Nobel de química 2015 em infográficos

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Muita coisa depende do DNA. Ele guarda informação para fazer proteínas, e isso ele faz nossa vida inteira. E além de ter que durar muito ele ainda se estressa demais, porque cada vez que a célula vai se duplicar, o DNA tem que separar as suas fitas e fazer uma cópia de cada. Quando vai mandar a mensagem pra fazer proteínas, ela se abre para copiar o pedaço que interessa. Esse abre e fecha vai danificando o pobre do DNA. Além disso ainda tem radicais livres e radiações como a UV que detonam ainda mais a pobre da molécula.

Se não tivesse como arrumar, o DNA se desfaria rapidinho. E quando isso acontece os resultados podem ser dois: câncer ou envelhecimento precoce.

Mas calma, temos os ganhadores do Nobel de química de 2015 para nos ajudar! Eles descobriram mecanismos de reparo que as células têm para corrigir os erros.

E cada um descobriu um tipo de reparo, já que pra cada tipo de dano tem um tipo de reparo. É como um carro que se levou uma batida você leva no funileiro, se for motor, no mecânico, e se for elétrico, só resolve uma autoelétrica. No caso do DNA os danos são reparo por excisão de bases (base excision repair), reparo por mau pareamento (mismatch repair), e reparo por excisão de nucleotídeos (nucleotide excision repair).

O infográfico que eu fiz alí acima mostra quem descobriu qual tipo de reparo. Claro que tem muito mais gente pesquisando sobre isso. Aliás, qualquer coisa sobre câncer pode apostar que tem muita gente pesquisando, porque é um assunto importante, complexo e muito interessante.

A própria organização do prêmio Nobel fez esquemas para mostrar como funciona cada tipo de reparo, o que eu achei bem legal da parte deles.

base excision repair

mismatch repair

nucleotide excision repair

E aqui um infográfico de um site muito bacana, o Compound Interest, que só faz infográficos de química. Muito bons e nada chatos, mas em inglês.

2015-Nobel-Prize-in-Chemistry

Publicado originalmente em inglês no blog do Mind the Graph

Saiba mais:

Reportagem da Revista FAPESP

http://www.compoundchem.com/nobel2015/

Nobelprize.org

Ferramente de infografia que usei: Mind the Graph

Dando um direto no DNA do Parkinson

Caramba. As vezes a gente recebe uns e-mails bem malucos e até demora pra cair a ficha do que se trata. Recebi um email pedindo para fazer como Muhammad Ali, o boxeador: mandar meu cuspe pelo correio para ajudar na luta contra a doença de Parkinson.

QUÊ?!

Pior que é isso mesmo. Esta é uma campanha de uma empresa de sequenciamento de DNA, a 23andMe que oferece um serviço de sequenciamento parcial do DNA de qualquer um que tiver 299 dólares para pagar [já falei dela, veja mais aqui].

Agora ela está com esta campanha para que pessoas com Parkinson mandem sua amostra gratuitamente para que seja usada em pesquisas médicas. Já foram enviadas até agora mais de 6mil amostras, mas eles querem que chegue a 10mil para ter um número relevante para a pesquisa. E parece que já acharam dois novos genes ligados à doença.

Claro que é uma campanha de marketing, principalmente porque esse serviço de sequenciamento foi muito discutido há pouco tempo pela polêmica se deveria ser livre para quem quisesse ou se só poderia ser pedido por um médico que sabe interpretar esses dados genéticos.

Esse fato não diminui a ideia fantástica de contribuir com uma pesquisa relevante e o mais legal de tudo isto que é incitar as pessoas a colaborarem diretamente com a ciência da coisa.

Bioinformática: o emprego do futuro.

Bioinformatics logo

Comecei a falar de bioinformática (bioinfo) no post passado, e continuarei falando dela aqui porque não só é uma ótima dica de carreira científica como é uma necessidade científica e social estimular essa carreira pela importância que ela tem e terá no futuro para ampliar nosso conhecimento.

Porque há tantos projetos?

Quando começamos na carreira científica geralmente é assumindo um projeto, de iniciação cinetífica, mestrado ou doutorado direto, e muitas pessoas podem parar por aí por não encontrarem um orientador com projetos que o interessem no momento. Em bioinfo isso não acontece pois os projetos surgem aos borbotões e nas mais diversas áreas, afinal a quantidade de dados que surge é imensa e sempre dá pra tirar algo novo de um banco de dados que já existe, onde a informação está lá, esperando para ser minerada, e novos dados estão sempre surgindo em velocidade cada vez maior, com os novos sequenciadores, por exemplo. Assim, projetos nunca faltarão, e as bolsas junto com eles.

Porque há tão pouca gente?

Esse é o maior gargalo da área: achar bioinformatas. Isso se explica por dois fatos principais: 1- biólogos não gostam de exatas e nem de programação; 2- computeiros até gostam de biologia, mas ganham muito mais em outras áreas como recem-fromados.

Assim, quem cobre esta área são na maioria físicos e matemáticos. Mas há sim computeiros e biólogos, claro, e estes se destacam bem se aprendem o outro lado da moeda bio/info.

O que preciso saber para ser bioinformata?

Hoje em dia, pelo desespero das instituições por bioinformatas, você não precisa de nada, só gostar de pelo menos duas dessas áreas e não chegar a odiar nenhuma delas: biologia, programação, estatística e matemática. Você terá um ano ou dois para aprender o que lhe faltar nessa equação tocando um projeto de mestrado. Mas as áreas de interesse são estas que eu mencionei. Claro que quanto mais preparado você estiver mais chances terá, por isso segue aqui a dica de onde encontrar cursos de especialização de interesse com nosso parceiro Educaedu Brasil.

Uma área nova e promissora

A bioinfo é nova no Brasil, estamos na segunda geração de bioinformatas se considerarmos que o projeto genoma da Xylela foi o que introduziu o Brasil na biologia molecular contemporânea criando a primeira geração de bioinformatas (direta ou indiretamente), tais como Emmanuel Dias-Neto, Helena Brentani, Sandro Souza, Anamaria Camargo e Paulo Oliveira. Esses são só os que eu conheço, mas olhar o lattes deles já pode dar uma idéia das possibilidades da carreira.

E sobram vagas de alto nível para pesquisadores nesta área. O Hospital AC Camargo e o INCOR, ambos hospitais fortes em pesquisa que perderam recentemente seus bioinformatas, têm dificuldade de encontrar alguém para esta posição.

Então meu filho, sente aí e aprenda a programar.

Super-Sequenciamentos de DNA e a lei de Moore

Dia 19 de abril é o aniversário da Lei de Moore que diz, segundo a Wikipedia “…[em 1965] o então presidente da Intel, Gordon E. Moore fez sua profecia, na qual o número de transistores dos chips teria um aumento de 100%, pelo mesmo custo, a cada período de 18 meses. Essa profecia tornou-se realidade e acabou ganhando o nome de Lei de Moore.”

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fig: A evolução dos precessadores e a lei de Moore

Uma profecia e tanto, porque é um ritmo frenético, concorda? Eu ainda lembro quando jogava Space Invaders no meu XT sei-lá-o-que na tela fósforo verde.

O engraçado é que, sem saber do aniversário, eu ouvi sobre a lei de Moore essa semana. Mais do que isso, ouvi sobre algo que anda mais rápido que a lei de Moore: a potência do sequenciamento de DNA.

O RNAm foi convidado para o lançamento da nova tecnologia de sequenciamento da Life Technologies, o Ion Torrent. Muito legal a tecnologia e parece que vai revolucionar a área de sequenciamento mesmo. Se você é da área entre no link caso se interesse, vale a pena (como não sou da área, não vou entrar em detalhes). Só vou dizer uma coisa: essa coisa consegue detectar a mudança de pH gerada pela liberação de hidrogênio quando uma base, A,T, C ou G se liga à fita a ser sequenciada!

Bom, neste evento foi citada a lei de Moore para compará-la com a evolução da tecnologia de sequenciamento. Veja aqui a comparação do custo de um genoma e o custo dos processadores:Sequencing graphs to slides

Isso muda muita coisa. Com sequenciamentos baratos e rápidos, áreas como a epidemiologia vão mudar, e já estão mudando muito. Técnicas como arrays irão aos poucos sumir, dando lugar ao todo-poderoso, direto e inequívoco sequenciamento.

E já tem muita gente no Brasil fazendo muita coisa com sequenciamento. Duas palestras muito interessantes: uma com o pessoal da bioinformática da FioCruz, o Cebio, que oferecem uma estrutura de análise e planejamento de sequenciamento e tem parcerias com vários pesquisadores e empresas; outra coisa interessante é a Rede Paraense de Genômica e Proteômica, da UFPA, um centro com muita estrutura e colaborações, isso tudo fora do sudeste.

Esses dois centros são muito importantes, sabe porque? Porque máquinas como o Ion Torrent estão deixando o sequenciamento cada vez mais fácil, mas o que fazer com aquele monte de letras ACTG? O funil do conhecimento nessa área é a análise, e por isso esse knowhow destes centros vale ouro. Bioinformática vale ouro. É emprego certo porque pouquíssima gente tem o conhecimento necessário (essa é a frase que eu mais ouço ultimamente em todas as áreas no Brasil). Também, precisa entender de biologia, matemática e programação, mas biólogos não suportam exatas, e exatos, bem, até gostam de bio, mas ganham muito mais em inicio de carreira em outras áreas do mercado de trabalho.

Então veremos o que fazer com as toneladas de dados gerados pelos simples, rápidos e baratos sequenciamentos.

Pesquisas mais importantes em câncer: as malignas células-tronco, o genoma e a imunologia.

Cancer novidades

Nesta semana a famosa revista Nature Medicine lançou um número com foco em câncer, e mostra o resultado de uma pesquisa que perguntou aos pesquisadores da área de câncer quais os trabalhos mais importantes dos últimos dois anos (2008-2010) [está em inglês mas tem conteúdo livre]. É importante saber o que esse pessoal acha importante porque essas pesquisas, mesmo que bem básicas ainda e na sua maioria longe de se tornarem tratamentos para uso da população, vão moldar o futuro do combate a essa doença.

Veja aqui os temas mais quentes na opinião dos pesquisadores.

  • Células-tronco de câncer – Já a algum tempo se sabe que apenas algumas células de um tumor têm a capacidade de se multiplicar. Isso é uma faca de dois gumes: ruim porque, mesmo que se mate muitas células e o tumor reduza de tamanho, se alguma ou mesmo uma só dessas células sobrarem elas podem formar o tumor novamente; mas também é bom porque reduz o nosso alvo, afinal só precisamos matar essas células-tronco do câncer.

A pergunta então é “quantas e como são estas células?”, e foi justamente um trabalho nessa área que recebeu mais citações na pesquisa entre os especialistas. Antes se achava que as células-tronco seriam apenas 0,1% das células de um tumor, mas Elsa Quintana e colaboradores descobriram que em tumores sólidos, no caso um melanoma, 25% das células têm capacidade de formar um tumor. Assim parece que o número é bem maior do que se pensava e varia em tipos de tumor e mesmo de um indivíduo para outro.

  • O genoma do câncer – A ideia não é nova: “já que o câncer acontece por causa do acúmulo de defeitos no DNA das células, vamos sequenciar e ver o que mudou”. O que acontece é que isso é muito caro e os resultados demoram a aparecer. Hoje em dia as técnicas de sequenciamento estão melhorando e vários alvos terapêuticos já foram encontrados, como genes e fatores de risco como o cigarro que aumentam as chances de gerar um tumor. Mesmo assim essa abordagem divide opiniões de especialistas.
  • Corrigindo os erros – Algumas tentativas de tratamento que chegaram a ser testadas em humanos mostraram resultados não esperados (BRAF e PARP). Até mesmo drogas que funcionaram em cultura de células e em animais, quando passam para humanos acabam tendo o efeito contrário do desejado. Estudar os porquês disto tem trazido informações interessantes, e não impedem que os testes em humanos continuem e se aperfeiçoem. Por isso é interessante até mesmo gerar resistência a células tumorais in vitro para entender como superá-la.
  • Imunologia e microambiente – Usar anticorpos específicos contra tumores é uma terapia já muito usada, mas o que ainda não se sabe muito é como o ambiente do tumor  e o sistema imune do doente realmente interagem com o tumor e como suas células, afetam essas células tumorais. Trabalhos nesta área também foram muito citados na pesquisa, e esta área parece estar adquirindo a visibilidde que merece.

Infelizmente a grande maioria das pesquisas apontadas pelos estudiosos estão em estágio muito experimental e longe de aplicação. Imagino que isto acontece porque leva-se muito tempo para levar idéias novas para testes em humanos, fazendo com que quando algo chega ao humano já não é tão novidade e novas descobertas chamam mais a atenção dos pesquisadores. Possivel também que poucos pesquisadores clinicos (clínico = em humanos) tenham respondido a pesquisa e tenha prevalecido a opnião dos pesquisadores básicos. De qualquer forma é por aí que caminhará a ciência e a medicina do câncer.

 

Vi na Nature Medicine – A close look at cancer

A “bíblia” da neurociência – use com moderação

kandel livro.JPGNa minha saga em começar a estudar neurociências (que será documentada neste blog – este já é o segundo post) eu optei por começar lendo o “Princípios de Neurociências” do Kandel, como já havia dito antes.

E este é o primeiro livro-texto que leio desde o começo. Sim, livros-texto são aqueles gigantes usados como as bíblias duma disciplina de faculdade. Geralmente o professor da tal matéria só indica os capitulos que lhe interessam e que o tempo do curso permite desenvolver.

Mas começar a ler desde o começo é muito interessante. Os 2 primeiros capítulos do Kandel são muito legais, além de informativos, contando a história da neurociência. Não como um livro de história, mas uma história escrita por um cientista. A diferença é que vai se construindo uma história baseada nos trabalhos e desenvolvimentos da pesquisa, assim eu fui me sentindo mais embasado e preparado para conversar com quem trabalha na área.

Ramon y Cajal, Golgi, Wernicke, Broca, Gazzaniga, são nomes que eu sempre ouvia mas não tinha entendido até então sua posição e importância dentro dessa história toda da decifração do cérebro. Acompanhar seu erros e acertos faz com que várias idéias surjam e muitas outras morram no leitor – morte esta que é muito importante, já que algumas idéias que nós temos e nos fazem achar muito inteligentes por isso, acabam nos deixando com cara de idiotas quando percebemos que a dois séculos atrás alguém já pensou, testou, e refutou ou confirmou tudo que você tinha cogitado. Assim nós podemos nos localizar melhor na linha do tempo de desenvolvimento desta área, sem ter que reinventar a roda.

No ombro de gigantes eu me apoiei… escorreguei e caí.

O problema dos livros-texto é o mesmo de todo gigante: geralmente são lerdos.
Esta edição que eu estou lendo é de 2000, quando o Projeto Genoma Humano estava para ser terminado, pelo menos o rascunho dele. No livro ele fala que “os mais de 80 mil genes da célula humana…” e isto esta errado!

Pelo menos em parte. Antes do sequenciamento do genoma humano, achava-se que em média um gene corresponde a uma proteína. Como temos muitas proteínas devemos ter também muitos genes, mais ou menos uns 100mil. Qual não foi a surpresa quando descobriram que há menos de 30mil genes! Foi um tapa na cara da comunidade científica, e isso mostra que o genoma é mais complexo do que se esperava, porque poucos genes conseguem fazer muito mais proteínas.

E foi um tapa na minha cara também. Afinal, o livro de 2000 já está muito ultrapassado!
Mas afinal, que livro consegue acompanhar o desenvolvimento das coisas? Por definição um livro é “obsoleto” assim que nasce. Por isso já percebi que nas questões mais polêmicas e de áreas mais dinâmicas, como a biologia molecular, vou ter que dar umas olhadas nos trabalhos científicos recentes, principalmente nas famosas revisões, que são artigos que compilam o que há de mais novo em um determinado assunto.

E é isso mesmo, porque no fim das contas não podemos pôr a culpa no livro ultrapassado, quando o responsável pelo seu conhecimento é exclusivamente VOCÊ mesmo!

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Olha aí o Kandel com aquela cara de quem tem um Prêmio Nobel no bolso.

E a neuro-saga continua, o próximo tema será: como entender seu cérebro pelos erros.

Parabéns para mim, para o rock e para o genoma brasileiro!

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Café afetado pela xylella. Adoro estes cortes de plantas!


13 de julho, que data mais importante para o Brasil e para o mundo. Neste dia, há alguns anos atrás (não muitos), nascia este que vos escreve. Não bastando isto, também é o dia em que se homenageia mundialmente o Rock´n Roll. Agora descobri mais um nascimento importante neste dia: Xylella fastidiosa.
Não é uma banda de rock, é uma bactéria que causa uma doença nos laranjais, e não é que ela tenha propriamente nascido em 13/7, mas nesta data ocorreu algo que mudou os rumos da ciência no Brasil.
xylella.jpg[adendo – claro que, sabendo que as bactérias se reproduzem aos milhões em poucos minutos, bilhões e bilhões de Xylellas devem nascer todos os dias e no dia 13 não foi diferente, portanto várias bactérias fariam aniversário comigo caso elas chegassem a durar um ano.]
Xyllela-Nature.jpgNeste dia, no ano 2000, foi publicado o genoma da Xylella na revista Nature. Este projeto, bancado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), foi uma aposta bem alta: gastar 12 milhões para colocar o Brasil na ponta de alguma pesquisa e chamar a atenção do mundo – no caso a genômica foi a escolhida.
Funcionou. Muitos mestres e doutores puderam aprender técnicas de ponta, equipamentos foram importados, e toda uma geração de cientistas foi gerada, sendo que muitos são hoje em dia pesquisadores no Brasil e fora dele.
Eu mesmo me beneficiei deste salto, pois desde o laboratório de iniciação científica até meu atual no doutorado participaram do sequenciamento, e só com esta conquista puderam se estabelecer, afinal a biologia molecular era muito fraca por aqui.
Mas a mágica funcionou até certo ponto. Na área acadêmica a luta agora é por qualidade. Já conseguimos colocar o Brasil no mapa científico mundial, mas precisamos de trabalhos melhores em revistas científicas de maior impacto. Os projetos genoma são muito criticados por não terem entregado para a agricultura e para a medicina as melhorias e descobertas prometidas no passado. Buscar estes resultados é o que deve aumentar a qualidade.
Mas talvez o mais importante hoje em dia seja ter o arrojo de dez anos atrás para estimular de alguma maneira o setor privado a interagir com a área de pesquisa. Um modelo de transferência de conhecimento da academia para a indústria seria o próximo passo para firmar definitivamente a produção de ciência no Brasil.

Essa nossa vidinha sintética

Thumbnail image for LIFE_by_OrangeUtan.jpgCom certeza a notícia científica mais importante desta semana foi o anúncio de que, 10 anos e 40 milhões de dólares depois, a equipe liderada por Craig Venter conseguiu “criar vida artificial”. Será?

Como sintetizar uma vida passo-a-passo:

1- tenha muito dinheiro, tempo, fama e nenhum medo de polêmica. [seja Craig Venter]

2- descubra qual o mínimo de informação que uma célula precisa para viver. [em 1995 o pessoal do Craig sequenciou o menor genoma conhecido, do Mycoplasma genitalium com 500 genes, e ainda conseguiram tirar uns 100 deles]

3- transplante pelo menos um cromossomo natural para outra célula antes de inventar moda! [fizeram isto em 2007]

4- sintetize o cromossomo, ou seja, coloque as letras ATCG na ordem certa. [feito em 2008, com algumas “marcas d´agua” para sabermos que é realmente o construído e não o natural. Essa assinatura é um código que transforma em ATCG alguns nomes de pesquisadores e até uma frase do James Joyce “To live, to err, to fall, to triumph, to recreate life out of life.” (Viver, errar, cair, triunfar, recriar vida apartir de vida) ]

5- coloque o tal cromossomo sintético na outra célula sem DNA e cruze os dedinhos para ela não morrer e se reproduzir. [isso que aconteceu agora]

Como você pôde ver, a tal vida não é totalmente sintética, afinal usaram uma célula já existente para ler o programa sintético que é uma cópia de outro genoma já existente.
Eu não estou desmerecendo a pesquisa. Ela é muito legal e abre várias portas mesmo mas, como sempre acontece, o hype é exagerado. Tá longe de construirmos um organismo para os fins alardeados – como bactérias que comem capim e o transformam em petróleo. E outra, bactéria é fácil, quero ver com eucariontes como plantas, vermes, eu e você. Aí literalmente o bicho pega.

O Sérgio Abranches falou (dia 21/5) que este trabalho foi uma quebra de paradigma, mas ele caiu na velha armadilha desta palavra que é a mais prostituída de toda a filosofia da ciência. Na verdade é bem o oposto: este experimento é o ápice do paradigma atual da engenharia genética! Isso vem sendo feito há muito tempo. Há muito que construímos organismos genéticamente modificados: picotando DNA, colando genes, inserindo proteínas e criando animais inteiros transgênicos. Criamos, crescemos, comemos, cheiramos e injetamos seus produtos.

Novos problemas éticos? Acho que não. Só um sôpro a mais nas já turbulentas questões levantadas pela engenharia genética há pelo menos 30 anos. Nada novo aqui.

Agora o que este avanço tem a ver com Blade Runner é que eu não sei!!! UPDATE 23/05: me explicaram esta relação nos comments. Dê uma olhada (mas ainda acho q não tem nada a ver considerando a distância tecnológica).

Veja o tema do fórum do programa Rádio Blog da rádio Eldorado de São Paulo do dia 21 de maio:

Cientistas conseguiram pela primeira vez produzir uma forma de vida sintética em laboratório. Eles conseguiram reavivar uma célula morta, transplantando uma cópia do genoma de uma bactéria.
O objetivo do experimento é produzir micro-organismos para funções específicas, como limpar manchas de petróleo.
Na sua opinião, essa descoberta pode ajudar o ser humano? Pode ser perigosa? Você acredita que no futuro teremos andróides criados por empresas, como os do filme Blade Runner?

BIOLOGIA SINTÉTICA NÃO TEM NADA A VER COM ROBÔS!!! ai ai…

Genoma do câncer é a melhor abordagem?

mapa cancer.jpg

Mapa da Nature com os programas integrados de genoma do câncer

O câncer é uma doença causada por mutações no DNA, certo? Só que as mutações podem ser várias e em diversos genes diferentes em cada caso. Como saber quais genes que geraram um tipo de câncer?
Simples, é só pegar uma amostra do tumor e outra de tecido normal do mesmo paciente, e seqüenciar os dois. Comparando tumor e tecido normal você vai saber quais genes sofreram mutação nesta pessoa. Teríamos assim o genoma de um tumor.
E se juntássemos vários casos do mesmo tipo de tumor e seqüenciássemos, poderíamos achar as mutações mais comuns para aquele tipo de tumor e descobrir novos tratamentos específicos pra cada.
Simples mas não fácil. E nada barato. Seqüenciamento é uma coisa bem cara, e leva certo tempo.
Por isso até hoje temos apenas 75 genomas de câncer publicados, e nem todos completos.
Outro problema é que esses genomas todos q vêm sendo feitos, desde o humano até as bactérias, passando até pelo ornitorrinco, não têm gerado impactos diretos na qualidade de vida humana. Quem trabalha com evolução molecular adora genomas, mas em medicina, para encontrar um tratamento diretamente e totalmente derivado desses seqüenciamentos está meio difícil.
E com tumores vai ser mais difícil, pois alguns genes mutados iniciam o processo, deixando a célula mais vulnerável a erros e novas mutações. Como saber se essas últimas mutações são tão importantes quanto as primeiras? E existe mesmo um padrão nelas se comparadas com outros tumores?
Resumindo, ter o genoma é simples, mas analisá-lo e tirar um tratamento disso é que complica. Afinal, a quantidade de genomas seqüenciados para dar mais confiança, em alguns casos, deve ser de mil ou mais! Isso é muito esforço e muito dinheiro. Além disso, estes resultados são apenas números num computador. Testes funcionais, em células e animais, devem ser conduzidos para confirmar o papel das dicas dadas pelos seqüenciamentos.
Pior é que agora muita pesquisa boa está se voltando ao metabolismo do tumor, não só ao seu DNA. Se esta proposta começar a gerar mais resultados aí que eu quero ver.
Fato é que esta abordagem de seqüenciamento em larga escala não é um consenso. Sim, por mais incrível que pareça existem cientistas bons que não gostam de sequenciamento de genoma. Eles acham que outras abordagens têm melhor custo-benefício.
Enquanto isto eu só espero que o Brasil tenha dinheiro suficiente para pelo menos usar a tecnologia e os tratamentos que JÁ existem e não chegam a todos.

Estatísticas inúteis do futebol. E na ciência?

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Imagem: retidara da gafe do Galvão aqui e editada por Rafael_RNAm. O “p<0,05” é um limite em estatística e significa 0,05% de chance do seu resultado ser fruto do acaso.

Bem amigos do RNAm!!! Estamos aqui para mais um show de transmissão científica. Um show de imagens, de comentários abalizados, e de dados completamente inúteis!

Sim, eu não me conformo com a quantidade de dados inúteis em uma transmissão de jogo de futebol. E isso não é novidade pra ninguém, afinal há muito tempo já se tira sarro de estatísticas do tipo “só em 1843 o Piraporense do Bom Jesus ganhou de 3 a 0 do Itaquaquecetubense em um ano bissexto”. Mas assistindo a Brasil e Chile vi um nível de sofisticação fantástico na coleta de dados.

A todo momento aparecia o quanto cada jogador havia percorrido na partida, ali, em tempo real. Também o quanto desse tempo ele havia andado, trotado e corrido. No fim do jogo um gráfico mostrou a média percorrida pelos times, posse de bola, arrancadas e até um gráfico mostrando a região mais percorrida do campo por cada equipe.

Coleta de dados perfeita. Provavelmente uma câmera fixa ligada a um computador com um programa de analise de imagem fez esse serviço.

Adendo – E não é nada muito novo. Essa mesma técnica é usada para analise de comportamento de camundongos. Deixa-se uma câmera filmando a movimentação do bicho, analisando assim o comportamento depois de tratado com determinada droga, por exemplo. O software faz tudo sozinho.


Mas a pergunta é PARA QUE?!
Afinal as estatísticas no fim do jogo eram praticamente as mesmas entre os dois times (posse, distância percorrida, etc). Mas o Brasil ganhou de 4 a 2, que é uma bruta diferença. Diferença esta que existe, mas que a coleta de dados não pegou.

Ou seja, se tivéssemos só os dados estatísticos da partida, a técnica de coleta de dados durante os jogos ainda não é sensível o suficiente para prever quem ganhou de goleada.

Esse é um paralelo interessante para muitas pesquisas científicas. Muitas áreas estão ainda ajustando sua coleta de dados. E muitas já têm uma quantidade imensa de dados, mas ainda falta aprender a interpretar essa quantidade de informação. Falta fazer isso tudo fazer sentido e ajudar a prever um resultado. É o caso de áreas como a genômica, proteômica e outras ômicas: muita informação gerada e pouco tempo para análise e integração com outros dados.

Uma das críticas ao Projeto Genoma Humano era essa: muito dinheiro pra coleta de dados e pouco para análise. Bom, agora que o esforço foi concluído, realmente os resultados prometidos não vieram tão rápido, mas lentamente virão.

Na Globo, o Galvão ainda está assim: dirigindo uma Ferrari de dados mas sem saber pra onde ir. Mas sigamos coletando (principalmente quando há dinheiro sobrando)! Quem sabe um dia alguém aprende a usar isso tudo.

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