O mistério dos cubos verdes

Heisenberg cube

Alemanha. Início da década de 1940. Enquanto as forças armadas do III Reich avassalavam boa parte da Europa, uma discreta tropa de cientistas alemães lutava para submeter o urânio à fissão nuclear. Sabemos que os nazistas não tiveram sucesso na criação de sua bomba atômica, mas desde o fim da II Guerra, historiadores e físicos nucleares tem se perguntado: até que ponto eles chegaram? Conseguiram criar e manter um reator nuclear estável? Quando e onde foram feitas suas pesquisas? De onde extraíram seu urânio? Sete décadas depois, uma investigação forense de amostras históricas de urânio encontradas na Alemanha parece ter as respostas.

Na análise forense nuclear publicada no jornal Angewandte Chemie, uma equipe de cientistas do Instituto de Elementos Transurânicos (ITU, situado em Karlsruhe, Alemanha), da Universidade Nacional Australiana, da Universidade de Mainz e da Universidade de Viena investigaram três amostras históricas de urânio: um pouco de pó de um cubo de Heisenberg cedido pelo Escritório Alemão de Proteção à Radiação, uma pequena peça de metal de um outro cubo de Heisenberg guardado pelo Atomkeller Museum e diversos fragmentos da placa Wirtz, que teria sido utilizada nos primórdios do grupo de trabalho liderado por Heisenberg e Wirtz. Estas amostras foram comparadas a minérios de urânio extraídos antes ou durante a década de 1940.

A reação de fissão nuclear já é bem conhecida mas não custa lembrar. Quando o núcleo de urânio-235 é bombardeado por nêutrons, as partículas neutras são absorvidas para formar o instável urânio-236, que se desfaz em dois pedaços menores que se afastam a altas velocidades, emitindo muita energia radioativa. Esta reação de partição do urânio, por sua vez, liberar três nêutrons que, nas condições corretas, podem disparar uma reação em cadeia.

Uma das condições ideais para uma reação em cadeia é desacelerar os nêutrons, para que eles possam ser atraídos pelos átomos de U-235. Numa usina nuclear a reação é cuidadosamente controlada, de modo que apenas um nêutron seja capaz de induzir a rodada seguinte da reação em cadeia. Essa liberação controlada de energia nuclear é chamada de reação em cadeia autossustentável e foi obtida pela primeira vez por Enrico Fermi [1901-1954], no subsolo de um estádio de Chicago, em 1942.

Onde os físicos nucleares alemães estavam a essa altura? Divididos em nove grupos civis e militares, que disputavam parcos recursos minerais e financeiros. Ao contrário de seu concorrente americano, o programa nuclear alemão era descentralizado, quase clandestino e não tinha muito apoio do governo, que acreditava que a pesquisa atômica levaria mais tempo que a conclusão da guerra. Liderado por Werner Heisenberg [1901-1976], havia um grupo de trabalho civil pesquisando como extrair energia de placas de urânio no Instituto Kaiser Wilhelm de Física, em Berlim. Enquanto isso, Kurt Diebner [1905-1964] coordenava os esforços atômicos do Exército alemão com um modelo diferente: cubos de urânio.

A placa de Wirtz [fig. 2 do art. citado]
A placa de Wirtz [fig. 2 do art. citado]

Heisenberg e sua turma insistiram muito tempo nas placas de urânio desenvolvidas por Karl Wirtz [1910-1994]. Diebner conseguiu demonstrar que os cubos, muito mais densos em matéria fissionável, seriam mais promissores da geração de energia nuclear (ainda que não necessariamente para uma bomba). Quando Heisenberg deu o braço a torcer e os cubos de urânio esverdeados passaram a ser conhecidos pelo seu nome, já era tarde: o último experimento nuclear da Alemanha nazista aconteceu em março de 1945, poucas semanas antes do fim da guerra na Europa. Este experimento, codinome B8, consistiu na construção de um reator em Heigerloch com 664 cubos de urânio, totalizando 1,5 tonelada.

A pilha de urânio conhecida como B8. Note que os cubos são pendurados e imersos num tanque com moderador de água pesada. [Fig. 1 do art. citado]
A pilha de urânio conhecida como B8. Note que os cubos são pendurados e imersos num tanque com moderador de água pesada. [Fig. 1 do art. citado]

Para descobrir quando esse material foi produzido e como foi utilizado, a equipe multidisciplinar — coordenada por Klaus Mayer —, começou por determinar a razão de urânio-234 a partir de seu produto de decaimento, o tório-230. Segundo o paper, a placa de Wirtz foi produzida já em 1940, mas os cubos só começaram a ser feitos entre 1943 e 1944. Essa conclusão, segundo o estudo, também comprova a autenticidade das amostras.

Para saber de onde veio o material, foram analisados traços de terras-raras e da razão entre estrôncio-87 e estrôncio-86, que variam de acordo com os diferentes tipos de depósito de urânio. Os resultados indicam uma origem comum para a placa e os cubos de urânio: o minério foi extraído da região de Jachymov, na República Checa, então sob ocupação alemã.

E quanto à fissão nuclear? Aconteceu? Foram encontradas nas amostras minúsculas quantias de urânio-236 e plutônio-239, mas os valores correspondem à sua ocorrência natural. As amostras não parecem ter sido submetidas a um fluxo de nêutrons constante ou suficiente para deslanchar uma reação em cadeia. Heisenberg e seus colegas foram tão conservadores que frearam demais os nêutrons replicadores. Os alemães até conseguiram urânio de boa qualidade, mas a quantidade era pequena e não sabiam como bombardeá-lo…

Referência

rb2_large_gray25MAYER, K. et. al. Uranium from German Nuclear Power Projects of the 1940s — A Nuclear Forensic Investigation. [Urânio dos Projetos de Energia Nuclear Alemães dos anos 1940 — Uma investigação nuclear forense]. Angew. Chem. Int. Ed. vol. 54, n. 45, 2 de novembro de 2015, pp. 13452-13456 doi:10.1002/anie.201504874

[via Phys.org]

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