Se os meus cálculos estiverem corretos, a essa altura do campeonato (mais precisamente, com apenas 4 dias do novo ano que começa), ou você já desistiu de cumprir pelo menos metade das suas resoluções de ano novo, ou já tentou se convencer de que tudo aquilo que você prometeu que iria fazer em 2015 nem é tão urgente e importante assim. Não cumprir as várias promessas que fazemos toda virada de ano é tão previsível quanto as enchentes que ocorrem entre os meses de dezembro e fevereiro na cidade de Belo Horizonte. Todo ano é a mesma coisa.
Mas será por que isso acontece sempre? Vamos pensar sobre as chuvas primeiro. Por que todo ano chove na mesma época do ano? As alterações climáticas que observamos no nosso planeta são causadas primordialmente pela posição que a Terra ocupa no sistema solar no decorrer dos 365 dias que ela leva pra dar uma volta completa ao redor do Sol. O que é menos claro para a maioria das pessoas é o que causa as enchentes que observamos todo ano. Aquele palito de picolé que você jogou no chão naquele dia lindo de sol, ou aquela garrafinha de água que você jogou pela janela do carro durante aquele passeio legal com os amigos certamente entupiram os canais de escoamento de água e com isso, as águas das chuvas se acumulam e causam as enchentes que vemos.
Mas o que isso tem a ver com o fato de eu não conseguir cumprir minhas resoluções de fim de ano? Nossa mente é tão previsível quanto as mudanças climáticas que acontecem na Terra no decorrer do ano. E do mesmo jeito que não associamos o palito de picolé que jogamos no chão às enchentes que ele mesmo causa em certas épocas do ano, raramente associamos a maneira como a nossa mente funciona com os objetivos e as resoluções que fazemos todo ano.
Pensar gasta muita energia. Para resolver isso, nossa mente automatiza (liga no automático) certos processos de maneira que não precisamos gastar tanta energia assim quando vamos executá-los. Por exemplo, você provavelmente tranca e destranca a porta da sua casa sem ao menos notar que está trancando e destrancando a porta de casa (e é por esse motivo que sempre que você tem a sensação de que esqueceu alguma coisa, você nunca sabe ao certo se trancou ou não a porta de casa). Essas coisas que fazemos no automático são os nossos hábitos. Nossa mente está o tempo todo criando hábitos. E mudar esses hábitos não é nada fácil. Por isso as suas resoluções de 2015 já estão todas falhando. Mas e aí? Não tem jeito? Tem. Aqui vão três dicas de como fazer valer as suas resoluções. Todas elas baseadas em como a nossa mente funciona.
Seja mais específico: por mais que sejamos seres inteligentes, nossa mente não gosta de coisas difíceis e pouco estruturadas. Se sua resolução de 2015 foi “vou ser uma pessoa melhor“, sua mente vai ver isso como algo muito complexo. Como consequência, ela vai criar uma aversão a essa tarefa. O resultado disso: você nunca vai começar a tentar ser uma pessoa melhor. A dica pra resolver isso é simples. Pegue esse objetivo geral e complexo e o transforme em pequenas tarefas que pareçam menos complexas e fáceis de serem executadas. Seja mais específico sobre o que você realmente precisa fazer para ser uma pessoa melhor. Por exemplo, dar uma cesta-básica para aquele vizinho seu que sempre te pede dinheiro emprestado pra fazer a compra do mês, ou ser voluntário por algumas horas naquela ONG que acolhe crianças com necessidades especiais. Seja mais objetivo e concreto nos planos. Ao invés de planejar coisas do tipo “se voluntariar na ONG“, planeje algo mais concreto tipo “se voluntariar por duas horas todo sábado na ONG“. Uma tarefa desse tipo parece ser bem menos complexa e aversiva do que “ser uma pessoa melhor“, e sua mente vai perceber isso.
Não deixe sua mente te enganar: nossa mente é muito espertinha. Quando ela não quer fazer alguma coisa (e.g., organizar o armário, ou limpar o quarto), ela não vai fazer e ainda vai te convencer que fazer isso não é tão importante assim. Essa é a maneira como a nossa mente resolve o que chamamos de dissonância cognitiva. Você quer uma coisa. Sua mente quer outra. Como ela resolve isso? Te convence que o que você quer não é importante. E não só isso. Ela o faz de maneira que você se sente dono de suas atitudes. Em outras palavras, ela te convence que você não precisa fazer o que planejou e ainda te faz se sentir bem por ter decido não fazer o que você deveria ter feito. Esse tipo de estratégia da sua mente funciona ainda muito melhor quando ela vê que existe algo por perto que ela pode utilizar como justificativa. Por exemplo, se seu computador está ligado e conectado na internet, a sua mente vai te convencer que você deve primeiro asistir àquele ultimo vídeo do Porta dos Fundos. Aí você assite a esse. E depois outro. E outro. E outro. Uma dica para resolver isso é modificar seu ambiente de maneira que as distrações que são comumente utilizadas pelas sua mente pra te convencer a não fazer as coisas não estejam presentes. E não só isso. Lembra que eu disse que nossa mente está o tempo inteiro formando hábitos pra economizar energia? Faça com que a distração seja algo não-automático e que necessite de bastante energia para ser executado. Se não quer se distrair com as redes sociais, por exemplo, bloqueie-as por um tempo de forma que checar algo no Twitter, Facebook ou Instagram, mesmo que rapidinho, seja difícil e aversivo.
Seja paciente na criação de novos hábitos: essa é certamente a parte mais difícil. Criar novos hábitos é demorado e difícil. E por ser difícil (lembre-se do primeiro ponto), sua mente vai criar uma aversão natural a esse novo hábito e (segundo ponto) te convencer que você não precisa desse novo hábito. Hábitos são criados quando eles são bem-sucedidos. Só repetimos ações que funcionam de alguma forma. Mudar hábitos é mudar algo automático que funciona bem. A dica aqui é atrapalhar o funcionamento do seu hábito, de maneira que ele não seja mais bem sucedido. Por exemplo, a maioria das pessoas hoje em dia são altamente viciadas nos seus smartphones. Checam emails a cada 10 minutos e não saem das redes sociais. Se por um lado esse tipo de tecnologia deixa o mundo pequeno e mais explorável, por outro ela mata a produtividade e a nossa capacidade de concentração. Eu já disse em várias postagens do Cognando que fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo (multitasking) é ruim e prejudica o aprendizado. Como então criar um novo hábito de não checar seu smartphone a cada 10 minutos? A primeira dica óbvia é “desligue o smartphone” quando precisar fazer alguma coisa que demande concentração. Se isso é difícil, você pode criar alguns desafios pra sua mente (nossa mente gosta de ser desafiada). Coloque o seu celular longe de você (e de preferência no silencioso) e se desafie a ficar 20 minutos fazendo algo sem tocar no celular. Quando conseguir fazer isso por uns três dias, mude de 20 minutos para 40 minutos e assim sucessivamente. Mudar de hábito é como aprender a andar. Você não vê nenhum bebê que acabou de aprender a andar correndo na corrida de São Silvestre. Não coloque pra você hábitos que sejam muito distantes do que aquilo que você faz atualmente. As mudanças devem ser graduais e é preciso paciência para ver os resultados. O importante é começar.
Aproveite pra criar o hábito de ler mais sobre ciência e tecnologia em 2015 aqui no ScienceBlogs. Se você acha que não consegue fazer isso, tudo bem. Pelo menos não jogue palito de picolé e garrafinhas de água no chão 🙂
Feliz 2015.
Por isso mudanças drásticas de atitude são sempre mais difíceis. Isso explicaria também porque deixamos tudo para a última hora?
Refletindo um pouco mais aqui. Eu (e metade do mundo) tenho vários problemas de concentração. Pra conseguir cumprir as tarefas vivo criando listas. Para tarefas de longo prazo, crio listas com sub-tarefas menores que ajudarão a cumprir o todo.Isso me ajuda muuuito. Já tentei utilizar o método de Pomodoro, mas depois de dois ciclos me enrolo todo e não cumpro mais os horários.