Tenho uma amiga que cursa Letras na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Semana passada, conversando com ela sobre disciplinas optativas (aquelas que não fazem parte da grade curricular do curso de Letras), sugeri a ela que fizesse alguma disciplina no curso de Psicologia da UFMG. Para ser mais exato, sugeri a ela que cursasse a disciplina de Introdução à Estatística — disciplina historicamente oferecida no departamento de Psicologia. Como procedimento lógico, decidimos verificar o quadro de oferta de disciplinas no curso de Psicologia para o próximo semestre letivo. Foi então que começamos a “passar raiva“: entramos na página do curso de Psicologia com a esperança de encontrar um link para o tal quadro. Nada. A página do departamento, além de ser visualmente horrível e de difícil navegação — pouco intuitiva — está extremamente desatualizada. Para se ter uma idéia, depois de muito procurar, encontramos uma ementa da disciplina de estatística ofertada em 1984. Isso mesmo: uma ementa de 27 anos atrás (e se eu não estou enganado, essa é a mais atual).
Minha amiga logo desistiu. Eu não. Decidi ligar para o departamento. Obviamente, passei mais raiva: a pessoa que atendeu o telefone (não me lembro o nome do rapaz) parecia nem saber o que é matrícula, disciplina, etc:
rapaz: essas coisa assim de matrícula, aula, etc não é aqui não. Liga no colegiado.
eu: Ah, ok! Você pode me informar o telefone de lá?
[Antes que eu terminasse de falar a palavra “telefone”, ele já tinha desligado o dele]
Encontrei o telefone do colegiado. Liguei e fui atendido pela Magna. Corrigindo: liguei e fui mal-atendido pela Magna. Com um “bom-humor” invejável, Magna disse que não era possível saber oferta de disciplinas se eu não fosse aluno do curso de Psicologia. Disse que se eu quisesse, que eu fosse lá no colegiado e solicitasse uma cópia da lista de disciplinas. Super século XV:
Magna: Pode ser que você consiga assim.
[Antes que eu explicasse que essa opção não seria muito viável para pessoas que não moram no Brasil — ou em Belo Horizonte — Magna desligou o telefone]
Enfim, foram mais de 40 minutos e nada (até hoje não sei a oferta de disciplinas para o curso de Psicologia). Evidentemente fiquei com muita raiva! E agir com raiva não é bom. Acabei gastando de 20 a 30 minutos do meu tempo tweetando sobre o incidente e divulgando mensagens de “raiva” no meu perfil do Google+.
Tomar decisões quando se está com raiva não é bom. Existe bastante pesquisa em Psicologia Cognitiva mostrando que nossas emoções afetam diretamente (e muitas vezes de maneira implícita) as nossas decisões e nossas ações. No entanto, muitas dessas “emoções” vêm e vão muito rapidamente. Sem contar casos altamente traumáticos, muitos de nós ficamos com raiva de algo por um período curto de tempo. Depois de algumas horas ou mesmo minutos, já não sentimos mais nada. Mas será que nossas emoções (raiva, alegria, tristeza, etc.) são capazes de influenciar nossas decisões, mesmo depois que elas se dissipam? Em outras palavras, mesmo depois que a raiva passa, será que o que decidimos quando estávamos com raiva tem alguma influência nas nossas decisões futuras? E quais as consequências disso?
Essas perguntas foram investigadas pelos professores Eduardo Andrade, do departamento de Marketing da Haas School of Business na Universidade da Califórnia em Berkeley e Dan Ariely da Universidade de Harvard. Eles pediram a um grupo de alunos que participassem de uma série de Ultimatum Games. Esse jogo é uma espécie de “experimento” de economia e envolve a divisão de uma quantia em dinheiro. No jogo, há dois participantes: um que propõe uma divisão da quantia e um que aceita (ou não) a divisão. Se a divisão é aceita, cada participante leva a quantia proposta. Se a divisão não é aceita, ninguém leva nada. Exemplo: imagine que eu esteja jogando o Ultimatum Game com o Dan Ariely. Como proponente, a minha função é dividir R$10 entre eu e ele. Eu posso propor qualquer divisão que eu quiser (e.g. R$6 para mim e R$4 para o Dan, ou R$9 para mim e R$1 para o Dan). Assim que eu faço a proposta, o Dan tem a oportunidade de aceitar ou não. Se ele aceita, cada um recebe a quantia que eu propus. Se ele nega, eu não ganho nada e ele também não. Geralmente, as pessoas tendem a ser justas (R$5 para cada).
No estudo de Eduardo e Dan, eles encontraram que pessoas com raiva tendem a negar propostas injustas (e.g. R$7,50 para o proponente) com mais frequência do que as pessoas sem raiva ou felizes. Em outras palavras, se você está com raiva e alguém te oferece apenas R$2,50 no Ultimatum Game, você tende a negar a oferta, de maneira que ninguém ganha nada. Mas será que mesmo depois que a raiva passa, essa sua decisão de negar a proposta influencia decisões futuras? No mesmo estudo, depois que a raiva passou, os participantes jogaram o Ultimatum Game novamente, mas dessa vez como proponentes, ou seja, dessa vez eles que propuseram a divisão. O resultado foi que a oferta dos participantes que estavam com raiva antes foi mais “justa”(e.g., R$5 para cada um) do que a oferta dos participantes que estavam felizes antes.
Mas porque isso aconteceu? E o que isso tem a ver com nossas decisões quando estamos com raiva? Nós seres humanos temos uma tendência a agir e tomar decisões que sejam consistentes com nossas com nossas ações e decisões anteriores. Por exemplo, se em uma segunda-feira alguém te convence a usar uma blusa azul — mesmo que você não goste muito de azul — a possibilidade de que você seja convencido, na sexta-feira, a usar uma calça azul é muito maior. Isso ocorre pois, implicitamente, você está tentando ter um comportamento consistente. Em outras palavras, quando estamos com raiva e tomamos uma decisão, para manter um comportamento consistente, nossas decisões futuras serão influenciadas pela decisão que tomamos quando estávamos com raiva. No exemplo do experimento, as pessoas que estavam com raiva e negaram a oferta injusta — mostrando que apreciam uma oferta “justa”– quando tiveram a chance de propor a divisão, propuseram uma divisão justa, pois essa decisão é consistente com a decisão anterior (quando eles estavam com raiva). Já as pessoas felizes que aceitaram mais propostas injustas no primeiro jogo, também mantiveram a consistência e propuseram divisões mais injustas no segundo jogo.
Basicamente o estudo sugere que nossas emoções influenciam nossas decisões mesmo depois que elas, as emoções, não estão mais presentes. Por isso, é importante evitar tomar decisões quando estamos com muita raiva, ou muito felizes, ou muito tristes, etc, pois, mesmo depois que essas emoções passam, a nossa tendência em ser consistente nos forçará a agir de maneira particular. Pensar bem antes de tomar qualquer decisão é sempre bom.
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O Cognando deseja um 2012 feliz e produtivo para todos.
Referência:
Andrade, E., & Ariely, D. (2009). The enduring impact of transient emotions on decision making Organizational Behavior and Human Decision Processes, 109 (1), 1-8 DOI: 10.1016/j.obhdp.2009.02.003
>Muito bom André! Já estava sentindo falta dos seus posts."...é importante evitar tomar decisões quando estamos com muita raiva, ou muito felizes, ou muito tristes..." - vale a pena lembrar que também é importante escolher bem o cardápio :)- lembrei desse post: Precisa Tomar uma Decisão Importante? Escolha Bem o Seu Cardápio!Beijos e até 2012.
>Pois é. Deixei o Cognando um pouco abandonado, mas em 2012 vou postar com mais frequência! :-)Valeu pela visita, Letícia! Até 2012! 🙂