O mundo de hoje é bem diferente do mundo dos meus 10 anos de idade. E não. Não vou começar com aquela chatice de que criança daquela época que era feliz, por que soltava pipa na rua e brincava de carrinho de rolimã. Bobeira isso. Se eu tivesse um tablet ou qualquer outro tipo de smart device naquela época, eu estaria feliz do mesmo jeito (iria provavelmente tirar várias selfies no meu carrinho de rolimã). Há quem diga que essa tecnologia danada a que essas crianças de hoje estão expostas está emburrecendo a meninada. Eu acho que o que está realmente emburrecendo essa garotada é o fato de que a educação formal que eles recebem na escola de hoje é a mesma que eu recebi quando eu tinha 10 anos de idade.
Eu adoro matemática. E não tenho dúvidas de que o ensino de matemática é, de fato, importante. O combate mortal geralmente começa com álgebra simples. Na fase seguinte enfrentamos a geometria, passamos pela trigonometria e, se formos corajosos o suficiente, chegamos ao combate final com o Goro, também conhecido como Cálculo. Ok. Mas esse tipo de conhecimento é insuficiente para as demandas de hoje. Quantas vezes, na última semana, você precisou de um conceito de cálculo para resolver um problema cotidiano? Isso mesmo. Nenhuma.
Eu sou da opinião que essa meninada de hoje tinha que aprender Estatística. Isso mesmo. Estatística. Obviamente deveriam ter as aulas de matemática, mas deveriam aprender a pensar no incerto. Quantas vezes durante essa semana você precisou tomar alguma decisão que envolvia algum tipo de incerteza? Quantas vezes já precisou tomar alguma decisão sem ter acesso à todas as informações necessárias? Quantas vezes você já esteve em alguma situação que envolvia escolhas caóticas e um pouco confusas? Pelo menos comigo, esse tipo de coisa acontece pelo menos duas vezes por semana.
O mundo é caótico. Sempre foi. Mas antes não tínhamos acesso direto a esse caos. Hoje, com o volume de informações a que estamos expostos — e em tempo real — a nossa percepção do caos é maior. Pensar estatisticamente parece ser cogente no mundo de hoje. E pensar estatisticamente é muito mais que simplesmente saber calcular médias, medianas e fazer testes de hipóteses. Essa é a parte que a matemática ajuda. Pensar estatisticamente é saber racionalizar frente ao incerto. Estatística é a ciência da incerteza. É treinar sua mente para que ela encontre padrões e tome decisões coerentes mesmo diante do caos.
Eu dou aula de estatística já a bastante tempo. A galera odeia. Mas sempre noto que os alunos nunca têm dificuldades de entender como calcular um coeficiente de correlação ajustado, ou como estimar a máxima verossimilhança de um conjunto de dados. O que eles não sabem é pensar estatisticamente. Eles têm uma dificuldade tremenda de entender conceitos básico, tipo média, amostragem aleatória, ou probabilidade condicional. No final das contas, os alunos sabem pensar matematicamente, mas não sabem pensar em termos do incerto. E eu não digo isso porque quero que todo mundo vire estatístico profissional (da mesma forma que ninguém espera que todos virem matemáticos profissionais apenas por que estudam matemática na escola). O que eu gostaria mesmo é de ver essa meninada entendendo como pensar sobre padrões, como detectar as besteiras que estão no meio das informações relevantes. Essa meninada deve estar preparada para encontrar o sinal em meio ao ruído. Aqui nos Estados Unidos eu costumo dizer aos meus alunos que estatística é uma espécie de bullshit detector (detector de merdas). Isso faz minhas aulas serem bem mais divertidas (e úteis) do que Cálculo.
No final das contas, não acho que as crianças de hoje estão emburrecendo. Mas acho sim que elas estão sendo mal preparadas para os combates que irão certamente enfrentar no mundo de hoje. O Goro de 10 anos atrás tinha quatro braços. O de hoje tem Twitter e provavelmente já leu muito sobre Big Data. Seu carrinho de rolimã não vai te ajudar a escapar dessa vez.
Boa reportagem, incrível so cheguei a ter aula de estatística na faculdade.
Sou a favor de estatística e lógica de programação... Já em todas as escolas!!
Mandou muito bem como sempre André. Acompanho a algum tempo o seu blog, mas venho comentar pela primeira vez pela coincidência dos fatos.
Essa semana mesmo, conversando com um amigo sobre um problema que ele queria resolver, agora me dou conta que, pensei estatisticamente.
A solução dele envolvia sensores e reconhecimento de padrões para resolver um problema que, ao meu ver, tem um grau de incerteza aceitável ao ponto de ser resolvido com a boa e velha estatística.
Enfim, foi muito bom ouvir isso de você nesse post pois eu me senti um pouco menos burro. :-].
Ah, espero que você apareça em um Nerdcast em breve, sempre muito bom te ouvir por lá também.
George.
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