Pra que pedir desculpa?

Uma das característica humanas que eu mais gosto é o eterno descompasso que existe entre o que “queremos” fazer e sentir e o que “realmente” fazemos e sentimos. Confuso? Eu explico. Se eu pedisse a você que me dissesse o nível de tristeza (em uma escala de 1 a 10) que você sentiria se terminasse o seu namoro de 15 anos, provavelmente você diria algo perto de 10. Mas se eu te fizesse a mesma pergunta no dia do término do namoro, provavelmente você diria que o seu nível de tristeza é bem menor.

Isso mesmo. A gente sempre “exagera” no nível das emoções que achamos que vamos sentir em acontecimentos futuros. O mesmo acontece com as nossas ações. Sempre achamos que vamos fazer “mais” do que realmente fazemos: falamos que vamos ser mais solidários e, na realidade, não somos. Falamos que vamos ser menos egoístas, e na verdade, não somos. Falamos que vamos votar melhor, e elegemos Tiriricas e Romários. E por aí vai.
Nós vivemos em uma sociedade em que pedir desculpas é uma coisa boa. Aprendemos desde crianças que, não importa o tamanho da nossa raiva na hora em que “sentamos a mão no coleguinha que roubou nosso lanche”, devemos voltar e pedir desculpa. Mas porquê? Supostamente, pedir desculpa tem uma função social importante. Ela serve para mostrar o nosso reconhecimento de que “quebramos alguma regra social”e serve principalmente para restabelecer a boa interação entre o que cometeu o erro e o afetado pelo erro.

Bonito, né! No papel.
Estamos carecas de saber que no dia-a-dia a coisa não funciona assim. Erramos, pedimos desculpa e a boa interação nunca volta. Conheço casos em que, mesmo após anos do pedido de desculpa, as pessoas continuam “se pegando”, como se nunca tivesse acontecido um pedido de desculpa. Então a pergunta que fica é: de que vale pedir desculpas? Será que o perdão é apenas mais um desses sentimentos que “achamos” que vamos ter quando alguém nos pede desculpa, mas que na verdade, nunca temos?
Recentemente, um grupo de pesquisadores da London Business School e da Erasmus University investigou exatamente esse ponto. Eles investigaram o que as pessoas se sentiriam se “imaginassem” um pedido de desculpa (após uma ofensa) e o que elas sentiriam caso o pedido de desculpa fosse real.
Os participantes da pesquisa participaram desse “jogo de confiança” com um outro participante (que era na verdade o pesquisador). No jogo de confiança, o participante começa com alguma quantidade de dinheiro (R$ 10,00 por exemplo). A instrução do jogo diz o seguinte: você tem a opção de ficar com essa quantia ou passar toda ela (ou parte dela) para o seu parceiro. A quantidade que você passar para ele será triplicada. O seu parceiro então tem o direito de dividir de volta com você a quantidade que ele quiser. Geralmente o cenário mais “justo” é o seguinte: o participante dá os R$ 10,00 para o parceiro. O parceiro então receberá o triplo (R$ 30,00) e irá dividir a quantia ao meio, de maneira que os dois fiquem com R$ 15,00 no final. Mas como tudo é na base da “escolha”, é preciso confiar ou não no parceiro. Após eu dar alguma quantia para ele, ele pode decidir me dar apenas R$ 1,00 de volta e pronto.
Quase todos os participantes do estudo decidiram dar a quantia total para o parceiro. No entanto, o parceiro deu apenas R$ 5,00 de volta (sendo injusto). Para metade dos participantes, os pesquisadores perguntaram como eles se sentiriam se os parceiros pedissem desculpa pela injustiça. Para a outra metade, os parceiros realmente pediram desculpa aos participantes.
Como era de se esperar, as pessoas que apenas imaginaram o pedido de desculpa se sentiram bem melhor do que as pessoas que realmente ouviram o pedido de desculpa. Por mais que achamos que vamos nos sentir bem com um pedido de desculpa, se ele realmente acontece não nos sentimos tão bem assim.
Mas pra que realmente pedimos desculpas? Uma das coisas que queremos quando pedimos desculpas é que a outra pessoa volte a confiar na gente. No mesmo estudo, os pesquisadores perguntaram aos participantes se eles confiariam novamente nos parceiros. Eis o achado interessante: as pessoas que ouviram a desculpa de verdade perderam a confiança no parceiro mais do que o grupo que não escutou a desculpa. Em outras palavras, o parceiro que errou e pediu desculpa perdeu também a confiança da outra pessoa, ao passo que o parceiro que errou e não pediu desculpa não perdeu tanto assim a confiança da outra pessoa.
Por que pedir desculpa, então????
A idéia principal é que se alguém trai sua confiança e não pede desculpa, você vai ficar “com raiva” da traição e do não pedido de desculpa. Se alguém pede desculpa, a raiva que fica é apenas a da traição. Nesse caso, você tem basicamente duas opções: (1) continuar com raiva e não fazer nada e (2) tentar restabelecer a sua confiança na pessoa, seja através de conversa, de ações, etc. O importante é que o restabelecimento da confiança é responsabilidade sua e não da pessoa que traiu sua confiança.
Quanto à pessoa que traiu sua confiança, basta ela saber que pedir desculpa não irá resolver o problema, não irá fazer com que a pessoa confie nela novamente e certamente não irá acabar com a dor causada pela “infração” que motivou o pedido de desculpa. É importante saber que o pedido de desculpa apenas retira uma das fonte de decepção e raiva.
Acompanhe o Cognando no Facebook e no Twitter. Não aceito desculpas depois! 🙂
Referência:

De Cremer, D., Pillutla, M., & Folmer, C. (2010). How Important Is an Apology to You?: Forecasting Errors in Evaluating the Value of Apologies Psychological Science, 22 (1), 45-48 DOI: 10.1177/0956797610391101

Esta entrada foi publicada em Psicologia Cognitiva. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Uma resposta para Pra que pedir desculpa?

  1. André Rabelo disse:

    >Olá, André! Muito interessante esse artigo, não o conhecia ainda. O barato da pesquisa científica é esse - resultados contra-intuitivos e instigantes. Era de se esperar, num raciocinio superficial, que o pedido de desculpas fizesse as pessoas confiarem de novo na pessoa mais do que se o pedido de desculpas não fosse feito.Mas ai acontece que temos um processador de informações moldado pela seleção natural que funciona de um jeito muito particular e complexo. É fascinante essa nossa área de pesquisa!um abraço,André

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *