O poder implícito das palavras

Durante um período da minha graduação em Linguística, recordo ter ficado extremamente frustrado com a disciplina. A causa da minha frustração era simples (apesar de que só fui descobrir muito tempo depois): eu sentia que eu estudava o óbvio. Sentia que estava “gastando” meu tempo na faculdade estudando uma coisa que “todo mundo” parecia conhecer tão bem. E é isso mesmo. O ser humano é uma “máquina de explicações”. Sempre queremos explicar as coisas do nosso dia-a-dia. É natural, então, que sempre haja uma explicação para essa coisa que é tão comum: “falar”. Pergunte a qualquer mãe como que uma criança aprende a falar e ela certamente te dará uma explicação completa e satisfatória.

No entanto, existe um fenômeno muito explorado em psicologia cognitiva conhecido como Illusion of Explanatory Depth. Basicamente é o seguinte: sempre achamos (temos a ilusão) que sabemos explicar o funcionamento das coisas. Mas se temos que explicar “com detalhes” o funcionamento de algo do qual não somos especialistas, sempre temos problemas. Daí percebemos o quão não sabemos sobre o funcionamento da maioria das coisas e fenômenos do nosso dia-a-dia (e isso inclui, obviamente, o funcionamento da nossa língua).
Todo mundo diz que palavra tem poder. Minha mãe sempre me disse: “cuidado com o que fala, pois palavra não tem mola”. Às vezes apenas a maneira como alguma coisa é dita muda toda a nossa percepção das coisas e até mesmo nossas atitudes. O mais interessante, é que isso ocorre implicitamente. Isso mesmo. O efeito de “como” uma coisa é dita afeta a percepção e atitudes de outras pessoas implicitamente. Exemplo: imagine que você foi convidado(a) para ir ao teatro e deixou seu filho — Paulinho — com a babá. Assim que voltou para casa, você vê que seu vaso favorito está quebrado. A babá então te explica o que aconteceu. Ela tem, basicamente, duas maneiras de explicar para você o ocorrido:

(1) “O Paulinho estava brincando quando o telefone tocou. Ele levantou para atender e derrubou a sua cerâmica favorita“.
ou
(2) “O Paulinho estava brincando quando o telefone tocou. Quando ele levantou para atender, a sua cerâmica favorita caiu“.
Apesar de “aparentemente” semelhantes, para qual das explicações você acha teria uma probabilidade maior de “punir” o Paulinho por ter quebrado sua cerâmica? Um estudo bem legal conduzido em Stanford na Califórnia por Caitlin Fausey e Lera Boroditsky investigou exatamente esse ponto. Como “pistas” linguísticas influenciam o julgamento (percepção) de culpa das pessoas? No estudo, ela conta aos participantes a história de um restaurante que pegou fogo acidentalmente. Após ouvirem a história, as pessoas tinham que decidir o grau de culpa de Mrs. Smith, uma pessoa envolvida no acidente. A forma como a história foi contada variou. Um grupo ouviu a descrição do fato contendo frases “agentivas” (tipo: “Ela derrubou a vela na mesa“) enquanto o outro grupo ouviu a mesma histórias com frases “não-agentivas” (tipo: “A vela caiu na mesa“).
As pessoas que ouviram a descrição contendo frases do tipo “Ela derrubou a vela na mesa” atribuíram um grau de culpa muito maior à Mrs. Smith do que as pessoas que ouviram o outro tipo de história. E mais interessante ainda: até mesmo o valor da multa que a Mrs. Smith deveria pagar pelos danos ao restaurante foi maior para o grupo que escutou a história com frases agentivas. Se eles fossem juízes, a probabilidade de Mrs. Smith ser acusada pelo incêndio ao restaurante seria muito maior.
Alguém pode pensar: hummm!!! Mas eles não são juízes. O que isso tem haver com a vida real? Bom, até 1913 houve um total de 197.745 julgamentos na Corte Criminal de Londres. Dos casos que envolveram “assassinato”, quando a descrição do crime envolvia a palavra “matou” (termos mais agentivo), o índice de veredictos finais dizendo “culpado” foi significativamente mais alto do que quando as descrições dos crimes envolviam a palavra “morreu” (um termo não-agentivo). Casos reais.
Outra situação real: Todo mundo sabe que às vezes a forma como falamos com nossos pais, amigos, namorados, etc. implicitamente sugere que os estamos acusando de alguma coisa. E isso muda todo o tipo de relacionamento e tem implicações sérias. Tenho certeza que não preciso nem dar exemplo disso, né?
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Referência:

Fausey, C., & Boroditsky, L. (2010). Subtle linguistic cues influence perceived blame and financial liability Psychonomic Bulletin & Review, 17 (5), 644-650 DOI: 10.3758/PBR.17.5.644

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6 respostas para O poder implícito das palavras

  1. André Rabelo disse:

    >Olá André, mt interessante esse estudo que vc comentou! Acabo de conhecer o teu blog e achei mt bom! Espero que o doutorado ai na universidade do Texas esteja legal! sou estudante de graduação em psicologia na Universidade de Brasília e me interesso bastante pela psicologia cognitiva. vou passar a acompanhar teu blog!um abraço,andré

  2. André L. Souza disse:

    >Oi André,Obrigado pela visita ao blog! Conheço o trabalho de algumas pessoas da Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da UnB (Maria Helena Fávero e Eliane Seidl, por exemplo). Espero que esteja curtindo o curso de Psicologia! 🙂

  3. André Rabelo disse:

    >Estou curtindo sim o curso! A Fávero da o que falar hehehe Por sinal, vc ja teve a oportunidade de conhecer o psicólogo evolucionista David Buss ai na Universidade do Texas?

  4. André L. Souza disse:

    >Oi André. Conheço o David sim. Nossos laboratórios se comunicam muito. Conheço também o pai dele, o Arnold Buss, professor emérito aqui na UT.

  5. André Rabelo disse:

    >Caramba, que legal André! Que experiência bacana estar em contato com um pesquisador do porte do David Buss! Admiro muito o trabalho dele e já leio seus artigos há algum tempo. Espero um dia ter o privilégio que vc está tendo, aposto que tua formação ai vai te proporcionar condições de se tornar um grande pesquisador!um abraço,André

  6. André L. Souza disse:

    >é o que a gente sempre espera, né?? lolUm abraço,A.

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