Os homens (e não as mulheres) dominam a evolução… ou não

Certificado de garantia


Sabe quando uma informação já está na sua cabeça, mas você nunca parou pra pensar realmente nela, e de repente alguém fala disso e você grita “NÓÓÓSSA, é mesmo”! Pois é, minha cabeça explodiu desse jeito agora.
A evolução é a chave da nossa existência, correto? Bom, pelo menos para nós biólogos sim. Mas “evolução não é uma coisa ou uma força, é um processo, uma idéia. Que está repleta de fatos e mecanismos. Os principais são: mutação, seleção, deriva genética e recombinação. Sendo que a mutação é a base, pois todas as outras dependem da variabilidade que ela gera. Pois bem, as mutações são falhas ao copiar o DNA, que podem acontecer por fatores externos (radiação UV, temperatura, ataque químico) ou internos, na hora da divisão celular.
Quais as células mais propensas a mutações? As que se dividem mais. Células da pele e as da medula que produzem células do sangue, por exemplo. Mas essas mutações não têm importância evolutiva porque não passam para os descendentes. Um tipo de célula que se divide pra diabo é a que faz espermatozóides. Milhões e milhões deles. Milhões e milhões de divisões celulares. Milhões e milhões de… MUTAÇÕES! (existem sistemas de reparo, mas eles falham, afinal são humanos. A prova disto é que nós não temos mais rabos ou barbatanas)
Sendo assim, os homens são os responsáveis pela evolução da espécie humana!!! (Vide o video de Michael Lynch na FAPESP)
Leitor-interlocutor diz: “E essa foi a idéia que fez explodir sua cabeça?!”
Poxa, sim… é que como eu disse, nunca tinha pensado nisso, mesmo tendo todas as informações na cabeça.

Ok, não vou apelar, os homens só são os maiores responsáveis pelo aumento na variabilidade. Mas se quem escolher os parceiros for a mulher, elas estariam comandando a seleção. Qual é mais importante, variação ou seleção? É, não dá pra decidir quem guia a evolução humana.

Desculpem o post inútil.

Anotação de genoma para todos pela Wikipedia


Anotar um genoma é garimpar as sequências repetitivas das quatro letrinhas que formam o DNA, A-T-C-G, de um organismo. E a recompensa do garimpo é achar informação relevante, como sequências de genes e regiões reguladoras. A melhor tática usada para fazer isso, depois que conseguimos seqüenciar o genoma, é comparar a sequência adquirida a outra já mais caracterizada. Por isso é importante a troca de informação entre cientistas de diferentes projetos de seqüenciamento, anotação e caracterização.
Agora até pela Wikipedia é possível trocar informações sobre genes. Pesquisadores montaram um modelo de página na Wiki que interage com vários bancos de dados e permite acrescentar informações sobre genes, assim qualquer pessoa pode colaborar adicionando ou corrigindo as informações referentes àquele gene.
Apesar de os autores do modelo dizerem que a anotação de sequências de mamífero tenha duplicado, e que as informações são relevantes e muito utilizadas, mais tempo deve ser dado para que possamos saber se esta autogestão do estilo wiki vai ser importante para a anotação de genomas.
Notícia na Nature Reviews Genetics
Artigo na PLoS

O que têm em comum minha opção sexual e um cão-herói? Ora, a velha questão “gene x ambiente”!


Deu na Science: a influência na determinação da sexualidade é influenciada mais pelo ambiente que pelos genes. Ou seja, a criação, a cultura ou mesmo a gestação, têm juntos um papel preponderante na determinação das preferências sexuais. Pelo menos este estudo indica que os genes são responsáveis por 34% a 39% das diferenças entre os dois grupos estudados. Que grupos são esses? Ora, as melhores fontes para este tipo de estudo: super-gêmeos ativar! Um grupo de gêmeos idênticos, que são clones humanos naturais criados no mesmo ambiente, comparados com um grupo de gêmeos fraternos (ou seja, também a mesma criação mas genomas diferentes), se houver um bom número de cada, você pergunta o que quiser. Se for mais genético, os gêmeos idênticos vão ter mais que os fraternos. Simplifiquei, mas basicamente é isso.
E o que isto tem a ver com o tal Cão-herói do título? Veja só, deu no Estadão:

Cão que participou de resgate a vítimas de 11-9 será clonado. (…)O cão foi selecionado através de um concurso do laboratório BioArts Internacional que o elegeu como o cão mais “digno de ser clonado”(…).

E de que adianta? Só porque geneticamente o clone vai ser igual, quem disse que vai ser tão bom quanto o original? Temos visto que estas características complexas, desde sexualidade humana até “capacidade de resgate” canina, se devem muito mais às infinitas variáveis do ambiente que às sequencias de ATCG.
E uma coisa que achei bizarra: “eleito o mais digno de ser clonado”? Perigoso isso, não?

A genética como produto na revista Exame


Passei pela banca esta semana (coisa que a muito não faço por ter tanta coisa pra ler na internete) e me chamou a atenção a capa da revista Exame com uma dupla fita de DNA na capa. “Seu DNA vale bilhões” é o que diz a chamada. Claro, comprei a danada.
Muita coisa eu já havia escrito aqui (o que me alegra por saber que não estou defasado, e me entristece porque eu queria escrever um artigo maior justamente sobre isso). O foco são os testes genéticos e as empresas que estão surgindo neste ramo. Também cita o que empresas grandes como a Nestle e Siemens estão fazendo para se preparar para este novo movimento da “genômica pessoal”.
Quase soquei o computador quando vi que a matéria está disponível online e eu não precisava ter comprado a revista. No site da Exame tem um video de 2 min. sobre o tema. Mostra a repórter na exposição Revolução Genômica, que está rolando no Ibirapuera até julho, e o laboratório da Nestle aqui no Brasil.
Na verdade não comprei a revista a toa, já que o mais interessante da reportagem, na minha opinião, foi o relato de Maurício Lima sobre o exame genético que ele testou, e infelizmente não foi disponibilizado online. Neste relato ele conta que comprou o kit por 1000 dólares, cuspiu no potinho, e enviou esta amostra de volta ao laboratório da empresa 23andMe. Muito tempo depois obteve a resposta com o acesso online a algumas sequências, não do genoma inteiro, e sua comparação com estudos já realizados.
Basicamente se determina qual cópia de um gene relacionado a alguma doença você tem. Algumas cópias estão mais presentes em doentes. Daí se tira a tal chance de desenvolver a doença, coisa que é totalmente virtual, já que não se pode garantir que você terá ou não terá a doença. Mesmo ele sabendo disto, ficou ansioso ao saber que tem chance maior que a média de ter uma doença nos olhos que pode deixar a pessoa cega.
Se você se interessa pelo assunto, vale a pena comprar a revista Exame, e entrar também no site da 23andMe. Lá você pode, sem pagar nada, navegar pelos dados de sequenciamento de uma família fictícia, e ter uma idéia de como funciona o negócio.
P.S.: Esta não é uma postagem patrocinada. Nem pela Exame, nem pela 23andMe. Aliás deixo aqui o alerta de “CUIDADO-Determinismo Genético inside”. Para uma crítica, leia também aqui.

O gene do bom futebol.

Comentando a notícia: Cientista nega existência de “gene de craque de futebol”

Mais uma área caiu na bravata do determinismo genético. Agora até clube de futebol foi atrás de geneticistas para investir em pesquisa e descobrir o “gene do craque”. Assim, as escolinhas de base poderiam incluir testes genéticos para descobrir quem será o próximo Ronaldinho Gaúcho.

Graças a deus, o geneticista Henning Wackerhage tem a cabeça no lugar, e falou que “não há e nem haverá um teste para identificar o próximo Cristiano Ronaldo.”

“Um grande jogador precisa de condições cerebrais, noção de bola, condição física e uma série de coisas nas quais entram em jogo (atentem para o trocadilho “entrar em jogo”) cerca de 500 genes”, diz Wackerhage indicando o impedimento.

Não só isso, meu querido Wackerhage. São 500 genes e treino, muito treino. Afinal, quem disse que a falta de um gene não pode ser compensada com MAIS treino?

Claro que o geneticista não poderia deixar de puxar a sardinha para o seu lado, quando afirma que tendências para esportes menos complexos, como os 100 metros rasos, poderiam ser detectadas no futuro. Só não sei qual critério ele usa para definir um esporte como menos complexo que outro. Cartão amarelo para ele.

E mesmo que tais testes fossem possíveis, não poderiam ser usados por empresas. Muito menos para contratação (como já foi escrito aqui).

Mas que seria desejável um teste genético para selecionar cartolas de futebol, isso seria.

Genes e privacidade: lei americana proíbe discriminação genética


Se você fosse dono de uma empresa e pudesse saber se seu empregado possui uma tendência a uma doença grave no futuro próximo, por exemplo, uma chance 20% maior que a média de ter câncer de próstata, você o contrataria?
E se você fosse o empregado, deixaria que fizessem este tipo de exame em você?

Como eu já disse (não só eu, mas a revista Nature também), os testes genéticos vieram pra ficar. Bacana, medicina preventiva usando os genes: se eu tenho o tipo X do gene, posso ter mais chance de ter câncer. Mas infelizmente a coisa não é tão direta assim. Esta é uma visão simplista, e esta informação genética não pode ser usada ainda dessa forma, pois não temos conhecimento de como nossos genes interagem com outros genes, ou com o seu ambiente dentro ou fora das células.

Mas as empresas, principalmente as de seguro, sabem disso? Mesmo se souberem, elas vão se importar em diferenciar tarifas ou contratações? Por essas e por outras que foi votada na câmara dos senadores dos Estados Unidos o Ato de Não-discriminação por Informação Genética. Se assinada pelo presidente Bush (e é quase certo que será), fica proibida qualquer discriminação baseada na informação genética do indivíduo.

Essa segurança legal torna mais fácil conseguir pessoas que se submetam a testes genéticos com fim de pesquisa, pois atualmente poucas pessoas se sentem seguras para abrir seu código genético, mesmo para pesquisadores sérios e com contratos de sigilo firmados. Afinal, todos os dados coletados de pesquisas vão para um computador, e hoje em dia nenhum computador ligado à internet está a salvo de invasões e roubo de dados.

E estes estudos que são necessários para, justamente, aumentar nosso conhecimento na área e, quem sabe no futuro, poder chegar a testes diagnósticos realmente relevantes e seguros.

Bom saber que já se abriu este precedente para proteger as pessoas de seus próprios genes.

links:
New York Times: Genetic Nondiscrimination Bill Clears Congress
Wired: Genetic Nondiscrimination Bill Clears Congress

Elementar, e mui caro, Watson.

Olhem só que beleza, temos mais um ser humano com seu genoma sequenciado: James Watson. Pra quem não se lembra ele foi um dos descobridores da estrutura do DNA. Esta descoberta abriu caminho para a manipulação genética, que é a principal atividade da
biologia atual (quer a gente queira ou não). Foi também esta descoberta que possibilitou o Projeto Genoma Humano (PGH), sequenciamento finalizado em 2001. Mas se já sequenciaram o genoma humano, qual a novidade em sequenciar o genoma do Watson só agora? Elementar meu caro. O PGH foi um sequenciamento de amostras de várias pessoas, que geraram um consenso, ou seja, uma sequencia que bate com a maioria. Era uma amostragem. Agora o que se busca é o sequenciamento individual, pessoal e intransferível. É possível, só que há um probleminha que impede esta etapa: o preço. O PGH durou 13 anos e custou 2.7 bilhões de dólares!

Um outro rapaz já teve seu genoma sequenciado. Craig Venter, o dono de uma empresa de biotecnologia que, em paralelo ao PGH, sequenciou o genoma humano, também teve seu DNA soletrado em A-T-C-Gs. Apesar de ter saído bem mais rápido e barato (100 milhões em 4 anos), ainda é um precinho meio proibitivo para os planos de saúde poderem colocar em seus pacotes de vantagens. Mas esse sequenciamento do Watson começa a trazer o sequenciamento pessoal mais para a realidade. Seu custo: 1,5 milhões. Tempo: 4,5 meses. Não é nenhuma bagatela, mas mostra que os avanços técnicos vêm a galope. Existe uma organização que está oferecendo um prêmio de 10milhões de dólares para a empresa privada que conseguir a seguinte façanha: sequenciar 100 genomas humanos (ou seja, 100 pessoas), em 10 dias, ao custo de 10mil dólares por genoma. Daí já daria pra brincar.

Mas veja que situação embaraçosa. Muito foi feito e gasto para se sequenciar o genoma de James Watson. Mas ao juntar e analisar esta informação, para apresentar para o próprio Watson, a conclusão não foi elementar, meu caro. Afinal, poucos são os marcadores genéticos de doenças que são confiáveis. Na verdade nenhum marcador genético pode dar certeza de doença. No máximo uma boa dica. O que é um problema para aqueles investidores em biotecnologia que não entendem nada de biologia. Afinal todo este dinheiro usado até agora foi conseguido pela promessa de resultados que seriam úteis na clínica, ou seja, nos laboratórios de diagnóstico pelo mundo. Só assim haverá um retorno financeiro que pague o gasto tido até agora. Não parece ser o caso, pelo menos não tão cedo.Vamos ver até que ponto o lobby da genômica vai levar esses engravatados no bico.

Links:
Dr Watson’s base pairs
James Watson’s genome sequenced at high speed
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Deu na Nature: Prontos ou não, lá vêm os testes genéticos.

do original “Ready or not”, Nature

Prontos ou não, os testes genéticos comerciais chegaram pra ficar.Várias empresas já vendem kits que permitem coleta e seqüenciamento de trechos do DNA do cliente para calcular risco de doenças como diabetes, câncer ou Alzheimer. Isto tem levantado preocupações. Afinal, os clientes estão cientes do que significa esse risco? Como manter os clientes atualizados com as novas pesquisas que irão refinar cada vez mais estes cálculos? Quem irá regularizar este novo mercado?

Os clientes potenciais destes testes devem ter conhecimento elevado sobre a biologia envolvida neste processo para poder tirar proveito desta informação, e as empresas devem se comprometer a manter estes clientes informados dos avanços nos estudos genéticos relacionados aos testes. Claro que deverá haver uma regulação, e talvez mínima já seja o sufuciente, como a que é feita hoje em dia em outros testes e exames, como os de ressonância magnética.
Mas este sistema só funcionará se também os pesquisadores desta área estiverem dispostos a tomar parte da responsabilidade desta revolução, agindo quando necessário para evitar abusos e enganos.

Meu genoma, minha privacidade


Estamos cada vez mais perto de um dos sonhos da medicina: a medicina personalizada. A idéia é simples, conhecer cada pessoa, sua fisiologia, psicologia e genoma, e prevenir ou tratar cada um de acordo com as suas características especificas. Afinal somos diferentes uns dos outros, temos resistências diferentes a doenças e respondemos de maneiras diferentes aos tratamentos. Os seqüenciamentos pessoais de genoma terão um papel essencial nessa nova medicina.

Hoje em dia ainda é demorado e caro fazer seqüenciamento de um genoma inteiro, mas a perspectiva de isso vir a ficar mais fácil é clara. Recentemente um grupo anunciou o seqüenciamento de dois cromossomos de um indivíduo. O líder do grupo, que teve seus cromossomos 23 seqüenciados descobriu algumas coisas interessantes com isso: a seqüência de seu gene ABCC11 indica que ele tem tendência a ter cera de ouvido úmida ao invés de seca; uma repetição de quatro seqüências antes de seu gene MAOA indica um comportamento social normal, já que a presença de apenas três dessas seqüências ocorre em muitas pessoas com comportamento anti-social. Também algumas informações preocupantes foram descobertas. O seu gene APOE está associado a maior risco de doenças cardiovasculares e Alzheimer, e a sua variação do gene SORL1 também está ligado a Alzheimer.

Ótimo saber tudo isto certo? Agora podemos estar mais atentos e prevenir este cara contra estas doenças indicadas pelos seus genes! Mas vamos nos por no lugar do cidadão que foi seqüenciado. Essa tendência a Alzheimer não deve ser fácil de esquecer. Como lidar com esta situação? Muita gente pode se derrotar ou ficar com aquele fantasma da doença que pode aparecer a qualquer momento. Afinal não há ainda cura para isto. Devemos ter claro que estas ligações entre genes e doenças são produto de pesquisas que comparam seqüências de genes de pessoas que tem e não tem Alzheimer, por exemplo. Algumas variações podem estar muito ligadas à doença, e vão aparecer bastante no grupo dos doentes e não muito nos saudáveis. Mas não há um fatalismo, nada é certo. Alguns doentes podem não ter a variação e não-doentes podem possuí-la.

Além do peso psicológico que estes seqüenciamentos pessoais carregam há ainda outras questões em jogo. Como uma empresa de seguros agiria tendo em mãos o perfil genético de seus clientes? Fica claro que a chance de quererem cobrar de forma diferenciada, simplesmente com base nas tendências, é grande. Cobrar por doenças que ainda não surgiram se é que vão surgir. O mesmo vale para a contratação em empresas. Além de provas, entrevistas e dinâmicas, uma gota de sangue poderia ser parte da seleção, e a contratação dependeria de seu perfil genético. Claro que isto seria a base para a descriminação genética, já imaginada no filme “Gattaca“. Mas a sociedade parece estar se prevenindo. Leis que proíbem o uso de informações genéticas por empresas e que garantem a liberdade do indivíduo querer saber ou não essas informações estão sendo aprovadas nos Estados Unidos e discutidas por todo o mundo.

Referências:

Your Genes and Privacy – Louise M. Slaughter, Science 11 May 2007: Vol. 316. no. 5826, p. 797

All about Craig: the first ‘full’ genome sequence – Heidi Ledford,Nature Vol 449|6 September 2007