Esta é a primeira postagem no blog após o início do primeiro semestre letivo de 2017 na Unicamp. Dedicarei uma série de breves textos relacionados ao curso “Pensamento Social do Brasil” da graduação em Ciências Sociais (noturno). Antes de alguma menção ao possível “arcaísmo” dessa área de pesquisa sociológica, vale pensar sobre a atualidade – e as atualizações – das formas de representar países e cidades. As comemorações oficiais e os megaeventos esportivos servem, por exemplo, como ancoradouros de ideias, fabulações e projeções sobre os lugares. Podemos pensar que as ideias, os estereótipos e outras formas de representação simbólica são construídos, ou reconstruídos, nessas ocasiões comemorativas: Jogos Olímpicos Rio 2016, as Copas do Mundo de futebol masculino em 1950 e em 2014, os festejos do centenário da Independência (1922) ou dos 500 anos da “descoberta” do Brasil (2000).
As imagens do Brasil demonstram como algumas ideias são extremamente fortes e contam com ampla divulgação a ponto de se cristalizarem no senso comum, mesmo que com contornos distintos das formulações originais. Talvez o melhor e mais citado exemplo seja o “homem cordial”. Uma fonte fundamental para quem labuta na área de pensamento social é a análise de obras publicadas por um conjunto de autores. Por esse motivo, é fundamental compreender os livros como suportes de divulgação das fabulações sobre o social. Inúmeras publicações para que o crescente público leitor tomasse conhecimento do Brasil foram lançadas entre as décadas de 1930 e 1940. Nesse período, surgiram coleções como Brasiliana da Companhia Editora Nacional, Documentos Brasileiros da Editora José Olympio e Azul da Editora Schmidt. Eram os “novos retratos do Brasil”. Essa é a importância de entender o “homem cordial” como capítulo de um livro publicado em 1936 por Sérgio Buarque de Hollanda, ou seja, compreender o contexto para analisar quais as condições sociais para a atividade intelectual no Brasil.
A análise sistemática do imaginário e da construção de representações é anterior à institucionalização da área de pensamento social nas instituições de ensino e pesquisa ou nos grupos de trabalho das associações científicas (encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais e da Sociedade Brasileira de Sociologia). Antes da criação de algo definido como “pensamento social do Brasil”, “Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil” de Sérgio Buarque de Hollanda, tese defendida em 1958 e publicada no ano seguinte, é um desses exemplos de estudos sobre as representações a respeito de um lugar chamado Brasil. A publicação dos textos de viajantes pelo mercado editorial brasileiro – “Viagem pelo Amazonas e rio Negro” do naturalista Alfred Russel Wallace foi lançado pela Editora Nacional em 1939, por exemplo – e as propostas de interpretação do Brasil empreendidas por brasilianistas e especialistas nos estudos sobre América Latina são outros indícios desse interesse em “pensar o pensamento social”.
A constituição do pensamento social no Brasil como arena de debates específicos com diferentes propostas metodológicas foi coetânea à criação de institutos com linhas de pesquisa sobre história das ideias ou das elites políticas: o [simple_tooltip content=’Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, criado em 1969′]Cebrap[/simple_tooltip], o [simple_tooltip content=’Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, criado em 1973′]CPDOC[/simple_tooltip], o [simple_tooltip content=’Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, criado em 1976′]Cedec[/simple_tooltip] e o [simple_tooltip content=’Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, criado em 1981′]IDESP[/simple_tooltip]. Essas instituições foram fomentadoras de agendas coletivas de investigação e criaram espaços para publicação de trabalhos sobre as imagens de país projetadas pelos grupos intelectuais dominantes no período republicano.
Se a Companhia Editora Nacional e a Editora José Olympio publicaram algumas das imagens do Brasil na primeira metade do século XX, a Companhia das Letras, fundada em 1986, cumpre papel importante na análise crítica de variadas tradições intelectuais brasileiras. A partir de 2006, esse grupo editorial organizou a coleção “Perfis Brasileiros”, coordenada por Lilia Schwarcz e Elio Gaspari. Constam entre os títulos publicados “Joaquim Nabuco – os salões e a ruas” de Angela Alonso, “D. Pedro I – Um herói sem nenhum caráter” de Isabel Lustosa e “D.Pedro II – Ser ou não ser” de José Murilo de Carvalho. A coletânea Agenda Brasileira e a coleção Retratos do Brasil, também da Companhia das Letras, fornecem, respectivamente, balanços críticos sobre questões contemporâneas da sociedade brasileira – cidadania e ampliação de direitos, por exemplo – e reedições de “clássicos” do pensamento social e da literatura como “Retrato do Brasil – ensaio sobre a tristeza brasileira” de Paulo Prado, “História do Brasil pelo método confuso” de Mendes Fradique e “Diário de uma expedição” de Euclides da Cunha.
É difícil pensar em um ponto de partida para analisar as interpretações do Brasil, mas sempre é válido apontar a grande ascensão das formas de escrever sobre o país a partir da década de 1930. A partir de então, os intelectuais statemakers passaram a ocupar funções administrativas em instâncias do Estado brasileiro e o mercado editorial sofreu grande reformulação. Por esses dois motivos, além de todas as transformações estruturais na economia e nas instituições políticas, novos retratos do Brasil começaram a ser pintados.
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