Falta de sono e agressividade.

Quem me conhece sabe que eu geralmente durmo muito pouco. Se você me enviar um e-mail às 3 da manhã, horário aqui de Austin, certamente irá receber uma resposta minha em menos de 10 minutos. Em média, eu durmo de 3 a 4 horas por noite. Isso é ruim? Resposta óbvia: SIM. Várias pesquisas mostram que dormir pouco tem um impacto enorme no nosso funcionamento normal, principalmente na execução de tarefas cognitivas: a memória é pior, atenção é pior, etc. Pesquisas mostram, por exemplo, que pessoas que dormem pouco não tomam decisões apropriadas e são mais inflexíveis. O interessante, no entanto, é que existe uma idéia geral de que pessoas que dormem pouco se tornam mais agressivas. Às vezes sou mais ríspido com alguém e sempre me falam: “nossa, você está precisando dormir. Está numa grosseria danada.”

Agressividade, na verdade, tem haver com auto-controle (e não com noites mal dormidas). Pessoas impulsivas (que apresentam pouco poder de auto-controle) geralmente são mais agressivas. Existe um fenômeno interessante que ocorre em relação ao construto auto-controle: todos nós sabemos o quanto é difícil exercer auto-controle o tempo todo. E isso ocorre, pois o exercício de auto-controle é uma tarefa cognitiva que “cansa” o ego. Por exemplo, pesquisas mostram que pessoas que estão tentando perder peso exibem uma tendência muito maior para quebrar a dieta quando passam por um episódio em que devem exercer auto-controle. Deixa eu ser mais claro: se você está tentando perder peso e entra em uma padaria e vê aquela torta de morango deliciosa, mas se segura para não comer, você estará mais propenso a não se segurar quando chegar em casa e ver aquele bolo de chocolate que seu marido ou sua esposa fez. E não só isso. Sua tendência a ser agressivo é maior (certamente você vai comer o bolo de chocolate e ainda vai xingar quem estiver te olhando com ar de reprovação).
Mas e a falta de sono? Será que ela te deixa mais agressivo? Kathleen Vohs (da Universidade de Minnesota), Brian Glass, Todd Maddox e Art Markman (os três aqui da Universidade do Texas) fizeram um estudo bem bacana para investigar essa pergunta. Dos participantes da pesquisa, metade tinha dormido bem na noite anterior ao experimento e a outra metade tinha ficado 24 horas sem dormir. Assim que chegaram ao laboratório, os pesquisadores pediram aos participantes que assistissem à duas cenas nojentas de dois filmes (cenas envolvendo vômito e outros excrementos nojentos).
Metade dos participantes que dormiram bem foram instruídos a não demonstrarem qualquer tipo de reação de nojo (eles tinham que assistir às cenas e não mudar NADA em suas fisionomias). A outra metade foi instruída a agir naturalmente (eles poderiam mostrar que estavam com nojo). O mesmo foi feito com os participantes que não dormiram nas últimas 24 horas.
A idéia era que os participantes instruídos a não demonstrar qualquer tipo de reação teriam que exercer auto-controle e consequentemente, se precisassem exercer auto-controle novamente mais tarde, não conseguiriam (ego cansado…). Já os participantes que agiram naturalmente não teriam problemas em exercer auto-controle mais tarde. E se a idéia de que falta de sono te deixa mais agressivo for verdade, os participantes que não dormiram seriam mais agressivos posteriormente.
Após assistirem aos filmes, todos participaram de um jogo. Nesse jogo, os participantes tinham que pressionar um botão mais rápido que seu oponente presente em uma outra sala (o oponente na verdade era o computador, mas eles achavam que realmente tinha uma pessoa jogando com eles). Cada vez que o participante apertasse o botão mais rápido que o oponente (em um total de 25 tentativas), ele podia escolher o volume de um barulho para ser tocado diretamente no ouvido do oponente. Quanto mais alto o volume que ele escolhesse como punição para o oponente, mais “agressivo” esse participante seria considerado.
Os resultados mostraram que os participantes que tiveram que exercer auto-controle anteriormente foram mais agressivos que os participantes que não tiveram que exercer auto-controle antes. No entanto, o fato de ter ou não dormido não afetou em nada o grau de agressividade dos participantes. Em outras palavras, a falta de auto-controle afeta sim seu nível de agressividade. Mas, diferente do que se pensa, falta de sono não aumenta o seu nível de agressividade.
Um efeito que esse resultado sugere é que se você tenta se controlar e, consequentemente, se torna mais agressivo e após isso, tenta controlar sua agressividade, há uma grande chance de que você vai na verdade se tornar ainda mais agressivo. A dica é: aceite os momentos de “falta de habilidade de exercer auto-controle” e procure relaxar até que essa habilidade se reabasteça e você volte a exercer seu auto-controle (que no final das contas é uma coisa boa).
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Referência:

Vohs, K., Glass, B., Maddox, W., & Markman, A. (2010). Ego Depletion Is Not Just Fatigue: Evidence From a Total Sleep Deprivation Experiment Social Psychological and Personality Science, 2 (2), 166-173 DOI: 10.1177/1948550610386123

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5 respostas para Falta de sono e agressividade.

  1. Anonymous disse:

    >"ego cansado".. Nunca ouvi falar nesse conceito na psicologia cognitiva. Ego é um conceito psicanalítico.

  2. Mônica Salomão disse:

    >Amigo,Vou te resumir em uma palavra: ORGULHO!!!Sou sua fã!!!Parabéns, amei o texto e vou ler todos daqui para a frente... vai ser meu momento de terapia virtual hahahaha...Beijos, saudade!

  3. André L. Souza disse:

    >"ego depletion", esse é o termo original cunhado em Psicologia Social e Cognitiva. Os trabalhos de Roy Baumeister sobre auto-controle e self-regulation explora de forma mais completa o conceito. Como não tem muito trabalho sobre isso em língua portuguesa, não é muito comum o termo. E na falta de uma melhor tradução, eu coloquei "ego cansado". Mas a idéia é mesmo de esgotamento cognitivo.... Não tem muito haver com o conceito de ego como cunhado pela Psicanálise não.

  4. Anonymous disse:

    >Justamente, André. O problema de 'ego cansado' é a similaridade com o termo psicanalítico e a confusão que pode causar, pois 'ego cansado' dá uma impressão estranha de um substantivo de controle, de sujeito. Infelizmente também não tenho uma forma melhor de chamar, só sei que essa não é muito boa. Talvez, se me permite fazer uma sugestão, fosse interessante você explicar o porquê de usar esse termo no texto e deixar também claro que não tem ligação com o cunhado por Freud.

  5. André L. Souza disse:

    >@Anônimo: Obrigado pela sugestão. :-)Na pior das hipóteses, só essa nossa interação já deixou claro que não existe essa ligação com o ego do Freud (hmmm acho que essa frase ficou ambígua também...lol). Obrigado pela visita! 🙂

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