As mulheres invisíveis do setor de tecnologia, representatividade e futuro

Publicado por Marina Barreto Felisbino em

Se para você a imagem de um programador de computadores é um homem branco jovem, há um motivo para isso: esta é a realidade. Muitos dos grandes conglomerados de tecnologia possuem poucas mulheres no seu quadro de funcionários de engenharia e ciência da computação.

Os números

A empresa Google tem 17% de mulheres no setor de tecnologia. A mesma relação desigual entre homens e mulheres acontece no Facebook (31% são mulheres), na Apple (30%) e no Twitter (30%). Além disso, startups comandadas por mulheres recebem somente 10% dos aportes financeiros. Esses são os dados apontados por um estudo de 2015 da Harvard Business School. Apesar de figuras como a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, e a CEO do Yahoo!, Marissa Mayer serem bastante relevantes, elas são exceções.

O ano de 2016 foi histórico para a NASA pois, pela primeira vez, as mulheres correspondem a 50% da equipe de astronautas da agência. Entretanto, por seis décadas, muitas mulheres passaram pela agência e poucas receberam o reconhecimento merecido. O filme Hidden Figures (Estrelas além do tempo), que tem estreia no Brasil prevista para fevereiro de 2017, acompanha a trajetória das matemáticas Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson cujo esforço foi essencial para que os Estados Unidos dessem início à corrida espacial. Essas mulheres além de enfrentarem resistência por serem mulheres, tiveram o entrave adicional de serem negras.

As causas do problema

Um dos obstáculos para que as mulheres interessem-se pela engenharia e tecnologia talvez seja o condicionamento cultural. Há uma narrativa cultural de que mulher e tecnologia não combinam, de que elas não possuem interesse ou habilidades para tais funções. Talvez o problema maior seja mesmo a falta de representatividade. Entretanto, exemplos nos mostram como isso não é de todo verdade: não só existem grandes modelos de mulheres no setor de tecnologia, como algumas foram inclusive fundamentais para o desenvolvimento desse campo de conhecimento. Provavelmente o que há é a pouca divulgação de seus nomes, faces e façanhas, coisa que esse blog trata de mudar.

As pesquisadoras do Grupo de Estudos e Pesquisas em Relações de Gênero e Tecnologia (GeTec) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná vêm realizando uma série de pesquisas no tema e publicando trabalhos sobre a contribuição histórica das mulheres para a computação.

As soluções para o problema

Talvez as mais emblemáticas sejam Ada Lovelace, considerada a primeira programadora da história, e Grace Hopper pela sua contribuição no desenvolvimento da linguagem de programa COBOL, utilizada até hoje.

Capa do livro Ada Byron Lovelace and the Thinking Machine de Laurie Wallmark

Capa do livro Ada Byron Lovelace and the Thinking Machine de Laurie Wallmark

Ada Lovelace

Augusta Ada Byron, conhecida como Ada Lovelace, nasceu em Londres em 1815 e recebeu vasta educação focada principalmente em ciências exatas.

Conheceu aos 18 anos Charles Babbage que trabalhava no desenvolvimento da Máquina Analítica, um equipamento considerado o primeiro projeto de um computador mecânico de uso geral.

Em seu envolvimento com o trabalho de Babbage, Ada idealizou um algoritmo que permitiria à Máquina Analítica realizar cálculos pré-determinados. Ela afirmava que a máquina poderia fazer qualquer coisa que alguém soubesse ordená-la a fazer. Se Babbage idealizou o primeiro computador do mundo foi Ada que fez o primeiro programa. Por falta de financiamento, essa máquina nunca saiu do papel, mas serviu de inspiração para o desenvolvimento do computador tal qual conhecemos hoje.

Jean Jennings à esquerda e Frances Bilas à direita arrumando os comandos do programa no ENIAC em 1946

Jean Jennings à esquerda e Frances Bilas à direita arrumando os comandos do programa no ENIAC em 1946

As matemáticas

O primeiro computador eletrônico de uso geral só foi criado em 1946. O Eniac (Electronic Numerical Integrator and Computer) foi projetado para fazer cálculos de artilharia para o exército americano e da mesma forma a programação foi feita por mulheres, que nunca tiveram seu trabalho reconhecido. De um grupo de 80 matemáticas que trabalhavam com cálculos balísticos na Universidade da Pensilvânia, Kathleen McNulty Mauchly Antonelli, Jean Jennings Bartik, Frances Synder Holber, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum foram selecionadas para participarem desse projeto. Em 2014, o documentário “The Computers”, com relatos das seis programadoras, tentou recuperar parte dessa história e lhes atribuir seus devidos créditos. Assista ao trailer aqui.

Grace Hopper

Grace Hopper

Grace Hopper

Foi também uma mulher, Grace Hopper, a responsável por acelerar o desenvolvimento das linguagens de computação ao criar programas capazes de traduzir essa linguagem para uma mais simples, os compiladores. O Flow-Matic foi a primeira linguagem de programação que funcionava com palavras em inglês. Foi dela também a ideia de compartilhar códigos entre os programadores, formando bibliotecas, para reduzir os erros e  trabalho.

Iniciativas para capacitação de mulheres

Todas essas mulheres citadas já não estão mais entre nós, mas cada vez que você escreve no seu computador, usa a calculadora de seu celular ou toca a música de um arquivo, você está usando uma ferramenta que poderia não existir sem o trabalho delas.

Imagina o que tantas outras ainda serão capazes de realizar. Daí a importância de espaços de capacitação e de troca de aprendizados e experiências em tecnologia voltados para mulheres. Eles são fundamentais para despertar nessas novas gerações de mulheres a certeza de que podem ser promotoras de mudanças, começando pelo seu próprio destino.

No Brasil, o coletivo Marialab Hackerspace, como elas mesmo descrevem, é um espaço voltado para mulheres, que quer ensinar e divulgar ciências e tecnologia como coisa de mulher. Desde 2013, elas realizam oficinas e eventos relacionados à tecnologia na cidade de São Paulo. Como esta, outras iniciativas existem como a Academia Lovelace, PrograMaria, PyLadies, #MinasProgramam.

Outra grande iniciativa é a Black Girls Code, organização sem fins lucrativos que atua em várias regiões dos Estados Unidos da América. Ela visa introduzir noções de programação e tecnologia para jovens negras de forma tal que essas possam se tornar as novas gerações que construirão inovações tecnológicas. A organização foi criada, em 2011, por Kimberly Bryant, uma engenheira elétrica cansada de não conviver com pessoas semelhantes a ela ao longo de toda a sua carreira.

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Talvez seja esse mesmo o caminho para um futuro de mais equidade no setor tecnológico: oferecer às pessoas modelos de representatividade, de maneira a romper certas arramas sociais.

Imagem reproduzida por site da iniciativa Black Girls Code


Marina Barreto Felisbino

Bióloga formada pela Unicamp em 2010 e doutora na área de Biologia Celular e Estrutural em 2016. Atualmente trabalho na Universidade do Colorado em Denver-USA, onde desenvolvo pesquisa de pós-doutorado. Apaixonada pela ciência, assim como pelo alcance das mulheres à equidade. Com o desejo que todos vejam a ciência pelos olhos delas.

2 comentários

Celebrando as “Estrelas Além do Tempo”: Katherine Johnson, Mary Jackson e Dorothy Vaughan, as cientistas da NASA que inspiraram o filme - Ciência pelos olhos delas · 14 de abril de 2020 às 17:46

[…] arquivos do blog, lembrei que a Marina escreveu um texto muito oportuno em setembro de 2016 sobre as mulheres invisíveis do setor da tecnologia onde Katherine, Mary e Dorothy foram […]

Celebrando as “Estrelas Além do Tempo”: Katherine Johnson, Mary Jackson e Dorothy Vaughan, cientistas da NASA - Ciência pelos olhos delas · 17 de abril de 2020 às 09:01

[…] arquivos do blog, lembrei que a Marina escreveu um texto muito oportuno em setembro de 2016 sobre as mulheres invisíveis do setor da tecnologia onde Katherine, Mary e Dorothy foram […]

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