O gene que pinta as joaninhas

Não é à toa que a espécie Harmonia axyridis também é conhecida como joaninha-arlequina: ela apresenta uma variedade de até 200 padrões de pigmentação. [Imagem: NIBB/divulgação]
Não é à toa que a espécie Harmonia axyridis também é conhecida como joaninha-arlequina: ela apresenta uma variedade de até 200 padrões de pigmentação. [Imagem: NIBB/divulgação]

Algumas espécies de joaninhas têm sempre o mesmo número de pintinhas, enquanto outras apresentam grande variação de um bichinho para outro. Pesquisadores japoneses revelaram que a receita por trás dessa variedade é tão simples quanto parece.

Vermelho. Preto. Vermelho, vermelho, verm… Opa, Preto, Preto aqui também. Vermelho de novo, mais vermelho. Um preto menorzinho aqui, outro ali. Vermelho, bastante vermelho com um pontinho preto bem no meio. Ao observar detalhadamente algumas joaninhas, é possível que você encontre vários padrões formados por pontinhos pretos sobre um fundo vermelho. Embora sejam bonitinhas aos nossos olhos, as manchas nas costas de uma joaninha são, na verdade, um alerta aos seus predadores: a mistura salpicada de preto e vermelho indica que esses insetos são muito amargos e impalatáveis.

Há até váriações de variações entre uma espécie e outra: a joaninha-de-sete-pintas (Coccinella septempunctata), como o próprio nome indica, tem sete pintas e só. Já a Harmonia axyridis, uma espécie nativa da Sibéria e do Leste Asiático e também conhecida como joaninha-arlequina, chega a ter 200 padrões de pigmentação diferentes. Com tamanha variedade de decoração, era de se esperar que a receita genética por trás das pintinhas fosse algo complexo.

Graças à complexidade de seus padrões, a H. axyridis foi a escolhida para um estudo no Instituto de Biologia Básica do Japão. Coordenada pelo Prof. Teruyuki Niimi, a pesquisa tinha o objetivo de verificar como se dá a regulação genética do processo de formação das pintinhas. Para isso, Niimi e seus colegas, inclusive do Instituto Nacional de Genética, sequenciaram os genomas tanto da joaninha-arlequina quanto da sete-pintas.

Na H. axyridis, as análises genômicas encontraram um único gene, chamado de pannier. É o pannier que se expressa nas regiões de cor preta, onde o pigmento vermelho não se acumula. Ao inibir o pannier durante o estágio pupal, os pesquisadores japoneses observaram a perda dos padrões em preto na formação das carapaças das joaninhas-arlequinas. Assim, esse gene pinta as joaninhas de duas formas: promovendo a produção de pigmento preto, o que suprime a cor vermelha em alguma regiões das costas do insetinho. Um mecanismo similar foi encontrado na sete-pintas, a joaninha mais comum do mundo.

A simplicidade do cor-sim-cor-não explica como a coloração das joaninhas pode ser controlada por um único gene. Mas e os padrões mais complexos — pintinhas mais numerosas ou mais raras, mais juntas ou mais separadas, grandes ou pequenas, difusas ou fundidas, predominância da cor vermelha ou preta — observado na arteira joaninha-arlequina? Nesse caso, a comparação genética revelou que a diferença na padronização da H. axyridis se deve às sequências variáveis do primeiro íntron do gene pannier. Faz sentido: um íntron é uma sequência de DNA reguladora, que serve para ativar ou desativar o gene ligado a ele. Além disso, também foram encontrados traços de repetidas inversões no interior do íntron pannier.

“Até agora, não havia relatos de que a diversificação morfológica dentro de uma espécie estivesse associada com as inversões repetidas no interior de um único gene de desenvolvimento”, explica ao Phys.org o professor-assistente Toshiya Ando, responsável pela análise genética desta pesquisa. Para ele, os resultados da pesquisa, publicados como artigo aberto na Nature Communications em 21/09, “jogam uma luz nas inversões cromossômicas como uma força motriz para a evolução morfológica dos organismos.”

Assim, se as pintinhas parecem dançar e saltar de uma joaninha para outra, elas estão apenas refletindo os mesmos saltos e piruetas que acontecem no código genético desses bichinhos que estão sempre vestidos de petit-pois. Quem disse que não existe poesia em biologia molecular?

Referência

Trb2_large_gray25oshiya Ando et al. Repeated inversions within a pannier intron drive diversification of intraspecific colour patterns of ladybird beetles [Inversões repetidas no interior de um íntron pannier promovem a diversificação intraespecífica de padrões coloridos das joaninhas]. Nature Communications (2018). DOI: 10.1038/s41467-018-06116-1

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