Não é difícil encontrar tablets em Londres — nas lojas, nos cafés, nas salas de aula ou quem sabe até alguns aparelhos esquecidos ou perdidos pelos parques ou estações de metrô. Bem mais complicado, porém, é encontrar tablets em Londinum, a antiga capital romana do que hoje é a Grã-Bretanha.
Evidentemente, os antigos colonizadores romanos não utilizavam dispositivos eletrônicos com telas sensíveis ao toque. Os tablets ou tabuletas usados pelos romanos eram peças retangulares, feitas de madeira com um recesso central. Esse nicho era preenchido com cera de abelha, na qual se escrevia com agulhas especiais, chamadas stylus.
Era de se esperar que um artefato feito de materiais perecíveis como a madeira e a cera não sobrevivessem durante dois milênios no subsolo londrino. E, no entanto, o Museum of London Archaeology (MOLA) acaba de confirmar a descoberta de 405 tabuletas dos tempos romanos num canteiro de obras localizado na Queen Victoria Street. No local foi construída entre 2010 e 2014 a nova sede da agência de notícias Bloomberg e, por isso, os achados estão sendo chamados de Tablets de Bloomberg.
Ainda não se sabe ao certo como tantas peças de madeira foram preservadas. Segundo o Sci-News, acredita-se que a lama ou argila do Walbrook tenha ajudado a preservar as peças, protegendo-as da oxidação. O Walbrook era um rio que passava pela área nos tempos romanos, mas acabou sendo soterrado com o tempo pela expansão urbana de Londres.
As camadas de cera dos tablets de Bloomberg não foram preservadas mas ainda é possível ler algumas peças, que foram calcadas por seus escribas e acabaram tendo seus caracteres marcados nas placas de madeira. Quem está fazendo a decifração das tabuletas é o Dr. Roger S. O. Tomlim, especialista em antiguidades romanas da Universidade de Oxford. Por meio de análises fotográficas e microscópicas, Tomlim já foi capaz de decifrar 87 tablets.
Entre os textos já decifrados, relatados por Tomlim em livro da MOLA Monograph Series, encontram-se os seguintes destaques (com numeração romana, porque sim):
I. a mais antiga referência a Londinium ou Londres, datada entre 65 e 80 da Era Comum (EC). O historiador romano Tácito só citaria Londres em seus Anais meio século mais tarde;
II. o mais antigo documento manuscrito datado na Britanha é um documento financeiro de 8 de Janeiro de 57 (EC);
III. a primeira evidência de uma escola britânica, registrada por alguém que praticava a escrita de letras e números (e você pensando que tablets nas escolas era uma modernice…);
IV. um contrato datado de 21 de outubro de 62 (EC), no qual se encomenda a entrega de “vinte cargas de provisões” de Verulamium para Londinium até 13 de novembro. Esse contrato é importante por revelar detalhes da recuperação de Londres após a chamada Revolta Boudicana, ocorrida no ano anterior;
V. outro documento traz novas evidências sobre Julius Classicus, que passou à História como um dos líderes da Revolta Batávia, ocorrida na Germânia Inferior, atual Holanda, entre 69 e 70. É possível que Classicus tenha sido obrigado a se exilar na Bretanha após a revolta;
VI. um tablet datado arqueologicamente entre 43 e 53 EC, a primeira década do domínio romano da Bretanha;
VII. uma lista, provavelmente censitária, com quase 100 nomes e suas respectivas profissões e naturalidades. A lista revela uma cidade romana cheia de latoeiros, cervejeiros, soldados, escravos, homens livres e pelo menos um juiz, que provavelmente vieram da Gália e da Renânia.
Além disso, a coleção Bloomberg ainda contém centenas de tablets cuja legibilidade está sendo estudada antes de possíveis decifrações. Que notícias vamos encontrar nesses velhos tablets?
Referência
Roger S.O. Tomlin. 2016. Roman London’s first voices: writing tablets from the Bloomberg excavations, 2010-14 [Primeiras vozes da Londres Romana: tabuletas de escrita das escavações de Bloomberg, 2010-14]. MOLA Monograph Series, vol. 72, 309 pp.; ISBN 978-1-907586-40-8. [o livro pode ser comprado aqui]