A ajuda que você precisa: como lidar com pessoas depressivas.

Imagine a seguinte situação: você acorda às 7 da manhã com seu filho de 5 anos dizendo que está com dor de cabeça. Você mede a temperatura da criança e vê que ela está com 39,5 de febre. Você dá um pouco de suco de laranja para ela, mas ela não consegue segura-lo no estômago e vomita o suco. Percebendo o problema, você senta com a criança no sofá da sala e diz: “Oh filho! Não fica assim não. Não fica com febre não, tá bom?” Ou então diz o seguinte: “Oh filho! Você precisa sair dessa febre. Eu sei que é ruim, mas você precisa sair dela, tá bom?” Ou então: “Olha filho, eu sei que está com febre, mas não posso fazer nada por você. Mas sei que você sabe o que fazer! Conto com você!“.

Eu acredito que muita gente vai concordar comigo que esses “métodos” para curar a febre da criança são pouco eficientes. Simplesmente não funcionam. E se você perguntar porquê, todo mundo vai saber responder:

(1) febre não depende de você querer ou não.
(2) febre é algo “físico” que ocorre no organismo e não “algo da sua cabeça”

É isso mesmo. Febre não depende de querer e nem é algo da nossa cabeça. No entanto, quanto se trata de depressão, a história muda. Existe ainda a crença de que depressão se cura “com conversa” e que na verdade depressão é “tristeza” da cabeça de alguém. Parte dessa crença vem da completa falta de conhecimento do que é a doença (o que ela afeta e como ela é combatida) e da completa falta de conhecimento de como lidar com pessoas depressivas. A minha postagem de hoje tem uma função meio utilidade pública: quero te ensinar um pouco sobre a doença e como lidar com pessoas à sua volta que têm depressão.

Primeiro ponto importante: depressão, assim como a febre, é uma doença física. Apesar de conhecermos ainda pouco sobre todas as causas e sintomas específicos da depressão, uma coisa podemos dizer com certeza: depressão tem uma base física (neurológica) bem fundamentada.

A doença: o cérebro humano é composto de, mais ou menos, 10 milhões de neurônios (células nervosas). Essas células são conectadas entre si. Essas conexões que possibilitam que uma célula se comunique com a outra. A comunicação entre dois neurônios ocorre em forma de impulsos elétricos — uma célula envia um impulso elétrico para uma outra célula através da conexão entre elas. A base do nosso processamento cognitivo, movimentos, funções vitais, emoções, etc. está nessa constante troca de impulsos elétricos (um eletroencefalograma, por exemplo, mede exatamente esses impulsos elétricos).

No entanto, quando olhamos essas “conexões” de perto (usando um microscópio), vemos que, na verdade, um neurônio nunca encosta em outro. Existe um espaço entre uma célula e outra — chamado sinapse — e nesse espaço existem moléculas (enzimas) bem pequeninas chamadas neurotransmissores. São essas moléculas que “transmitem” um impulso elétrico de uma célula à outra. É como se elas pegassem o impulso de uma célula e levassem até a outra (uma espécie de office-boy das células). Apesar de pequeninos, esses neurotransmissores têm um papel muito importante no processamento de informação no cérebro. Se eles param de funcionar, a comunicação entre as células fica comprometida.

Um desses neurotransmissores — conhecido como serotonina — está presente em grande quantidade na região límbica do cérebro (a região responsável pelo controle das emoções e do humor). Esse neurostransmissor está envolvido na estimulação de batimentos cardíacos, na estimulação do sono, na excitação sexual, etc. A serotonina é um regulador de extrema importância no funcionamento correto do cérebro, principalmente no que diz respeito à como controlamos nossas emoções. Um outro neurotransmissor importante é conhecido como noradrelina. Esse está relacionado com o sistema que nos mantêm alerta (além de outras funções, claro).

Pacientes com depressão têm uma quantidade comprovadamente pequena de serotonina e noradrelina em suas sinapses nervosas. Em outras palavras, a comunicação entre os neurônios que precisam desse neurotransmissor é extremamente deficiente. E como esses neurônios se encontram em grande quantidade no sistema límbico do cérebro (aquele responsável pelo controle das emoções e humor), o cérebro encontra problemas em “lidar” com essas funções.

É como se o sistema límbico fosse um escritório responsável pelo controle das emoções. Cada neurônio (um funcionário do setor) tem uma responsabilidade distinta. Para um perfeito funcionamento do setor, os funcionários precisam se comunicar efetivamente. Imagine que o funcionário A envie uma mensagem para o funcionário B dizendo como ele deve agir em determinada situação (fogo, por exemplo). Se a informação do funcionário A nunca chega ao funcionário B, não há como o funcionário B saber como agir na determinada situação de fogo. E essa informação só não chegou ao funcionário B, porque o responsável pela transmissão dela (o neurotransmissor) não está presente. De uma forma bem simplista, é isso que ocorre!

Então? Existe remédio para isso? Sim. Sob um ponto de vista puramente biológico, a função do antidepressivo é curar esse problema de comunicação: ele “regulariza” o nível de serotonina (ou noradrenalina, dependendo do tipo de antidepressivo) nas sinapses nervosas. O Prozac, por exemplo, inibe um processo conhecido como “reutilização” de serotonina, o que consequentemente aumenta a quantidade de serotonina disponível na sinapse. Um antidepressivo não vai te deixar “feliz”, mas vai auxiliar no controle da comunicação entre dois neurônios, de maneira que, diante de uma situação em que o controle das emoções seja necessário, essa comunicação ocorrerá de maneira mais efetiva.

Isso quer dizer que a depressão é puramente física? Obviamente, não. Ainda se conhece pouco sobre como todos os fatores (biológicos, genéticos e “sociais”) que se combinam para criar quadros de depressão. Apesar de estar claro os fatores isolados que “causam” a depressão, ainda estamos em fases bem iniciais na compreensão de como esses fatores interagem. Mas ao mesmo tempo, sabemos que há uma disfunção física, de base neurológica, que caracteriza a doença. E isso precisa ser levado em consideração quando lidamos com pacientes depressivos.

Como lidar com eles então? Uma vez que você já sabe que existe um componente físico e que não depende da vontade do paciente para ser curado, evite achar que pode curar depressão com conversa. Da mesma forma que não faz sentido “conversar” para curar febre, não faz sentido apenas “conversar” para curar depressão.

Lembro que quando tive aulas de primeiros-socorros, uma das primeiras coisas que aprendi foi: “não tente remover a vítima, pois você pode piorar a situação dela“. Lidar com uma pessoa depressiva é muito parecido com lidar com alguém que acabou de sofrer um acidente: executar algum procedimento sem “saber” o que está fazendo pode seriamente piorar o quadro da pessoa. Da mesma maneira que, ao lidar com alguém que acaba de sofrer um acidente, você às vezes não pode fazer nada, você não precisa dizer à pessoa que ela vai ficar sem a perna. Mais cedo ou mais tarde ela vai precisar saber que vai ficar sem a perna, mas isso não precisa ser dito na hora da agonia do acidente. Ao conversar com pessoas depressivas, evite dizer coisas do tipo “isso é coisa da sua cabeça”, “você vai sair dessa; só depende de você”, “não posso fazer nada por você”. Mesmo que você não possa fazer nada, diga à pessoa “estou aqui com você e vou procurar ajuda para você”.

Assim como ocorre com pessoas que sofrem um acidente, a cura para a depressão não é imediata. Mesmo após ir para o hospital, a dor das feridas do acidente ainda doem por um tempo. Mesmo depois que a pessoa procurar ajuda (que seja um antidepressivo), a cura ainda demora. O sistema límbico precisa se “reorganizar” para começar a funcionar normalmente de novo. É preciso paciência. E paciência vem com conhecimento do processo. Nunca se culpe pelo estado depressivo de alguém. A sua saúde mental é primordial se quer ajudar alguém depressivo. Mas saber como agir é essencial.

No pior das hipóteses, volte ao guia de primeiros-socorros. Pergunte! Procure saber. Leia sobre o assunto. Pergunte a quem entende. Essa atitude é melhor que do que simplesmente agir de qualquer maneira e arriscar machucar ainda mais alguém que já está suficientemente machucado a ponto de chegar à um quadro depressivo.

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Referência:

Wise, T. (1982). Depression, illness beliefs and severity of illness Journal of Psychosomatic Research, 26 (2), 247-253 DOI: 10.1016/0022-3999(82)90043-5

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14 respostas para A ajuda que você precisa: como lidar com pessoas depressivas.

  1. André L. Souza disse:

    >Diana, entre em contato comigo por email: andre@cognando.com

  2. RABELO, Aline disse:

    >Li cada palavrinha desse texto... e cada uma fez muito sentido pra mim! Obrigada, meu bem!! Excelente postagem, sensacional!!

  3. Anonymous disse:

    >Eu gostei muito do seu artigo, e eu era exatamente do jeito que vc mencionou queria curar a minha mae ou queria que ela se curasse por si so. Eu dizia todas essas frases que vc disse que não podiamos dizer. Fico sem saida as vezes pq ela briga de mais...

  4. André L. Souza disse:

    >Paulo, me envie um email se precisar: andre@cognando.comUm abraço,A.

  5. Alessandra Andrade disse:

    >Excelente postagem, André!Certamente, a depressão é uma das doenças mais enigmáticas que existem. Minha mãe tem depressão e eu tenho apresentado alguns quadros semelhantes. É uma luta diária.Abraço!

  6. Anonymous disse:

    >OI ADOREI O ARTIGO EU JÁ PASSEI POR ISSO DESDE DE CRIANÇA TIVE DEPRESSAO MINHA FAMILIA NUNCA ME ENTENDEU,AI ENTREI NAS DROGAS POIS ACHAVA KE ERA FELIZ MAIS SÓ NO MONENTO DEPOIS A DEPRE ERA PIOR ATÉ KI TENTEI O SUICIDIO AI DESCOBRIRAM OKE ERA ERA SÓ FUI CURADA POR DEUS É PELOS REMEDIOS...HIJI EM DIA CORRO DELA É DIFICIL MESMO...

  7. André L. Souza disse:

    >Thanks

  8. Anonymous disse:

    >Amei seu artigo, tenho depressão a muito tempo.Lendo seu artigo entendi mais uma vez que preciso tomar antidepressivo, tomo calmante a uns 15 anos, mas o antidepressivo não consigo tomar. Tudo de bom pra vc!!!

  9. Anonymous disse:

    >Olá li seu artigo e gostei muito!Gostaria de mais artigos relacionados a saber como lidar com pessoas depressivas.

  10. Anonymous disse:

    >Ola, amei seu artigo!Estou passando por esses problemas, com minha filha e não sei como lidar com ela precisava de mais orientações...

  11. enir mianes disse:

    obrigada pelo o esclarecimento

  12. luciane carneiro de araujo disse:

    andré

    gostei muito das esclaracoes porque, me gosto em ajudar as pessoas. , sempre no meu caminho vem pessoas depresivas e etc. passo muito para essas pessoas energias positivas, e mostro sempre pra elas que, o importante é,saber que estou ao lado dessa pessoa. nao sou psicologa . mais sim uma pessoa que amo ajudar o próximo e me interreso muito em saber mais na medicina como ajudar alguém moro na europa e aqui ha muita pessoa necesitando de ajuda psicologica parabéns me esclareceu muito obrigado .... luciane

  13. Diego disse:

    Poxa André, curti muito esse artigo seu, me ajudou a ter uma noção de como funciona essa parada de depressão. Gostaria de pedir um favor, gostaria de indicações suas de outros artigos, papers, pesquisadores e etc sobre esse tema, pretty please?

    Valeu pelo blog muito foda, e por divulgar ciência de forma simples para leigos como eu.

    Abraço.

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