Eu sei que os profissionais da área de TI irão me odiar pelo que vou dizer agora, mas a impressão que tenho é que, apesar da boa intenção, muitas vezes eles mais atrapalham que ajudam. Há dois meses, eu enviei um e-mail para o departamento de TI aqui da Universidade do Alabama para reclamar da interface do nosso webmail (sim, restrições da Family Educational Rights and Privacy Act não nos permite utilizar interfaces tipo Gmail para acessar nosso e-mail profissional). A resposta foi até rápida. Eles conseguiram migrar a minha conta para uma versão mais “nova” do Microsoft Outlook Web App (uma m***). E como parte do processo de migração, eles deveriam fazer toda a configuração da conta no novo sistema. Esse tipo de configuração é fácil e eu mesmo poderia ter feito. Mas é requerimento do trabalho deles que eles façam toda a configuração. Foi divertido assistir por mais de 25 minutos o show de erros e equívocos que o cara cometeu ao tentar configurar a conta. Eu mesmo teria configurado a conta em 5 minutos.
Ontem, durante uma reunião do meu grupo de pesquisa, alguém mencionou que poderíamos solicitar ajuda ao TI para instalação de um equipamento novo que adquirimos. Essa instalação eu não saberia fazer. Mas mesmo assim, fiquei com o pé atrás com relação à ideia de chamar o TI. A história de erros e equívocos me deixaram com a pulga atrás da orelha. Mas será que somos sempre assim?
Uma grande parte do conhecimento que temos das coisas e de como elas funcionam vem do que outras pessoas nos dizem e não necessariamente da nossa experiência direta com as coisas. Apesar disso ser uma coisa boa, temos o problema da crença. Que tipo de informação devemos ou não acreditar? Se um cientista diz que certos microorganismos (que você nunca viu) podem causar uma certa doença (que você também nunca viu) se você não lavar a sua mão, como saber se você deve ou não acreditar nesse cientista?
Uma informação valiosa que usamos pra saber se acreditamos ou não nas informações que outras pessoas nos passam é o número de vezes que essa pessoa esteve certa ou errada no passado. Por exemplo, se a pessoa sempre te dá uma informação errada, você tende a não acreditar nas informações que essa pessoa te passa. Mas pode acontecer da pessoa estar errada apenas algumas vezes, e outras vezes ela estar certa. E nesse caso? Acreditamos ou não?
Nossa mente tem uma capacidade muito boa de detectar padrões. E essa capacidade começa cedo. Por exemplo, Tamar Kushnir mostrou em um dos seus estudos que bebês de apenas 20 meses de idade conseguem detectar padrões estatísticos e utilizam esse conhecimento para inferir se uma pessoa gosta de um brinquedo ou de outro. Mas e com relação à crença? Será que detectamos padrões de erros e acertos das pessoas também? Parece que sim.
Algumas pesquisas mostram que até mesmo crianças utilizam o número de vezes que você esteve certo no passado pra saber se acreditam ou não em você. Um estudo com crianças de 2 a 5 anos mostrou que se uma pessoa está errada 100% das vezes ou certa 100%, as crianças usam essa informação para saber se acreditam ou não em informações que vêm dessa pessoa. A pessoa que esteve 100% certa recebe toda a credibilidade da criança. Já a pessoa que esteve 100% errada não tem nem um pingo da credibilidade da criança.
Se a criança tiver que escolher entre uma pessoa que esteve 100% certa e uma outra pessoa que esteve 75% certa, as crianças escolhem a que esteve 100% certa. No entanto, quando somos muito novos (2 anos de idade) não toleramos muito o erro. Por exemplo, se uma pessoa esteve certa 75% das vezes e a outra esteve certa 25% das vezes, as crianças de 2 anos não acreditam em nenhuma das duas, pois as duas mostraram estar erradas no passado. Já as crianças de 5 anos preferem a que esteve certa 75% das vezes.
É interessante notar que essa habilidade de perceber padrões é recorrente em vários domínios e pode ser observada em vários momentos do desenvolvimento da criança. Ela rastreia o número de vezes que o choro dela é atendido e cria apego com base nessa informação. Ela rastreia o número de vezes uma pessoa faz algo ruim e não é punida e utiliza essa informação pra saber se deve ou não agir da mesma forma. Ela rastreia o número de vezes que um certo fenômeno causa um outro e utiliza essa informação para aprender sobre como as coisas funcionam, etc.
Na última postagem do Cognando, falei sobre a importância de se ensinar estatística na educação básica. Esse tipo de ensino só serviria para aprimorar ainda mais uma capacidade que já está lá na nossa cognição desde pequeno. Difícil mesmo é convencer a criançada a se tornarem bons profissionais de TI. 🙂
Muito bom o texto, e parabéns pelo blog, André. Agora vou fazer o textão defendendo a galera de TI... brincadeira. Acho que a melhor forma de tentar descrever o que aconteceu com você é: ou um estagiário lhe atendeu, ou uma pessoa despreparada (dsclp o pleonamo). O que quero dizer é que trabalhando na área me recordo do tempo da escola, quando você fazia o trabalho em grupo e essencialmente existiam duas frentes, uma que fazia o trabalho e outra que ficava na escora. TI é assim, boa parte só saca o básico das ferramentas com que trabalha. E ainda tem o problema do suporte ao usuário final que não é natural para alguns. Não é qualquer pessoa que sabe lidar com outro ser humano e ter paciência. Diria que a maior diferença no atendimento é quando a gerencia cobra isso de seus subordinados, e gerente desse jeito é peça rara.
Gostei do texto. Faltou um "que" na frase: Ela rastreia o número de vezes *QUE* uma pessoa faz algo ruim e não é punida e utiliza essa informação pra saber se deve ou não agir da mesma forma. Abraço.
Isso também explicaria o fato de várias pessoas duvidarem da ciência? Pois a ciência tende a sempre está errada ou não totalmente explicada, levando a barbaridades como, por exemplo, a crença que vacinas são mentiras impostas pela indústria farmacêutica?
Sou um "cara de TI" (formado, inclusive, pela mesma universidade que você) e não te odiei pelo texto. Tecnologia da Informação é um termo muito amplo e engloba um espectro enorme de profissionais e ocupações. Acredito que a experiência que você teve seria a mesma que eu teria ao procurar aconselhamento psicológico de um psicólogo encarregado de aplicar testes psicotécnicos para o DETRAN. Meu ponto é: guardadas as devidas exceções, os profissionais de TI costumam migrar do atendimento ao cliente para atividades mais desafiadoras assim que surge uma oportunidade. O efeito disso é o acontecimento de situações como as que você descreveu, geradas por profissionais inexperientes, algo que não é incomum na prestação desse tipo de serviço de TI. Prova disso é que muitos de nós (talvez até você) costuma ter um "cara de TI" preferido quando ligamos para o suporte. Esse é o cara que, em atendimentos passados, esteve mais certo do que errado, infelizmente logo logo ele não estará mais lá 🙂