
Muitos dizem que a monogamia não é vantajosa (principalmente para machos), porque se é possível copular com várias parceiras, as chances de se ter mais filhos é maior. E não há dúvida que o objetivo de todo ser vivo é procriar, pois não só Darwin diz isso, mas o próprio Deus recomendou: “Multiplicai-vos!”. E muitos homens têm usado este argumento para defender sua promiscuidade. Mas não vou me ater à questão da vantagem, ou adaptabilidade, da fidelidade, ou seja, ao “por quê” dela, mas sim ao “como”.
Podemos definir monogamia como uma organização social, na qual cada indivíduo de um casal é mais seletivo e tem preferências com relação ao parceiro de cópula e convivência, com o qual divide o mesmo ninho e o cuidado com os filhotes. E veja que nessa definição não se exige exclusividade sexual total de parceiro. Sendo assim, veremos que apenas 3 a 5% dos mamíferos são monogâmicos.
Um desses mamíferos monogâmicos que vêm sendo estudados é um roedor do gênero Microtus e acabou se tornando um modelo de roedor “fiel”. Com ele descobriu-se que a formação de casais pode ser influenciada molecularmente, através de substâncias liberadas no cérebro. Em machos isto é influenciado pelo hormônio vasopressina (também ligada ao comportamento típico de machos como agressividade, marcação de território e côrte) e em fêmeas pela oxitocina (ligada à amamentação e à relação com filhote). Os estudos feitos consistiam em injetar vasopressina e oxitocina no cérebro de machos e fêmeas, respectivamente, e reparou-se que isto acelerava a formação de casais. E ao injetar substâncias que anulam o efeito desses dois hormônios impedia o enlace. O interessante é que os cérebros de espécies de roedores muito parecidas mas que não são monogâmicas são muito menos sensíveis a essas substâncias, e isto porque os poligâmicos têm menos receptores de oxitocina ou vasopressina que os monogâmicos, isto em áreas do cérebro relacionadas à formação de casais (seriam essas substâncias o tão procurado elixir do amor?).
Agora mais um dado curioso: não há dúvida de que a cópula gera prazer, e sabe-se que o prazer está ligado à dopamina. Mesmo o prazer de comer está ligado a esta substância, e esse sistema gera uma aprendizagem: o que nos dá prazer pode nos dar prazer de novo, então porque não ir atrás deste prazer novamente? É assim que aprendemos como ou onde saciar nossa fome, ou como e onde obter sexo. Assim, como sexo é recompensa, e é ela que nos faz aprender, quando a recompensa se relaciona com algum outro estímulo, um cheiro por exemplo, ocorre um tipo de aprendizado. Assim um Microtus, que é muito sensível ao olfato, ao copular relaciona este prazer (dopamina) ao cheiro do(a) companheiro(a), formando assim um casal que aprendeu a ter prazer mutuamente. É interessante observar que este sistema da dopamina é o mesmo usado por drogas como a cocaína para gerar dependência.

Formado o casal, como mantê-lo? O que garante que um indivíduo do casal não descubra que também pode obter prazer “pulando a cerca”? Fácil, é só diminuir os receptores de dopamina que interagem com o estímulo do cheiro. E é isso que acontece nestes roedores: depois que o casal é formado diminuem os receptores que interagem prazer e cheiro, assim um novo cheiro não vai causar o mesmo efeito que o do parceiro, não deixando um novo casal se formar.
Assim, resumindo, a formação de casais nesses roedores depende da interação entrsistema de reconpensa da dopamina e o sistema de reconhecimento social. E isso nos faz pensar: será o amor um vício, como a cocaína? Até que ponto o Microtus “escolhe” seu parceiro? E em humanos, como ocorre a seleção de parceiros?
Uma coisa é certa: se Deus, o criador dos animais, por meio das moléculas disse “multiplicai-vos”, para algumas espécies Ele disse também, “multiplicai-vos, mas apenas com um(a) parceiro(a)!”
Artigo Nature Neuroscience
Reflexão sobre a origem e o futuro da monogamia em humanos