Zero
Oi, para quem não sabe, essa é a minha aparência (uma das).
Mas porque estou falando disso?
Pelo menos para mim, uma das maiores questões de sermos quem somos é o receio de como as pessoas intolerantes na sociedade reagirão. Um receio das sanções que posso sofrer, algumas violências diretas ou indiretas que podem se dirigir à mim. Porém ja faz bastante tempo que fortaleço uma ideia que me encorajou e acredito também poder encorajar outras pessoas em situações que tenham receio do que as pessoas intolerantes farão. Digo isso também às situações em geral que possam levar pessoas a terem receio de serem elas mesmas por conta de outras que são intolerantes, seja por etnia, crença, costume, preferências, etc.
Agora acompanhe meu raciocínio, vamos considerar os indivíduos de uma sociedade representados na imagem abaixo. Os gatinhos como as pessoas que respeitam as outras, e os quadradinhos as intolerantes. Olhando o todo, vemos que há 10 gatinhos e 6 quadradinhos, logo os gatinhos são a maioria.
Porém vamos acrescentar as conexões. Digamos que todos os quadradinhos nessa sociedade interajam somente entre si. Nesse caso, teremos uma rede assim:
Na visão desses quadradinhos, a sociedade se resume ao seu perfil, por exemplo, que a sociedade seja cis-heteronormatividade. Embora estes quadradinhos não formem a maioria, eles estão conectados uns aos outros dando-lhes a impressão de estarem em contato com uma parte grande da sociedade, como numa bolha, onde todos ali pensam parecido e forma-se a crença de que tal pensamento seja o predominante.
Contudo, a ilusão da maioria também pode afetar os gatinhos. Imagine que 5 gatinhos interajam com outros 5 quadradinhos, de modo que nenhum quadradinho interaja com mais do que 5 gatinhos.
Neste cenário, cada gatinho tem a percepção de que a sociedade seja formada por 5 quadradinhos e 1 gatinho (ou seja, seu grupo representa 16% da sociedade), enquanto cada quadradinho tem a percepção de que a sociedade seja formada por 6 quadradinhos e 4 gatinhos (ou seja, seu grupo representa 60% da sociedade).
Agora imagine que os outros 5 gatinhos decidiram interagir na sociedade, e passaram a se conectar cada um deles com dois quadradinhos, de modo que cada quadradinho não se conecte com mais do que dois novos gatinhos.
Neste cenário, metade dos gatinhos tem a percepção de que a sociedade seja formada por 5 quadradinhos e 1 gatinho (ou seja, seu grupo representa 16% da sociedade), a outra metade dos gatinhos tem a percepção de que a sociedade seja formada por 2 quadradinhos e 1 gatinho (ou seja, seu grupo representa 33% da sociedade). Por outro lado, cada quadradinho agora tem a percepção de que a sociedade seja formada por 6 quadradinhos e 6 gatinhos (ou seja, seu grupo representa 50% da sociedade).
Essa é a ilusão da maioria. Pois embora os gatinhos sejam a maioria da sociedade, eles se enxergam como minoria. Pois os quadradinhos estão representando pivôs de conexões. Podemos contextualizar melhor este cenário quando pensamos em alguns pivôs de conexões na nossa sociedade, como líderes religiosos, atores, atletas, influenciadores, jornalistas, artistas, divulgadores científicos e professores. Sim, professores são pivôs de conexões, por exemplo, esse semestre eu tive 140 alunos se encontrando pessoalmente comigo toda semana por períodos de 90 a 300 minutos.
Mas como explicado, a ilusão da maioria ocorre devido as conexões existentes serem muito direcionadas à minoria, e por isso parecem ser a maioria. Para romper com esta ilusão é necessário que duas técnicas sejam aplicadas em simultâneo!
No nosso caso, fazer com que os gatinhos tenham interação com uma parcela maior da sociedade, descobrindo assim que há mais gatinhos do que quadradinhos. Ao mesmo tempo, fazer com que os quadradinhos interajam não só com outros quadradinhos.
Embora essa pareça uma solução simples, ela é deveras complicada quando nos sentimos a minoria, quando temos receio de sofrermos algum tipo de violência, de sermos sancionados pelo simples fato de querermos ser quem somos.
A ilusão da maioria tem ainda um viés mais obscuro, que envolve não só sentir-se minoria, mas buscar participar da aparente minoria. Desde alisar o cabelo, fingir ser cis-heteronormativo, negar suas práticas religiosas ou simplesmente usar vestimentas e cores que não lhe agradam.
Enfim, além de não serem questões simples de se resolver, são até certo ponto perigosas, mas definitivamente necessárias. Eu como docente de matemática e atuando na divulgação científica, tento trazer esse tema para os espaços que ocupo, abrindo assim conexões à outros gatinhos que assim como eu, já se sentiram minoria frente a uma minoria de quadradinhos.
Podem me chamar de Zero, fiz Licenciatura em Matemática pela USP, Mestrado na UNESP sobre a aprendizagem de Pensamento Computacional, Doutorado na UNICAMP sobre a aprendizagem de Demonstrações Matemáticas, Especialização em Informática Aplicada à Educação no IFRJ e atualmente sou docente de Matemática e curso Licenciatura em Química, ambos no IFRJ.
Como citar:
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. A ilusão da maioria. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/a-ilusao-da-maioria/. Acesso em: DD/MM/AAAA
Sobre a imagem destacada:
Foto: Gatos ferais no parque Kakaako – CC BY 2.0 – Por Daniel Ramirez no Flickr (original)
Bandeiras: Canva Pro
Edição: clorofreela