Dois pra lá, dois pra cá, dois pra lá, pra lá, pra lá… Se o pé do parceiro de valsa ficar por lá é porque ele não sabe dançar ou está com algum problema. Na atmosfera acontece algo semelhante a uma valsa, só que com correntes de vento. Correntes de vento não sabem dançar então se uma delas sai do ritmo é sinal de problemas.
Situada entre 15 e 50 km de altitude, a estratosfera das zonas tropicais é caracterizada pela circulação de ventos em direções alternadas entre leste (easterlies) e oeste (westerlies). Os ventos do oeste desenvolvem-se lá em cima, no topo da estratosfera, e descem gradualmente até uns 15 km. Ao mesmo tempo, as lestadas sobem e substituem os ventos do oeste lá em cima. Esse é um passo pra cá na dança. O passo pra lá é o contrário: os westerlies sobem e os easterlies descem.
É uma valsa meio lenta, pois os passos estratosféricos alternam-se a cada 28 meses. Esse fenômeno foi descoberto apenas na década de 1960, quando passou a ser chamado de Oscilação Quase-Bienal (OQB). Os registros são um pouco mais antigos e datam de medições feitas com balões atmosféricos em zonas tropicais desde 1953.
A OQB é muito importante para a manutenção das condições estratosféricas e climáticas. É na estratosfera que se situa a camada de ozônio. Entre as mudanças de fase de leste para oeste, por exemplo, a quantidade de ozônio sobre o equador chega a variar em até 10%. Como a atmosfera não tem fronteiras, essa variação também influencia os níveis de ozônio sobre as áreas polares.
Para Paul A. Newman, do Centro Espacial Goddard, da NASA, a OQB é o Velho Fiel da estratosfera. Como o gêiser do Parque de Yellowstone, cujas erupções são previsíveis e infalíveis, a OQB nunca saiu do ritmo de dois pra lá dois pra cá. Surpreendentemente, a dança desandou no fim de 2015. Newman é autor principal de um paper que descreve essa mudança e foi publicado em 28 de agosto na Geophysical Research Letters.
Segundo os pesquisadores aconteceu o seguinte: no fim de 2015 os ventos vindos do oeste estavam terminando de descer. De acordo com o padrão normal, os easterlies deveriam subir. No entanto, os ventos do leste estavam enfraquecidos e os westerlies, fortalecidos. Foi como se um dos pés do dançarino travasse, quebrando toda a coreografia. Esse bloqueio durou mais ou menos um semestre e a partir de julho deste ano a OQB parecia voltar ao normal.
Um passo em falso tão grande representa um problema, mas qual? Newman e seus colegas pretendem estudar duas hipóteses para explicar a perturbação da OQB. Pode ter sido efeito do intenso El-Niño de 2015-16. Ou pode ser sinal de mudanças mais profundas causadas pelo aquecimento global.
No primeiro caso seria, de fato, um passo fora da dança estratosférica, um erro que acontece às vezes. No segundo caso, a mudança na OQB não seria temporária e poderia sinalizar uma modificação mais profunda da coreografia dos ventos em altas altitudes, com consequências duradouras e imprevisíveis — o dois-pra-lá-dois-pra-cá pode virar qualquer ritmo e quem dançaria seria o planeta inteiro.
Referência
P. A. Newman et al. The anomalous change in the QBO in 2015-2016 [A mudança anômala na OQB em 2015-2016]. Geophysical Research Letters, v. 43, n. 16, pp. 8791-8797. DOI:10.1002/2016GL070373