Intuição Divina!

Sou super fã de Rubem Alves. Um dos livros de Rubem Alves que mais gosto é um chamado “Perguntaram-me se acredito em Deus“. Eu acho essa pergunta fantástica. Primeiro por que é uma pergunta esquisita (quem me conhece sabe que gosto de coisas esquisitas). Segundo, por que todo mundo gosta de fazer essa pergunta para psicólogos (ainda quero descobrir o porquê…). Um dia desses, conversando com uma psicóloga —  só pra sacanear — perguntei à ela se ela acreditava em Deus. Ela disse que sim. Óbvio que perguntei: porque? E eis que ela respondeu: “ah… sei lá! É intuitivo. Automático.

Hmmmm. De um ponto de vista cognitivo, existem pelo menos dois estilos de processamento mental que utilizamos no processo de tomada de decisões: intuição e reflexão. Intuição geralmente é baseado em processos automáticos e que não requer muito esforço cognitivo. Reflexão, pelo contrário, envolve uma análise crítica da situação e consequentemente um maior esforço cognitivo.
Algumas pessoas são naturalmente mais intuitivas que outras. Eu mesmo tenho uma amiga que diz que toda vez que ela precisa tomar uma decisão importante ela simplesmente “segue a intuição e seja o que Deus quiser“. Essa conexão entre processamento intuitivo e crença em Deus é bem interessante. E não é algo novo. Várias pesquisas em psicologia cognitiva afirmam que a crença em Deus é um produto natural da nossa cognição e que, consequentemente, ocorre de maneira intuitiva. Uma pergunta óbvia que segue esse tipo de afirmação é: será então que pessoas naturalmente intuitivas tendem a acreditar mais em Deus?
Uma pesquisa recente publicada no Journal of Experimental Psychology buscou responder exatamente essa pergunta. Amitai Shenav, David Rand e Joshua Greene, todos pesquisadores da Universidade de Harvard nos Estados Unidos, mediram o “estilo cognitivo” de várias pessoas, utilizando uma tarefa conhecida como CRT (Cognitive Reflection Test). Nessa tarefa, os participantes precisam responder à várias perguntas que têm respostas que parecem “intuitivamante” corretas, mas que “reflexivamente” são incorretas. Por exemplo: “uma meia e uma chuteira de futebol custam um total de R$ 1,10. A chuteira custa R$ 1,00 a mais que a meia. Quanto custa a meia?” Apesar da resposta mais intuitiva ser “a meia custa R$ 0,10“, a resposta correta é “a meia custa “R$ 0,05“. Os participantes que escolhem a resposta mais intuitiva são considerados pesssoas que têm uma tendência maior à esse estilo cognitivo. Além do CRT, os participantes da pesquisa também responderam a um questionário sobre a crença em Deus, e outras informações demográficas, tais como nível de escolaridade, partido político, renda mensal, etc.
Os pesquisadores encontraram que o estilo cognitivo (intuitivo ou reflexivo) prediz significativamente a crença em Deus — independentemente das outras variáveis demográficas. Em outras palavras, as pessoas mais intuitivas tem uma tendência maior a acreditarem em Deus. Como ainda existe muita gente que acredita na idéia de que apenas pessoas “pouco” inteligentes acreditam em Deus, os pesquisadores, em um outro estudo, mediram o nível de inteligência dos participantes (além do estilo cognitivo) e não encontraram nenhuma relação entre inteligência e crença em Deus, ou seja, a crença em Deus não está ligada à inteligência, e sim, ao estilo cognitivo: inteligente ou não, se você é uma pessoa intuitiva, as chances de que você acredite em Deus são maiores.
O resultado dessa pesquisa está diretamente relacionado com várias outras pesquisas que mostram que a “falta de controle cognitivo” é um dos motivos que levam as pessoas a acreditarem em Deus, ou em qualquer outra entidade sobrenatural que controla os acontecimentos do nosso dia-a-dia. Quando tomamos uma decisão com base na nossa intuição e o resultado dessa decisão é positivo, temos uma tendência muito maior a atribuir o resultado à alguma força além do nosso controle. Por outro lado, se refletimos cuidadosamente para decidir alguma coisa e o resultado é positivo, a tendência natural é de atribuir o sucesso da decisão ao processo análitico e não ao acaso, ou à alguma força sobrenatural. O mais interessante é ver mais um indício de que nossa cognição está intimamente relacionada com as crenças que formamos ao longo da nossa experiência! 🙂
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Referência:
Shenhav, A., Rand, D., & Greene, J. (2011). Divine intuition: Cognitive style influences belief in God. Journal of Experimental Psychology: General DOI: 10.1037/a0025391
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4 respostas para Intuição Divina!

  1. Paula disse:

    Mas não entendi porque a meia custa 0,05 e não 0,10...

  2. chuteira = 1,05 + meia = 0,05 = 1,10 do total da compra (e dessa forma a chuteira é 1,00 MAIS CARA que a meia)

  3. Pingback: Por que acreditamos (ou não) em Deus? | Cognando

  4. José Luiz Silva Junior ( Wartt) disse:

    Ola André gostei muito do seu blog! E te acompanho nos nerdcast.
    Sou estudante de filosofia clinica e o que você escreve é muito interessante, há tantas ligações com meus estudos!

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