Depois de muitos anos fora do Brasil, acredito que falo inglês com uma certa facilidade. Apesar de algumas pessoas falarem que não tenho sotaque estrangeiro muito forte, eu sei que tenho e que um espectrograma da minha fala revelaria facilmente esse aspecto. Mas isso não é problema. Inclusive, várias vertentes da Lingüística Teórica e Aplicada têm apontado para o fato de que a busca de um inglês sem sotaque estrangeiro por parte de um falante não-nativo da língua é algo utópico. Ademais, ter sotaque estrangeiro tem suas vantagens.
Mas nem tudo são flores. Vários estudos em Psicologia Social e Cognitiva apontam para algumas desvantagens de se ter sotaque estrangeiro. Em 2011, por exemplo, alguns pesquisadores da Universidade de Chicago nos Estados Unidos mostraram que falantes nativos de inglês acreditavam menos em pessoas que falam inglês com sotaque estrangeiro. Alguns outros estudos mostram que, a depender do sotaque regional que a pessoa apresenta, ela é mais propícia a ser acusada de um crime, ou de ser rejeitada em uma seleção para emprego.
Mas por que isso acontece? São várias as hipóteses. Uma delas é que o sotaque de alguém causa uma demanda cognitiva muito grande para ser processado, e essa demanda maior acaba causando uma sensação negativa que é espalhada para a imagem que formamos da pessoa como um todo (ou do julgamento que fazemos da informação fornecida por aquela pessoa). Uma outra hipótese é que o sotaque é um sinalizador do grupo ao qual a pessoa pertence. Ao perceber o sotaque, trazemos à tona tudo aquilo que conhecemos daquele grupo, e julgamos com base nessa percepção. Nesse caso, o problema não seria o sotaque em si, mas o que ele sinaliza e representa.
Seja qual for o real motivo, quando será que isso começa? A resposta nua e crua é: bem cedo. Vários estudos realizados por uma pesquisadora chamada Katharine Kinzler (também da Universidade de Chicago) apontam para o fato de que esse tipo de viés começa quando a criança ainda está bem novinha. Em um dos seus estudos, ela mostrou que bebês de 5 e 6 meses de idade já mostravam preferência por pessoas que falavam a sua língua nativa sem nenhum sotaque estrangeiro. Mas será que podemos mudar essa intolerância?
Uma hipótese seria que pessoas (incluindo crianças) que estão mais expostas a outras línguas, ou pessoas que falam mais de um idioma sejam mais tolerantes à presença de sotaque estrangeiro. Eu resolvi testar essa hipótese em um estudo que realizei em Montréal, no Canadá. Montréal foi um lugar perfeito para esse tipo de estudo uma vez que, apesar de ser uma cidade onde a língua oficial é o Francês, o número de crianças bilíngues (falantes de inglês e francês) é muito grande.
Nesse estudo, eu apresentava para as crianças (5 e 6 anos de idade) várias pessoas. Algumas com sotaque e outras sem sotaque estrangeiro. Daí eu perguntava para elas de quem que elas gostariam de ser amigas. As crianças foram testadas na sua língua dominante (inglês ou francês). A idéia era ver se o fato dessas crianças serem bilíngues diminuiria a percepção negativa que têm de pessoas que falam com sotaque (basicamente elas não teriam nenhuma preferência). No entanto não foi isso que achamos. Mesmo as crianças bilíngues mostraram uma preferência significativamente maior pelo falante que falava sua língua dominante sem nenhum sotaque estrangeiro.
Esse resultado (e os outros) sugerem que esse viés preferencial por pessoas e grupos que são mais parecidos com a gente é um viés forte e começa de fato muito cedo no nosso desenvolvimento. Percebemos isso em diversas áreas, não só na área da linguagem (por que vc acha que as pessoas que torcem para um mesmo time geralmente pensam parecido? Mesmo em áreas que não estão diretamente relacionadas ao time em questão?).
Assim, mesmo que a busca por um inglês sem sotaque estrangeiro seja algo pouco encorajado pela ciência lingüística, é importante saber que existem viéses que podem influenciar diretamente nossas interações sociais em língua estrangeira. Something to think about!
Não deixe de seguir o Cognando no Google+ e no Twitter. Se quiser ler o estudo na íntegra, clique aqui.