seus institutos de maneira modesta, pois havia um significado para a sua vida