Uma amiga minha, Rubia, me mandou este texto que mostra um inconformismo parecido com o que eu senti quando fiquei sabendo, nas palavras dela, que ” 51% dos norte-americanos não acredita na evolução darwiniana e eles dizem isso na maior cara-de-pau”. Absurdo né? Farei os meus comentários depois, talvez em outro post, mas agora veja o que ela tem a dizer sobre isso.
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Esta semana eu estava fazendo as leituras obrigatórias para uma disciplina que curso como ouvinte no Departamento de Comunicação da Universidade de Cornell. O tema é o debate sobre o ensino da teoria da evolução versus design inteligente (D.I.) nas escolas norte-americanas. Vale ressaltar neste ponto que sou formada em ciências biológicas e que acredito na evolução tanto quanto acredito na lei da gravidade.
Enquanto lia, visualizava os adeptos do D.I. como uma minoria caipira do tipo que vai fazer compras no supermercado vestindo a cueca por fora da calça. A cavalo.
Estava cansada de ler e as três gurias com quem eu moro estavam conversando sobre as aulas da semana, então resolvi aproveitar a pausa para falar do tema da minha aula. Falei por uns 3 minutos sobre as leituras e li em voz alta uma ou outra frase de uma entrevista que dizia que Darwin era o responsável pela difusão do ateísmo no mundo. Tudo com bastante sarcasmo e ironia, pois achei que estava falando de algo bastante óbvio. Uma delas então me perguntou o que eu achava da evolução. Não entendi a pergunta e ela repetiu, “você acredita na evolução? Acha que é verdade?” Ainda confusa com a pergunta (dãh!) respondi que sim, e com bastante medo praticamente sussurrei: “você…não?”
ATENÇÃO – OS PRÓXIMOS PARÁGRAFOS PODEM CAUSAR ARRITMIA, CONFUSÃO MENTAL E TAQUICARDIA
Ela com a cara mais lavada me diz que não. E uma por uma, as outras três (tínhamos uma visitante) confirmaram que “também não acreditam na evolução”. E pasmem, também não acreditam na teoria do Big Bang.
Eu simplesmente não sabia o que dizer, estava horrorizada. Chocada. Triste. Com pena do Darwin. Para os desavisados como eu, saibam que algo entre 48% e 51% dos norte-americanos não acredita na evolução darwiniana e eles dizem isso na maior cara-de-pau, sem o menor medo de ser feliz. Aqui é normal.
A entrevista da qual eu falei foi feita em 2009 com o Jonathan Wells, um Doutor em biologia celular e molecular pela Universidade da Califórnia (ele também é Doutor em estudos religiosos pela Universidade de Yale). Selecionei dois trechos particularmente interessantes, a entrevista na íntegra pode ser encontrada aqui:
Entrevistador: “Este ano é o bicentenário de Darwin. O que você poderia dizer
que é um bom resumo, hoje em dia, dos seus escritos sobre evolução?”
JW: “Por quê não celebramos o centenário de Mendel nos anos 1920, ou o
tricentenário de Newton nos anos 1940? Ambos foram grandes cientistas.”
Pausa: Hein?! O que tem a ver o c….
Prosseguindo:
JW: “Darwin não é celebrado por suas contribuições científicas, mas porque sua
teoria se tornou o mito criador do ateísmo.”
Outro trecho peculiar:
JW: “(…) dados do projeto genoma estão revelando grandes inconsistências no
argumento Darwiniano de que todos os organismos compartilham um ancestral
comum, e que ninguém nunca observou a origem de uma nova espécie – muito
menos a origem de novos órgãos – por variação e seleção. Por outro lado, a
evidência para o design inteligente está aumentando. Mais cedo ou mais tarde,
evidência vencerá.”
O que não sai da minha cabeça é: como uma pessoa que passou por um doutorado em biologia celular e molecular pode ser anti-Darwin? Mais ainda, com uma quantidade irrefutável de evidências científicas e de consenso quanto à teoria da evolução, como é possível que de cada 2 norte-americanos, só 1 acredite nela?
Para Chris Mooney e Matthew Nisbet, a polêmica tem raízes religiosas mas grande parte da culpa é da mídia. Eles afirmam em um artigo intitulado “Undoing Darwin” (ou “Desfazendo Darwin”) que quando a evolução sai do campo científico e entra no campo político e jurídico, ela deixa de ser coberta por jornalistas com conhecimento científico para navegar entre páginas sobre política e opinião, e também nos jornais televisivos. Todos esses contextos, cada um ao seu modo, tendem a retirar a ênfase na forte evidência científica em favor da evolução para dar credibilidade à ideia de que há uma crescente controvérsia sobre a ciência evolutiva, e assim a mídia está cumprindo o seu papel e cobrindo “os dois lados” do tópico. Eles afirmam categoricamente que esta prática “pode ser politicamente conveniente, mas é falsa”.
O Estado é laico mas mesmo assim temos referencias religiosas no dinheiro, nas escolas, na política com o caso escandaloso do pastor Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos. É o verdadeiro samba do crioulo doido.
Algo semelhante acontece com o caso das mudanças climáticas e aquecimento global. Ao tentar veicular ambos os lados do debate de maneira “imparcial”, a mídia retrata de maneira bastante desproporcional a opinião partilhada pela maioria dos cientistas quando dedica o mesmo tempo no ar (ou o mesmo espaço na mídia impressa) para os céticos. Dá nisso, o público fica confuso e a ignorância se espalha feito fogo no milharal.
@rubiagaissler é doutoranda em ambiente e sociedade e estuda as relações entre mídia e ambiente. Seu blog, Ciência Sapiens, pode ser visto aqui: rubiagaissler.wordpress.com.
UPDATE: continue lendo sobre este assunto no próximo post: