Pobres crianças pobres!

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Todo mundo acha bacana e legal quando uma pessoa de origem pobre e humilde “vence na vida”. Quem não acha inspirador ouvir a história da criança da favela que se tornou um médico bem-sucedido, ou do menino pobre e da escola pública que hoje faz doutorado no exterior? Histórias como essas nos levam a acreditar que o sucesso cognitivo e intelectual de um indivíduo depende única e exclusivamente de sua força de vontade, ou seja, não importa muito a sua origem e seu status sócio-econômico.

Um estudo recente realizado por uma equipe de pesquisadores liderados pelo psicólogo Elliot Tucker-Drob, da Universidade do Texas em Austin, mostra evidência científica de que o status sócio-econômico é na verdade um mediador importante na performance cognitiva do indivíduo. Colocado de uma maneira mais direta: o estudo sugere que o ambiente sócio-econômico de uma criança em fase de desenvolvimento tem uma influência substancial na expressão de suas habilidades cognitivas. E mais ainda: o ambiente tem uma influência na expressão genética dessas habilidades, ou seja, não adianta ser geneticamente inteligente: tem que estar no ambiente apropriado. E a influência do ambiente começa cedo no processo de desenvolvimento da criança.

Tucker-Drob e sua equipe estudaram 750 crianças (gêmeos idênticos e gêmeos não-idênticos) do décimo mês de vida aos dois anos de idade. Eles utilizaram uma bateria de testes cognitivos (Escalas Bailey) e mediram o nível sócio-econômico dessas crianças (nível de pobreza e/ou riqueza). Utilizando uma série de análises estatísticas sofisticadas (inclusive, uma das belezas do estudo é justamente a sofisticação das análises), os pesquisadores encontraram que aos 10 meses de idade não há ainda muita diferença na performance cognitiva entre crianças pobres e crianças ricas. No entanto, já aos dois anos de idade a diferença é significativa: crianças mais ricas se mostram melhores cognitivamente do que crianças mais pobres.

Aos dois anos de idade, as crianças pobres mostraram uma habilidade cognitiva muito uniforme entre elas — tanto os gêmeos idênticos e os não-idênticos —  o que sugere que a composição genética tem pouca influência na performance delas. Já as crianças mais ricas de dois anos de idade apresentaram um padrão um pouco distinto: os gêmeos idênticos (lembre-se, que têm a mesma carga genética) tiveram uma performance uniforme entre eles, já os gêmeos não-idênticos tiveram uma performance menos uniforme, sugerindo que a composição e potencial genéticos já começam a influenciar as habilidades cognitivas.

Em um português menos técnico, o estudo mostra que para as crianças mais pobres, a influência da carga genética no desenvolvimento de suas potencialidades cognitivas foi quase nulo, ao passo que para as crianças ricas essa influência chegou a quase 50%. Conclusão: um ambiente mais “rico” oferece mais oportunidades para a expressão do potencial genético da criança. Crianças ricas não são mais inteligentes do que crianças pobres, mas certamente seus genes encontram mais espaço para mostrar o seu trabalho.

Qual a importância disso para nós? Um dos mais importantes e maiores índices de riqueza e desenvolvimento de um país é o nível de educação e desenvolvimento intelectual de sua população. Crianças/pessoas cognitivamente desenvolvidas são mais criativas (dê uma olhada nesse livro) e, consequentemente, potencialmente importantes para o desenvovimento cultural e intelectual de um país. O problema que eu vejo é que (1) as políticas públicas no Brasil (pelo menos grande parte delas) não se baseiam em resultados de pesquisas científicas (existem algumas exeções, eu sei) e (2) na sua maioria, buscam resultados imediatos e de curto-prazo. O investimento na diminuição da pobreza — ou do ambiente de pobreza — de nossas crianças é um investimento que pode não dar um resultado imediato, mas — como sugere a pesquisa — tem uma grande chance de ser um investimento importante para o país anos a frente!

Quanto mais fizermos para diminuir a probreza do nosso país, mais estaremos contribuindo para um ambiente mais favorável para o desenvolvimento cognitivo de nossas crianças.

Referência:
Tucker-Drob EM, Rhemtulla M, Harden KP, Turkheimer E, & Fask D (2010). Emergence of a Gene x Socioeconomic Status Interaction on Infant Mental Ability Between 10 Months and 2 Years. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS PMID: 21169524

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