Capítulo 8

O código genético

p.61-68

Quem é o Coronavírus? Sintomas, prevenção e diagnóstico
02 de fevereiro de 2021
Graciele Almeida de Oliveira

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Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro
Edição e arte: Carolina Frandsen P. Costa

Atualmente, temos ouvido/lido muito sobre os termos “código genético do vírus, DNA e RNA mensageiro”. Mas o que esses termos significam?

Semana epidemiológica #105

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Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

1.261 óbitos registrados no dia (226.532 ao todo)

Nós não estamos sozinhos na Terra. Ela é a casa de mais de 8.7 milhões de espécies, isso contando apenas os eucariontes – daqui a pouco conto o que eles/nós temos de especial – e não inclui as bactérias e vírus. Já parou para pensar em como essas espécies garantem que a sua descendência tenha as mesmas características da espécie?

A ideia de como as informações sobre como os organismos fazem cópias de si mesmos, assim como a instrução para a construção de estruturas e funcionamento de um novo organismo, foi um mistério por um longo tempo. As primeiras peças do quebra-cabeça para entendermos como as informações estão organizadas nos organismos começaram a ser encontradas há muitos anos.

Para se ter uma ideia, a célula, a estrutura mínima que compõe os seres vivos, foi descoberta por volta de 1660 graças a invenção do microscópio. Quando Robert Hooke olhou para as fatias finas de cortiça através do microscópio, viu que elas eram compostas por pequenas estruturas, que lembravam buraquinhos de um favo de mel a que ele deu o nome de célula (pequena cela).

Esse foi só o início. Com o desenvolvimento da ciência e o aparecimento de novos instrumentos e técnicas continuamos a descobrir cada vez mais sobre essa pequena unidade que nos compõe.

O núcleo de tudo isso

A unidade morfológica em que se baseia a vida, a célula, pode ser classificada em dois grupos principais, as eucarióticas, que possuem o material genético envolto por uma membrana (que leva o nome de núcleo) – dos quais fazemos parte – e os procariotos, que não possuem núcleo e o material genético fica disperso no citoplasma, como é o caso das bactérias.

Apesar da diferença quanto a presença de núcleo, tanto as células eucarióticas quanto as procarióticas possuem membrana plasmática que separa o interior da célula do seu ambiente. Ela tem um papel extremamente importante e acaba selecionando o que entra no interior da célula por meio de diferentes processos.

Representação simplificada de uma célula eucariótica. Ilustrado a partir do original por Graciele Almeida de Oliveira.

Além disso, as células são compostas pelo citoplasma, ou seja, o interior ou “recheio” da célula. Ele é repleto de substâncias químicas e organelas. As organelas são estruturas celulares com funções específicas e separadas do citoplasma por meio de uma membrana.

A maior organela da célula eucariótica é o núcleo. Ele abriga o DNA (ácido desoxirribonucleico), que contém a informação genética para todas as funções da célula/organismo.

Mas infelizmente a informação genética não está escrita de maneira como lemos esse texto; seria muito texto para tantos comandos que nosso organismo executa! Ao invés disso, a informação está codificada, ou escrita por meio de códigos moleculares. Como uma sequência de blocos menores, as bases nitrogenadas constituem a molécula de DNA.

A ideia de como as informações sobre como os organismos fazem cópias de si mesmos, assim como a instrução para a construção de estruturas e funcionamento de um novo organismo, foi um mistério por um longo tempo. As primeiras peças do quebra-cabeça para entendermos como as informações estão organizadas nos organismos começaram a ser encontradas há muitos anos.

O DNA

 

O DNA é composto de quatro tipos diferentes de bases nitrogenadas, representadas pelas letras A, T, C, G (de adenina, timina, citosina e guanina).

 

As bases nitrogenadas estão em sequência na molécula de DNA, interagindo entre si e dando forma à molécula, cuja estrutura é em dupla hélice. A interação entre as fitas do DNA ocorre graças à complementaridade entre as bases nitrogenadas, em que A (adenina) se liga com T (timina), enquanto a C (citosina) com a G (guanina).

A complementaridade entre bases nitrogenadas no DNA. Ilustrado a partir do original por Graciele Almeida de Oliveira

Essa complementaridade entre as fitas é importante, pois torna possível a replicação (duplicação) da molécula de DNA. Quando ocorre a duplicação do DNA, as duas fitas se separam e a partir do molde são formadas as fitas-filhas complementares. Em células eucarióticas, como as dos seres humanos, tanto a replicação quanto a transcrição do DNA acontecem no núcleo.

Nota dos Editores:

Volte ao capítulo 5 para ver um exemplo de DNA sendo transcrito em RNA:

A descoberta da estrutura em hélice do DNA

A informação chave para a estrutura do DNA foi obtida por Rosalind Franklin que conseguiu uma fotografia do DNA por uma técnica chamada de difração de raio X. A partir desse achado de Rosalind, dois pesquisadores, Watson e Crick, determinaram a estrutura do DNA – tendo nunca mencionado a pesquisadora – e anos mais tarde foram laureados com o prêmio Nobel.

Para saber mais sobre Rosalind Franklin leia o texto Celebrando Rosalind Franklin – a mulher que ajudou a desvendar a estrutura do DNA no Ciência pelos Olhos Delas do Blogs Unicamp.

O sistema de tradução da informação do DNA em proteínas é regulado por uma série de interações e reações químicas. Além disso, a informação necessária não é entregue de forma direta para a preparação de proteínas pelos ribossomos, uma organela presente no citoplasma das células.

Para saber mais sobre Rosalind Franklin leia o texto Celebrando Rosalind Franklin – a mulher que ajudou a desvendar a estrutura do DNA no Ciência pelos Olhos Delas do Blogs Unicamp

DNA como molde para o ácido ribonucleico, RNA

Além de se replicar no processo de duplicação, o DNA também serve de molde para a preparação de uma outra molécula importante na síntese de proteínas, o RNA mensageiro, mRNA, em um processo chamado de transcrição. A partir dessa última molécula é que ocorre a tradução com a síntese de proteínas.

Então, o DNA tem a informação transmitida ao mRNA. A partir do mRNA é que há a tradução – daquela informação codificada – em proteínas. Essa tradução ocorre fora do núcleo em uma outra organela da célula, no ribossomo.

Não é sopa de letrinha

A sequência desses bloquinhos de base nitrogenada no DNA não é aleatória. A combinação de cada três bloquinhos é traduzida pela célula em um aminoácido – a menor parte da estrutura de uma proteína. O conjunto de aminoácidos ligados é que dá origem a uma proteína. Quantidade e sequências diferentes de aminoácidos estão associados a proteínas diferentes. E é nelas que está a beleza da vida. Entre outras coisas, as proteínas fazem parte de estruturas das células, transportam o oxigênio necessário para a nossa respiração, conseguem deixar as reações químicas mais rápidas nos organismos. Enfim, são fundamentais para a manutenção e funcionamento dos organismos.

Combinando as sequências

O interessante sobre o código genético é que a sequência das bases nitrogenadas presentes em um códon (sequência de três bases nitrogenadas) específica corresponde a um aminoácido específico e isso é praticamente universal entre todas as formas de vida na Terra.

Um pouco de matemática

Podemos inferir a quantidade de combinações possíveis de bases nitrogenadas para a formação de códons por meio de uma fórmula matemática chamada de Arranjo com Repetição:

A(n, r)  = nr

em que
n é o número de bases nitrogenadas,
    no caso são quatro (A, T, C, G)
r é a quantidade de bases por conjunto,
    no códon são 3.

Dessa forma,

A = 43

A = 64

Existem 4 pares de base nitrogenadas diferentes (A, T, C e G). A combinação entre elas em uma das três posições em um códon nos dá a possibilidade de 64 códons diferentes. Desses 64 códons, 61 são traduzidos em aminoácidos e 3 estão associados a uma espécie de sinalização para a parada de tradução da sequência do DNA, os códons de Parada.

Mas alguns códons diferentes sinalizam para a produção de um mesmo aminoácido. Os 61 códons produzem apenas 20 aminoácidos diferentes. Por esse motivo, o código genético é considerado redundante ou degenerado.

A sequência de aminoácidos que compõem uma determinada proteína é codificada por um gene específico. Dessa forma, o DNA contém o genoma da célula que é a totalidade da informação genética que, além de dar origem a milhares de proteínas, também regula quando e onde elas serão feitas.

Do DNA à proteína. Ilustrado a partir do original por Graciele Almeida de Oliveira

A replicação refere-se ao processo de duplicação do DNA e em células eucarióticas acontece no núcleo. A transcrição, o processo de produção de RNA a partir do DNA também acontece no núcleo. A tradução é um processo de produção de proteínas a partir do mRNA (RNA mensageiro). Ela acontece nos ribossomos, organelas presentes no citosol da célula. As células não conseguem produzir DNA a partir do RNA, mas alguns vírus possuem em sua maquinária uma enzima, um tipo de proteína, capaz de fazer esse processo, a transcriptase reversa.

Material genético materno

Na reprodução sexuada, a composição do DNA presente no núcleo das células eucarióticas é uma contribuição de 50% de cada um dos sexos. Além disso, a célula eucariótica abriga outra organela com material genético próprio, a mitocôndria. Como regra, o material genético presente na mitocôndria é de origem apenas materna. Se compararmos com o DNA do núcleo, a quantidade de informação genética presente na mitocôndria é bem menor, mas ambas informações são muito importantes.

Mas e os vírus?

Os vírus não têm a maquinaria para fazer cópias de si mesmos, nem mesmo para a transcrição e tradução em proteínas, mas contém a informação genética para a sua produção. O mesmo acontece com o SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19. Para saber um pouco mais sobre a necessidade dos vírus por um hospedeiro leia Valentões dentro da célula, sensíveis fora dela: os vírus.

Nota dos Editores:

Volte ao capítulo 2 para rever a estrutura do coronavírus:

Adaptado de uma imagem de Davian Ho (CC BY) para o Innovative Genomics Institute. 

Dica

Em comemoração aos 20 anos de existência, o Instituto Suíço de Bioinformática (Swiss Institute of Bioinformatics) lançou o jogo Gene Jumper. O jogo é gratuito e está disponível em 3 idiomas, inglês, francês e alemão. Apesar de não ter disponível a versão em português, é bem divertido jogar e se tem uma ideia do processo de tradução do DNA. 

PARA SABER MAIS 

 

  • Alberts, Bruce, Alexander Johnson, Julian Lewis, David Morgan, Martin Raff, Keith Roberts, and Peter Walter. Molecular biology of the cell Sixth edition. Garland Science Taylor and Francis Group, New York NY, 2015.
  • Mora, Camilo, Derek P. Tittensor, Sina Adl, Alastair GB Simpson, and Boris Worm. How many species are there on Earth and in the ocean?. PLoS biology 9, no. 8, e1001127, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pbio.1001127
  • Voet, D. e Voet, JG. Bioquímica. 4 Edição. Editora Artmed. 2011.

A desinformação azeda sobre o limão na COVID-19

A simples ingestão de um ou outro alimento poderia nos tornar imune ao coronavírus? Apesar de estranhas, tenho presenciado situações e recebido mensagens diversas sobre o pH dos alimentos e sobre diversos produtos que as pessoas têm utilizado em substituição ao álcool em gel. 

Como a desinformação tem atrapalhado nossa resposta à COVID-19

A notícia de que o Brasil atingiu, nesta semana, o segundo lugar de país com maior número de contaminados de COVID-19, tornando-se o novo epicentro da doença, mostra que estamos falhando miseravelmente no controle da pandemia. Uma avalanche de notícias e informações falsas tem nos distraído e dividido bem no momento crucial em que deveríamos focar todas as nossas energias no combate ao vírus.

Como se produz um resultado científico e o que isto tem a ver com a COVID-19?

Vocês já tiveram a impressão de que a ciência é uma bagunça esquisita? Uma hora lemos que o café faz mal, noutro momento, o café salva nossos corações… O chocolate então? Passa de vilão para herói ano sim, ano não… tudo isso faz com que a ciência, os resultados e conhecimentos científicos muitas vezes sejam desacreditados.

Corrigindo boatos de forma estratégica

Você não aguenta mais receber Fake News no grupo da família? Já cansou de corrigir os mesmos boatos toda semana? Pois você não está sozinho. Desde que os primeiros casos de COVID-19 começaram a ser registrados, os potenciais riscos das desinformações deixaram de ser assunto para pequenos grupos de cientistas e invadiram o dia a dia de boa parte da sociedade.

COVID-19 e o negacionismo

Enquanto a COVID-19 faz milhares de vítimas fatais pelo mundo e as autoridades em saúde pública orientam o isolamento social como método mais eficaz de contenção de sua disseminação, parte da sociedade assiste, estarrecida, ao discurso de políticos que seguem negando os fatos com foco na recuperação da economia, mesmo ao custo de “algumas” vidas. Veiculados como gesto em prol do trabalhador, conceitos formulados por Noam Chomsky e Antonio Gramsci mostram que o discurso negacionista tem outros beneficiários.

COVID-19 e os riscos da modernidade: modernização como causa e como consequência

Na sociologia contemporânea, principalmente na obra de Ulrich Beck, as pandemias já eram identificadas como um dos principais riscos da modernização. O caso atual da CO-VID-19 veio para confirmar isso, e mais que isso, é fácil identificar como o processo de modernização aparece como causa, mas também como consequência da pandemia. O difícil é vislumbrar quais serão os impactos das mudanças nos processos sociais no período pós-pandemia

Os 7 tipos de Fake News sobre a COVID-19

Conforme escrevi no capítulo 10, “A COVID-19 e o negacionismo”, há dois meses, a pandemia trouxe consigo a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito dessa terrível doença. Neste sentido, o presente texto pretende analisar e classificar os tipos de desinformação que circulam relacionados à COVID-19 e indicar um roteiro de perguntas básicas que você deve fazer antes de acreditar e/ou compartilhar informações, que vale tanto para o Coronavírus quanto para as demais Fake News sobre saúde (que circulam desde sempre).

Pandemia acelera produção e acesso a preprints

“Cães e gatos podem transmitir o COVID-19?”; “Descoberto anticorpos com ação eficaz contra o novo coronavírus”; “Droga contra HIV tem ação animadora contra SARS-CoV-2”. Estas são algumas notícias que devem ter chegado a você, todas baseadas em artigos ainda sem avaliação por especialistas. São os chamados preprints, que são disponibilizados para acelerar o acesso à informação científica, o intercâmbio e as chances de a ciência achar respostas rápidas contra o novo coronavírus.

Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire

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