Celular ao volante: Viva-voz pode?

Conversar no celular e dirigir ao mesmo tempo não pode. Certo? Depende. Morei muitos anos no estado do Texas nos Estados Unidos e, pelas bandas do Rick Perry, a coisa é no mínimo esquisita. Conversar no celular enquanto dirige pode. Só não pode se: (1) você estiver dirigindo próximo a alguma região escolar em horário de entrada e saída de alunos, (2) se você tiver menos de 18 anos de idade e (3) se você for motorista de ônibus escolar carregando alguém menor de 17 anos de idade. A mesma lei impera para quem manda mensagens de celular enquanto dirige (apesar de que algumas cidades do estado têm leis mais específicas). No Brasil, conversar no celular enquanto dirige não pode. Por esse motivo, muita gente utiliza o chamado viva-voz. Daí, você não precisa ocupar as mãos segurando o celular e, com isso, dirige com mais segurança. Certo? Hmmm. Parece que não.

Um estudo realizado na Universidade de Utah nos Estados Unidos investigou os efeitos de conversas ao telefone celular — utilizando viva-voz — na atenção do motorista enquanto dirige. Estudos desse tipo geralmente utilizam um paradigma que chamamos de Incidental Recognition Memory. Nesse tipo de procedimento, os pesquisadores apresentam ao motorista vários objetos no simulador de direção (caminhões, pedestres, sinais, etc.) e testam a memória deles com relação a esses objetos. O estudo de Utah mostrou que os motoristas que estavam conversando no celular via viva-voz apresentaram uma memória de reconhecimento dos objetos bem menor. E para se certificarem de que os motoristas pelo menos “viram” os objetos, os pesquisadores utilizaram técnicas de rastreamento ocular (e.g., uma máquina que consegue detectar a direção do seu olhar). Mesmo “vendo” os objetos, os motoristas conversando no celular não prestaram atenção à eles.

Mas conversar no viva-voz não seria a mesma coisa de conversar com alguém sentado no banco do passageiro? Na verdade, não. Esse estudo mostrou ainda que quando o motorista conversa com uma pessoa presente no carro, esse problema da memória acaba, ou seja, ele consegue lembrar perfeitamente dos objetos que viu durante a tarefa de dirigir. E por que isso acontece? Geralmente, a pessoa que está no carro conversando com o motorista está também atenta ao trânsito e às demandas da direção de maneira que, mesmo sem querer, ela acaba adaptando a troca de turnos para momentos que demanda menos atenção do motorista. Essa adaptação é obviamente impossível em uma conversa de celular, mesmo que via viva-voz.

O mais interessante, no entanto, é que alguém pode falar: de que adianta lembrar de objetos depois de dirigir? O importante é a atenção na hora do ato. Faz sentido. Para abordar essa questão, os pesquisadores mediram respostas cerebrais dos motoristas durante o ato de dirigir. Utilizando eletroencefalogramas, os pesquisadores mostraram que durante o ato de dirigir, os participantes dividem a atenção entre o monitoramento da conversa ao celular e aos sinais que vê no trânsito. E isso só ocorre em conversas ao celular. Se o interlocutor está presente, esse desvio de atenção não ocorre.

Apesar de parecer óbvio que dirigir e conversar ao celular é uma idiotice, muita gente (tipo o tio Perry) precisa de evidências empíricas para mostrar que essa mistura é desastrosa (se bem que nem em ciência o Rick Perry acredita. Oh well…) Ah, vale ainda lembrar que não houve diferença significativa entre as idades dos motoristas testados no experimento, ou seja, essa lei que proíbe somente menores de 18 anos de conversar ao telefone enquanto dirigem is just dumb (com sotaque bem texano).

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Referência

David L. Strayer, & Frank A. Drews (2007). Cell-Phone–Induced Driver Distraction CURRENT DIRECTIONS IN PSYCHOLOGICAL SCIENCE, 16 (3), 128-131 DOI: 10.1111/j.1467-8721.2007.00489.x

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O Totó só ajuda se for do interesse dele!

A cachorrinha da minha mãe está muito rebelde. Segundo a minha mãe, de uns dias pra cá, deu pra fazer xixi onde não deve. Minha mãe disse que já conversou várias vezes com ela, mas não adianta. “Ela está com ciúmes da Gabriela“, disse minha mãe. Gabriela é a gatinha nova da casa. As duas não combinam de jeito nenhum. Brigam igual gato e cachorro dois irmãos. Seria um caso e tanto para Cesar Millan — a supernanny do mundo canino — “resolver”.

Tem muita gente que trata cachorros como se eles fossem seres humanos. Brinca, passeia, conversa, ensina coisas novas (e testa o bichinho pra ver se ele aprendeu de verdade), etc. Há até quem acredite que cachorros têm linguagem que nem a gente e entendem perfeitamente tudo que a gente fala e faz. Uma vez, vi uma pessoa perguntar ao cachorro se ele havia visto onde ela havia colocado o CD do Tim Maia. O cachorro latiu e ela agradeceu. Mas será que é assim mesmo? Será que todo Totó é um tipo de Perry the Platypus disfarçado de cachorro pra poder dormir o dia inteiro e ainda comer de graça?

O Encantador de Cães não mostra, mas existe muita pesquisa que investiga a cognição canina. Apesar de ser mais fácil e conveniente pensar que eles pensam como a gente, várias pesquisas mostram que os Totós da vida têm uma forma muito particular pensar. Tá certo que eles “entendem” certos gestos, olhares e até mesmo comandos de voz. Mas será que cognitivamente eles organizam esse conhecimento da forma que a gente faz? Uma criança pequena, por exemplo, mesmo antes de falar, é capaz de comunicar quando está com fome ou quando quer um brinquedo específico. Ela também é capaz de identificar quando precisamos de alguma coisa e, geralmente, nos auxilia no que precisamos. Explico: imagina que a criança saiba onde está a tesoura, mas você não sabe. Se a criança percebe que você precisa da tesoura, mesmo sem ainda falar, ela é capaz de comunicar com você onde está a tesoura (i.e., ela pode apontar, olhar para o local, ou até mesmo engatinhar em direção ao local onde a tesoura se encontra). Será que um cachorro faria o mesmo?

Na verdade, já existe pesquisa mostrando que cachorros conseguem indicar ao dono (através de latidos, olhar, pulos, etc.) onde está escondido um pedaço de comida ou um brinquedo que o cachorro gosta. No entanto, o que as pesquisas mostram é que os cachorros apenas indicam o local quando é do interesse deles. Será que o Totó consegue só “colaborar” com o dono? Em outras palavras, será que ele consegue só avisar ao dono onde alguma coisa está, mesmo que essa coisa não seja de interesse direto do cachorro? Juliane Kaminski e uma equipe liderada por Mike Tomasello e Josep Call (do Departamento de Psicologia Comparada do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista) testaram exatamente isso.

Para isso eles fizeram o seguinte: um pesquisador (ou o dono do cachorro) entrava na sala com um objeto do interesse do cachorro. Depois de alguns minutos, o pesquisador se retirava da sala — deixando o objeto lá — e um outro pesquisador entrava na sala e escondia o objeto. E o cachorro assistindo tudo. Daí o primeiro pesquisador voltava para a sala e começava a procurar o objeto. A mesma coisa foi feita com um objeto que não era do interesse do cachorro. Os resultados mostraram que, quando o objeto era do interesse do cachorro, esse mostrava para o pesquisador onde o objeto tinha sido escondido. Quando o objeto não era do interesse do cachorro, ele não mostrava nada. Os pesquisadores fizeram ainda um segundo estudo, onde o pesquisador deixava claro para o cachorro a necessidade de utilizar o objeto escondido (por exemplo, o pesquisador mostrava para o cachorro duas folhas de papel e começava a procurar pelo grampeador escondido — o cachorro obviamente foi treinado antes para saber como um grampeador é utilizado). Mesmo com essa necessidade explícita, os cachorros não ajudaram o pesquisador encontrar o grampeador.

Apesar de serem considerados “o melhor amigo do homem” e de entenderem muitos dos nossos signos linguísticos e não-linguísticos, os cachorros parecem não agir de maneira muito cooperativa com a gente. Eles parecem se beneficiar da nossa ferramenta comunicativa apenas quando é do interesse deles.

Agora, problemas de ciúmes, só mesmo o Cesar Millan para resolver! 🙂

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Referência:

Juliane Kaminski, Martina Neumann, Juliane Bräuer, Josep Call, & Michael Tomasello (2011). Dogs, Canis familiaris, communicate with humans to request but not to inform Animal Behavior (82), 651-658

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Quanto mais difícil de ler, melhor!

Já tem bastante tempo que leciono estatística e análise quantitativa de dados. Lembro uma vez que estava falando com meus alunos sobre processos estocásticos, Cadeia de Markov (MCMC), etc. e, depois de alguns minutos de explicação e exemplos no quadro, perguntei a eles quem tinha alguma pergunta e/ou comentário. Uma aluna levanta a mão e diz: “Esse trem já é muito complicado e, pra dificultar mais, sua letra é muito feia. Não consigo entender nada que você escreve“. Achei digno! Mas será que letra feia de professor realmente atrapalha o aprendizado do aluno?

Geralmente a dificuldade associada à forma como percebemos certos estímulos influencia diretamente a forma como processamos o conteúdo desse estímulo. Tá bom, eu explico: imagine um texto impresso em uma fonte super difícil de ler. A dificuldade associada a leitura dessa fonte vai fazer com que você goste menos do texto, independentemente do assunto dele. Outro exemplo: se alguém tenta te convencer que o Atlético Mineiro é o melhor time do Brasil e para isso usa um texto escrito em uma fonte mais difícil de ler, as chances de você acreditar nesse fato são bem pequenas, ao passo que se a mesma informação for oferecida em uma fonte mais clara e fácil de ler, as chances de você “comprar” a ideia são bem maiores. Então, apesar de saber que aluno sempre culpa o professor pelo péssimo desempenho, é possível sim que letra feia do professor faça com que gostemos menos da disciplina (ou do assunto) que ele ensina.

No entanto, existem algumas pesquisas mostrando que informações oferecidas com algum nível de dificuldade perceptual — uma fonte mais difícil de ler, por exemplo — são processadas de maneira menos intuitiva, ou seja, são processadas de forma mais analítica e menos superficial. Imagine o seguinte problema: uma bala e um pirulito custam juntos R$ 1,10. O pirulito custa R$ 1,00 a mais que a bala. Quanto custa a bala? Quando utilizamos a intuição para resolver tal problema, temos a tendência de responder que a bala custa R$ 0,10. No entanto, se engajamos em um pensamento mais analítico, percebemos que, na verdade, a bala custa R$ 0,05. O que as pesquisas mostram é que, quando um problema desse tipo é apresentando com uma fonte mais difícil de ler, as pessoas pensam mais analiticamente e acertam mais, ao passo que quando o mesmo problema é apresentado com uma fonte mais fácil, as pessoas pensam mais intuitivamente e erram mais.

Todos sabemos que para aprender alguma coisa precisamos engajar em pensamentos mais analíticos, ou seja, precisamos processar informação de maneira mais profunda e menos superficial. E se uma fonte mais difícil influencia essa forma de pensar, fontes mais difíceis de ler devem fazer com que as pessoas aprendam mais do que fontes mais claras e fáceis. Para testar essa hipótese louca, Connor Diemand-Yauman (Universidade de Princeton), Danny Oppenheimer (agora na Escola de Negócios da UCLA) e Erikka Vaughan (da Universidade de Indiana) testaram o aprendizado e a memória de pessoas quando expostas a fontes fáceis e difíceis de ler.

No primeiro experimento, eles apresentaram aos participantes descrições de uma série de “animais” desconhecidos. Cada um desses animais possuía certas características que os participantes tinham que ler e lembrar mais tarde. Metade dos participantes viram as descrições em uma fonte clara e fácil de ler. A outra metade viu as mesmas descrições, mas com uma fonte mais difícil e menos clara. Os resultados mostraram que, após 15 minutos da leitura das descrições, os participantes que leram a fonte mais difícil lembraram mais características do que os participantes que leram as descrições na fonte mais fácil.

Para replicar esse efeito em um ambiente mais naturalístico, os pesquisadores testaram alunos de um colégio em Ohio. Eles pediram aos professores que enviassem para eles os materiais que utilizariam para ensinar certos conteúdos (química, inglês, história, etc.). Os pesquisadores então modificaram a fonte desses materias, colocando uma fonte mais difícil de ler. Metade dos alunos receberam o material no original —  com uma fonte mais clara — e a outra metade recebeu o material com a fonte mais difícil. Ao final do ano letivo, os pesquisadores compararam o desempenho dos alunos nos dois grupos. Os alunos que receberam o material com fonte mais difícil tiveram um desempenho significativamente superior aos alunos que receberam o mesmo material escrito com uma fonte mais fácil. Intrigante, não?

O que esses estudos sugerem é que se seu professor tiver a letra feia, isso na verdade pode ajudar você a aprender melhor a matéria que ele ensina — ou pelo menos vai fazer com que você processe a informação de maneira mais analítica e menos superficial. Obviamente, isso só vai acontecer desde que o material possa ser lido para começo de conversa. E dando uma olhada nas notas daquela minha turma, a aluna que disse que minha letra era feia ficou entre os alunos com melhor desempenho na turma (top 10%).

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Referência:

Diemand-Yauman C, Oppenheimer DM, & Vaughan EB (2011). Fortune favors the bold (and the Italicized): effects of disfluency on educational outcomes. Cognition, 118 (1), 111-5 PMID: 21040910

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Vous voulez parier?

Tem muita gente nesse mundo que sabe falar uma língua estrangeira. E apesar da grande variação no nível de proficiência das pessoas, a verdade é que muita gente consegue “se virar” sem problemas em uma outra língua que não a língua materna. Seja em portunhol, em inglês tabajara ou o francês macarrônico, muitas vezes o “embromation” funciona.

Apesar de existir, para várias línguas, testes padronizados que mensuram a proficiência de falantes não-nativos (e que levam em consideração vários aspectos que são relevantes linguisticamente), as pessoas leigas costumam medir sua proficiência de uma forma completamente diferente. E eu acho isso muito curioso! Ontem, por exemplo, eu estava em um café tendo uma reunião via Skype com alguns colaboradores que tenho em Montréal, no Canadá. A conversa estava sendo toda em francês (bom, pelo menos era a língua que eles estavam falando comigo). Quando desliguei a ligação, uma senhora na mesa ao lado começou a conversar comigo em francês. Quando eu disse a ela que eu não era tão proficiente assim, ela logo perguntou: “Mas você pensa em português ou em francês?” É como se pensar em uma outra língua fosse o que determinasse o seu nível de proficiência naquela língua. E não só isso! Será que pensamos diferente quando falamos línguas diferentes?

Boaz Keysar e um grupo de pesquisadores no Departamento de Psicologia da Universidade de Chicago fizeram uma série de estudos para investigar exatamente essa pergunta. Quando temos que decidir alguma coisa, temos basicamente dois tipos de processos cognitivos que podemos utilizar. Podemos utilizar uma forma de pensar mais “analítica” e/ou “sistemática” ou podemos utilizar uma forma de pensar mais “intuitiva” e/ou “heurística”. São vários os fatores que influenciam que tipo de pensar utilizamos. Quando estamos cansados, por exemplo, temos uma tendência maior a pensar de maneira mais intuitiva, ao passo que quando nos distanciamos emocionalmente do objeto de análise, pensamos de maneira mais analítica. Será que a língua que utilizamos também modifica a nossa forma de pensar?

Para testar isso, Boaz deu aos participantes da pesquisa uma série de tarefas de tomada de decisão na língua nativa deles ou em uma língua estrangeira, e depois verificou se havia alguma diferença no padrão de respostas das pessoas. Em geral, temos uma tendência a tomar decisões que evitam perdas. No entanto, as vezes essa tendência muda quando mudamos o modo como o problema é apresentando. Por exemplo: imagine que eu digo a você que no hospital X existem 600 pessoas doentes. Você precisa escolher o remédio (A ou B) que quer utilizar para essas pessoas. Com o remédio A você vai salvar 200 vidas e com o remédio B você tem uma chance de salvar todas ou nenhuma. Geralmente as pessoas escolheriam o remédio A, por uma aversão à perda. No entanto se eu disser que com o remédio A você perde 400 pacientes e com o remédio B você pode perder todos ou nenhum, nesse caso as pessoas tendem a preferir o remédio B. Note, no entanto, que a quantidade de pessoas que sobrevivem com o remédio A é a mesma nas duas situações. Esse fenônemo é conhecido como “efeito de enquadramento“.

Boaz deu uma série de problemas semelhantes a esse na língua nativa do participante ou em uma língua estrangeira. Os resultados mostraram que esse efeito de enquadramento simplesmente desapareceu quando os participantes fizeram a tarefa em uma língua estrangeira, ou seja, os participantes pareciam estar utilizando um modo de pensar mais analítico e não intuitivo. Para explorar essa possibilidade, Boaz fez mais um outro estudo interessante. Ele deu a cada participante um total de $15. Durante o experimento, Boaz apresentava ao participante uma série de oportunidades (na verdade, 15 oportunidades) para apostar $1 em um jogo de cara/coroa. Para cada aposta, se o participante ganhasse, ele ficaria com o $1 que ele apostou e ainda ganharia mais $1,50. Se ele perdesse, ele perderia o $1 que apostou e não ganharia nada.

As apostas foram apresentadas na língua nativa do participante ou em uma língua estrangeira. Os resultados mostraram que as pessoas que ouviram sobre as apostas na língua estrangeira apostaram muito mais do que as pessoas que escutaram as apostas na língua nativa, ou seja, eles demonstraram uma menor aversão a perdas (o que, no caso da tarefa, maximizava os ganhos).

Mas no final das contas, por que isso acontece? Para Boaz, o uso de uma língua estrangeira reduz o que os pesquisadores chamam de ressonância emocional que muitas vezes está associada à tomada de decisões mais intuitivas e heurísticas. É como se o nosso sistema cognitivo se distanciasse de qualquer influência emocional quando processa uma língua estrangeira.

No final das contas, a dica que fica é: cuidado ao ir à Las Vegas se inglês não for sua língua nativa! 🙂

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Referência:
Boaz Keysar, Sayuri L. Hayakawa, & Sun Gyu An (2012). The Foreign-Language Effect : Thinking in a Foreign Tongue Reduces Decision Biases Psychological Science DOI: 10.1177/0956797611432178

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O peso da primeira vez: Esperar um pouco pode ser um bom negócio.

Ser adolescente tem suas vantagens! Uma delas é o início da vida sexual. Para um adolescente, não tem nada melhor do que fazer sexo! E é tão bom que uma das coisas que observamos atualmente é que os adolescentes começam cada vez mais cedo a ter uma vida sexual ativa. Antigamente, ser virgem com 19 anos era comum. Hoje em dia, se você é virgem com 15 anos, alguma coisa está errada.

Mas afinal de contas, qual é a consequência de se começar a vida sexual muito cedo? Existem várias pesquisas que mostram uma correlação muito grande entre o início precoce da vida sexual e medidas tais como (1) alto índice de co-habitação sem casamento, (2) alto índice de gravidez sem casamento, (3) um índice alto de divórcio, etc. Sem contar que o início precoce da vida sexual está também fortemente relacionado com baixo nível de escolaridade, menos preocupação com a busca de uma carreira profissional e, consequentemente, uma menor estabilidade financeira. Existe pesquisa mostrando que sexo na adolescência reduz até mesmo o comprometimento religioso de alguns adoslescentes. Mas será que o início precoce da vida sexual têm alguma seqüela na vida da pessoa anos mais tarde?

A pesquisadora K. Paige Harden, do Departamento de Psicologia da Universidade do Texas em Austin, tentou responder essa pergunta em um estudo que será publicado na revista Psychological Science. Paige Harden acompanhou longitudinalmente mais de 1500 pessoas (pares de irmãos) desde quando eles tinham aproximadamente 15 anos até quando eles completaram 29-30 anos.

Durante esse tempo, ela coletou várias medidas com essas pessoas, entre elas (1) quando foi a primeira relação sexual — ela classificou as pessoas em três categorias: as que começaram cedo (antes dos 15 anos), as que começaram na hora certa (entre 15-19 anos) e as que começaram tarde (depois de 19 anos); (2) o tipo de união quando adulto (casado ou “juntado”); (3) o número de parceiros (não necessariamente parceiros sexuais) e, para os casados (4) o nível de insatisfação no casamento.

Paige Harden encontrou que o momento em que ocorre a primeira relação durante a adolescência (cedo, na hora certa ou tarde) foi um forte preditor da qualidade e do tipo de relacionamento na vida adulta, ou seja, aqueles que começaram a vida sexual mais tarde tiveram uma tendência menor de se envolverem em qualquer tipo de relacionamento e tiveram uma tendência a ter menos parceiros. Dentre os que começaram tarde e se casaram, eles apresentaram uma tendência bem menor de apresentar qualquer tipo de insatisfação com o casamento.

Mas alguém pode pensar que esse fatores têm a ver com o contexto familiar mais do que com a primeira vez em que o sexo acontece. No entanto, o mais interessante foi que esse efeito se manteve forte mesmo quando ela comparou irmãos de uma mesma família que tiveram diferentes “primeira-vez”. Em algumas análises, ela ainda mostrou que esse efeito não tem a ver com religião, escolaridade e ou classe sócio-econômica. Para se ter uma idéia, o momento da primeira vez foi um preditor de satisfação no casamento muito mais importante do que um aumento na renda familiar de $10.000 dólares por ano.

Obviamente ninguém deve interpretar os resultados de maneira determinística: “se fizer sexo cedo, vai se ferrar!“. Não. Mas é importante entender que essas coisas se relacionam de maneira interessante e, saber de possíveis fatores que podem influenciar a sua vida, é muito confortante. Mesmo que isso signifique que venha tenha que segurar o tesão e esperar um pouco mais! 🙂

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K. Paige Harden é diretora do Developmental Behavior Genetics Lab na Universidade do Texas em Austin e uma das fundadoras do Projeto Twin, que já rendeu vários estudos interessantes (veja aqui).

 

Referência: 

K. Paige Harden (2012). True Love Waits? A Sibling Comparison Study of Age at First Sexual Intercourse and Romantic Relationship in Young Adulthood Psychological Science

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O “Efeito QWERTY” na versão da Psicologia Cognitiva.

Ontem eu estava conversando com uma amiga via bate-papo do Gmail quando ela me fez a seguinte pergunta: “André, você ainda escreve, assim, com lápis/caneta e papel?” Fiz cara de what??, mas logo entendi o que ela quis dizer. Na verdade, quase não escrevo mais. A maior parte da minha produção lingüística é, sem dúvidas, “digitada”. E isso é verdade para um tanto de gente. Com a proliferação absurda de smartphones, tablets e coisas do gênero, as interações se dão cada vez mais em meio virtual. Observe, por exemplo, a agilidade com a qual as pessoas geralmente digitam tanto no computador, quanto no celular (ou tablets).

Eu sou do tempo que se fazia aula de datilografia. Lembro de “datilografar” ASDFG, ÇLKJH umas 300 vezes (e sem olhar para as teclas). Quem usou máquinas de escrever (que por sinal é uma invenção simplesmente fantástica) sabe que, quando se digitava muito rápido, algumas letras se “engastalhavam” e era preciso separar essas letrinhas manualmente. Logo quando inventaram a máquina de escrever, a coisa era bem pior. As teclas eram organizadas de maneira alfabética o que facilitava (e muito) o engastalhamento das letras. Daí Remington, uma empresa que produzia máquinas de escrever, comprou um novo modelo de disposição das teclas que foi feito exatamente para separar aqueles pares de letras que ocorriam com muita frequência. Esse novo modelo de disposição das teclas é utilizado até hoje e é chamado de QWERTY (o nome vem das seis primeiras letras da primeira fileira de letras do seu teclado). Aposto que você parou a leitura só pra conferir… 🙂

Mas o que esse modelo QWERTY tem a ver com Psicologia Cognitiva? Bom, senta que lá vem a história: Daniel Casasanto e Kyle Jamin, quando estavam ainda no Instituto Max Planck de Psicolingüística, observaram que o modelo QWERTY é assimétrico e tem mais letras do lado esquerdo do que do lado direito. Assim, as chances de se “errar” ao digitar é muito maior do lado esquerdo do que do lado direito (mais letras, mais chances de acertar a letra que você não quer). E por isso, segundo eles, existe uma disfluência maior do lado esquerdo do teclado do que do lado direito do teclado. Existem vários estudos mostrando que informações processadas com menos fluência são vistas mais negativamente pelas pessoas (se você mostrar pra alguém uma foto de um carro preto em um fundo branco e uma outra foto do mesmo carro preto em um fundo cinza escuro, as pessoas irão preferir o carro preto em um fundo branco, pois o contraste é maior o que faz a percepção visual ser melhor).

Assim, Daniel e Kyle resolveram ver se as palavras que têm mais letras do lado direito do teclado (consequentemente digitadas com mais fluência) são vistas pelas pessoas como palavras mais positivas. Para isso, eles utilizaram mais de 1000 palavras de um banco de dados conhecido como ANEW (Affective Norms for English Words) e que tem versões em espanhol (SPANEW) e em dinamarquês (DANEW). Eles deram essas palavras para um grupo de pessoas para que elas julgassem se as palavras eram “positivas” ou “negativas”. Os resultados mostraram que as palavras que têm mais letras do lado direito são vistas mais positivamente do que as palavras que têm mais letras do lado esquerdo. O mais interessante é que esse efeito foi mais forte quando eles fizeram a mesma coisa com palavras que foram cunhadas após a invenção desse modelo de teclado. E mais forte ainda para termos típicos da internet como ttyl (talk to you later), brb (be right back) e lol (laughing out loud). O mesmo efeito foi encontrado também quando eles fizeram o mesmo teste com pseudo-palavras (palavras inventadas, tipo: pleek, pook, plake).

Obviamente não se pode tirar nenhum tipo de conclusão sobre a causa desse efeito a partir desse estudo somente. Os resultados sugerem que a valência das palavras tem uma correlação grande com a posição das letras no teclado do modelo QWERTY, o que supostamente pode afetar o significado que atribuímos às palavras, e que quando cunhamos palavras novas, a depender de onde a maioria das letras dessa palavra se encontram no teclado, elas terão sua valência modificada. Se isso é um resultado convincente ou não, eu não sei. A única coisa que eu sei é que o termo que eles utilizaram para nomear o efeito — QWERTY Effect — tem 12 letras: 11 do lado esquerdo e 1 do lado direito.

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Referência

Jasmin, K., & Casasanto, D. (2012). The QWERTY Effect: How typing shapes the meanings of words. Psychonomic Bulletin & Review DOI: 10.3758/s13423-012-0229-7

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Se você é forever alone, o Facebook não vai te ajudar.

Estima-se hoje que mais de 840 milhões de pessoas no mundo tenham uma conta ativa na rede social Facebook. Desse tanto de gente, mais de 50% posta pelo menos um status update por dia. Sem dúvidas, o Facebook é o site #1 em procrastinação (se bem que YouTube e 9GAG são competidores à altura).

Muita gente acha que o Facebook (ou qualquer rede social da mesma natureza) é um ótimo lugar para as pessoas tímidas se soltarem. É uma espécie de paraíso para os “forever-alone’s” da vida. É um ótimo lugar para pessoas que têm baixa auto-estima — o que cria uma enorme dificuldade em estabelecer relacionamentos interpessoais. Geralmente pessoas com baixa auto-estima não conseguem “se abrir” facilmente em relacionamentos não-virtuais. Mas por que isso acontece? Ora, a insegurança e o medo da reprovação são muito grandes, o que as tornam cada vez mais ansiosas, tímidas e introvertidas. Mas para algumas pessoas, o Facebook é o espaço onde elas podem se abrir e sofrer menos (ou de maneira diferente) reprovações e julgamentos.

Mas a pergunta mais interessante é: será que essa exposição no meio virtual traz algum benefício para as relações interpessoais (relacões não-virtuais)? Alguns terapeutas acham que sim. Acham que a chance de se abrir virtualmente ajuda a se abrir pessoalmente — o que é extremamente importante para qualquer desenvolvimento de intimidade. Mas será? Será que o Facebook cura o efeito forever-alone?

Amanda Forest e Joanne Wood (ambos da Universidade de Waterloo no Canadá) tentaram responder a essa pergunta. Mais especificamente, eles queriam saber se, de fato, (1) as pessoas que têm baixa auto-estima vêem o Facebook como um lugar seguro para se abrirem; (2) que tipo de coisas elas postam e (3) que tipo de resultado elas têm ao se abrirem no Facebook. Será que elas passam a receber mais atenção das outras pessoas?

Para responder à primeira pergunta, os pesquisadores mediram a auto-estima de um grupo de usuários do Facebook (eles utilizaram uma escala chamada Rosenberg Self-Esteem Scale) e mediram, através de um questionário, se eles viam ou não o Facebook como um local bom e seguro pra se exporem. Conforme era de se esperar, as pessoas com baixa auto-estima, de fato, acham o Facebook um lugar seguro para serem mais abertas. Mas que tipo de coisas eles postam? Para responder a essa pergunta, os pesquisadores pediram que os participantes fornecessem os últimos dez “status updates” da conta deles. Esses updates foram analisados por um grupo de codificadores (que não sabiam do propósito do estudo) em termos do seu grau de negatividade. Eles queriam saber se as pessoas de baixa auto-estima têm uma tendência maior a postar coisas do tipo “Nossa, meu dia foi uma merda” ao invém de “Hoje o dia está lindo“.

Os resultados mostraram que as pessoas com baixa auto-estima têm uma tendência muito maior para postar coisas negativas quando comparadas com as pessoas de auto-estima alta. Os pesquisadores pediram ainda que um grupo de estranhos lessem os updates e pressionassem (ou não) o botão “curtir”. De novo, como era de se esperar, os updates negativos receberam muito menos “eu curti” do que os outros mais positivos.

Apesar dos resultados serem bem plausíveis, é possível que as pessoas tenham “curtido” menos os updates negativos simplesmente por que se tratavam de pessoas desconhecidas. Pode ser que, ao ver um update negativo de alguém que você conhece, você vá se importar mais do que um update de uma pessoa que você não conhece. Para verificar essa possibilidade, os pesquisadores mediram o número de comentários e “curtidas” que os updates receberam dos amigos dos participantes. E o resultado foi: NÃO. Não adianta! Mesmo dos amigos, os updates negativos receberam menos atenção. O mais interessante foi notar que os updates negativos postados por pessoas com alta auto-estima receberam mais atenção do que os updates negativos de pessoas como baixa auto-estima. A idéia é que se você tem alta auto-estima (e publica coisas positivas com mais frequência) quando você publica algo negativo, as pessoas se preocupam. Mas se você têm auto-estima baixa e sempre publica coisas negativas, as pessoas simplesmente não ligam — pois é isso que esperam de você.

Por isso, se está se sentindo forever-alone, o Facebook não vai te ajudar! O ideal é que pare de postar coisas negativas.

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Referência:

Forest, A., & Wood, J. (2012). When Social Networking Is Not Working: Individuals With Low Self-Esteem Recognize but Do Not Reap the Benefits of Self-Disclosure on Facebook Psychological Science, 23 (3), 295-302 DOI: 10.1177/0956797611429709

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Pode retirar o filhote eqüino da perturbação pluviométrica: Escrever difícil não funciona!

Todo semestre, eu leciono a disciplina obrigatória Estatística e Métodos Experimentais para os alunos de graduação em Psicologia na Universidade do Texas. Como sempre, essa é a disciplina mais odiada pelos alunos: eles precisam não só aprender estatística, como precisam também aprender a escrever sobre os resultados dos experimentos que eles fazem.

Apesar de todo mundo achar que estatística é a parte mais difícil do curso, geralmente os alunos tiram essa parte de letra. O difícil mesmo é escrever. Acho curiosa essa idéia esquisita que todo mundo tem de que, escrever bem é escrever difícil. Ou melhor: escrever difícil é sinal de inteligência. Parte dessa idéia pode ser explicada pelo que L. Festinger chamou de dissonância cognitiva. Essa idéia funciona mais ou menos assim: lemos um texto que não entendemos p***** nenhuma. Nosso sistema cognitivo, para não ficar pra trás, vai logo buscar uma explicação para esse fato. E a explicação mais plausível é “oras, eu não entendi esse texto porque é um assunto muito complexo que EU não entendo mais a pessoa que escreveu entende“. Além disso, faz parte do nosso senso comum acreditar que pessoas inteligentes entendem coisas complexas.

Mas será que escrever difícil faz com que as pessoas pensem que você é mais inteligente? Danny Oppenheimer, psicólogo cognitivo na Universidade de Princeton, se fez a mesma pergunta e resolveu investiga-la empiricamente.

Nos Estados Unidos, para ingressar em um programa de Mestrado e/ou Doutorado, o candidato precisa escrever o que eles chamam de “personal statement“. É uma espécie de carta, curta e objetiva, em que o candidato deve convencer o comitê de admissão de que eles devem escolhe-lo. Para esse estudo, Danny selecionou uma série de personal statements de candidatos que foram aceitos em Princeton e retirou de cada um deles um excerto (uma passagem). Utilizando um algoritmo de substituição, Danny criou três níveis de complexidade para as passagens selecionadas: no nível simples, as passagens não foram alteradas. No nível médio, a cada três substantivos, verbos e ou advérbios, o algoritmo substituía a palavra por um sinônimo mais complexo. No nível complexo, todos os substantivos, verbos e adjetivos do texto foram substituídos por sinônimos mais complexos.

Danny pegou essas passagens e pediu aos participantes do estudo que as lessem e respondessem sobre (1) o nível de complexidade da passagem, (2) o quão inteligente eles achavam que a pessoa que escreveu era e (3) se eles aceitariam ou não a pessoa que escreveu para fazer Mestrado e/ou Doutorado em Princeton. Os resultados mostraram que os textos mais complexos foram, de fato, classificados como difíceis pelos participantes. No entanto, de acordo com os participantes, quanto mais complexo o texto, menos inteligente era a pessoa que escreveu. Além disso, quanto mais simples o texto, maior a probabilidade do autor ser aceito como aluno de Mestrado e/ou Doutorado.

Esses resultados sugerem que a estratégia de escrever difícil para parecer mais inteligente não funciona. Mas será por que? De onde vem isso? Existe um efeito muito robusto investigado pela Psicologia Cognitiva relacionado à fluência de processamento de informação. Vários estudos têm mostrado que informações de fácil processamento são percebidas mais positivamente, ao passo que uma dificuldade maior de processamento acarreta em julgamentos negativos relacionados à informação (ou à fonte da informação). Por exemplo, produtos que apresentam rótulo de difícil processamento são percebidos como sendo de qualidade inferior. Campanhas publicitárias que apresentam fontes que são difíceis de ler (ou que apresentam um contraste de cores que dificulta o processamento) acabam afetando negativamente a forma como percebemos o produto.

A mesma coisa parece estar acontecendo aqui. Quando lotamos nossos textos com palavras difíceis, estamos dificultado o processamento da informação contida no texto e, como consequência, as pessoas automaticamente criam uma percepção negativa com relação à qualidade do texto e ao escritor do texto. O importante é comunicar a informação sem complexidades desnecessárias. Fica aí a dica! 🙂

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Referência:

Oppenheimer, D. (2006). Consequences of erudite vernacular utilized irrespective of necessity: problems with using long words needlessly Applied Cognitive Psychology, 20 (2), 139-156 DOI: 10.1002/acp.1178

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Promoção: De R$ 250,00 por apenas R$ 99,90

Profissionais de marketing lidam o tempo todo com o comportamento e a cognição humana. Uma campanha publicitária de cerveja, por exemplo, tem como objetivo influenciar o sua decisão na hora de comprar uma cerveja. Ou seja, é uma tentativa direta de manipular sua cognição e o comportamento subsequente a ela. E todo mundo deve concordar que para influenciar a nossa cognição, é preciso pelo menos entender um pouco como ela funciona. Apesar de ser essa uma conclusão lógica (daquelas que a gente fala assim: “duuuh“), poucos profissionais de marketing conhecem sobre o funcionamento da nossa mente. E é aí que entra a Psicologia Cognitiva.

Você já percebeu que é muito comum ver lojas e empresas fazendo promoções onde eles reduzem o preço de certos produtos e serviços na tentativa de captar novos clientes (ex., cama de solteiro De R$ 250 por apenas R$ 99,90! Aproveite!)? Será que essa é uma boa estratégia a longo-prazo? A Psicologia Cognitiva sugere que não. Vamos ver o porquê. Em 2005, Baba Shiv (professor de Marketing na Universidade de Stanford), Ziv Carmon (professor de Marketing no INSEAD) e Dan Ariely (professor de Economia Comportamental no MIT) fizeram dois estudos interessantes para investigar se baixar o preço de algum produto influencia não só a percepção do consumidor com relação ao produto, mas o comportamento e as expectativas com relação ao produto.

No primeiro estudo, eles foram até uma academia e deram aos participantes uma bebida energética que serve para melhorar o condicionamento físico. Para um grupo de participantes, eles disseram que a bebida custou U$ 2,89. Para um outro grupo, eles disseram que a bebida custa U$ 2,89, mas que eles compraram a bebida com desconto e pagaram apenas U$ 0,89. Após consumir a bebida, os participantes malharam por 30 minutos e após a malhação responderam a um questionário que mediu (1) a intensidade com a qual eles malharam nos 30 minutos e (2) o quão cansados eles se sentiam depois dos 30 minutos de malhação. Os resultados mostraram que os participantes que beberam o energético que custou U$ 0,89 malharam com uma intensidade bem menor e se sentiram muito mais cansados do que os participantes que beberam o mesmo energético custando U$ 2,89.

No outro estudo, eles ofereceram aos participantes uma bebida que melhora a capacidade de raciocínio (uma espécie de energético para o cérebro). Dessa vez no entanto, os participantes tiveram que comprar a bebida. Um grupo pagou U$ 2,89 pela bebida e o outro grupo pagou apenas U$ 0,89 pois, para eles, a bebida estava em promoção. Após beberem o energético para o cérebro, os participantes tiveram que resolver vários problemas que exigiam o uso de raciocínio. Eles também responderam a um questionário que mediu o quanto eles achavam que a bebida tinha influenciado o resultado deles nas problemas. Assim como no primeiro estudo, o desconto no preço da bebida influenciou não só a percepção da eficácia do produto, como também a performance dos participantes nas tarefas de raciocínio: os participantes que beberam o energético de U$ 2,89 responderam mais perguntas corretamente e julgaram a bebida como super eficaz. Em contrapartida, os participantes que beberam o energético de U$ 0,89 se saíram bem pior nas tarefas de raciocínio e julgaram o produto como sendo significativamente menos eficaz.

Será por que isso acontece? Existe um efeito muito comum, explorado originalmente na área médica, que chamamos de efeito placebo. Em termos bem gerais, o efeito placebo é o efeito que advém das nossas expectativas com relação à um medicamento e/ou procedimento. Se temos a expectativa de que um procedimento irá funcionar para gerar um certo resultado, mesmo que o procedimento não tenha uma ligação direta/causal com o resultado, geralmente o resultado é produzido. Como consumidores, temos uma expectativa que produtos que custam menos dinheiro são de qualidade inferior e consequentemente menos eficazes. Esse tipo de associação/expectativa é implícita (inconsciente), sendo que, mesmo as pessoas que dizem que não acreditam ou não fazem isso, se comportam dessa maneira.

É por isso que é importante que profissionais de marketing conheçam como essas coisas funcionam. O que os estudos de Shiv, Carmon e Ariely sugerem, por exemplo, é que apesar de aumentar o poder de venda de um produto (pesquisas mostram que as pessoas sempre preferem pagar o menor preço, se outras variáveis forem constante), estratégias de redução de preço podem ser ruins a longo-prazo, uma vez que as pessoas podem criar uma expectativa ruim com relação ao produto e, além disso, o desconto pode influenciar diretamente na avaliação futura sobre a eficácia do produto por parte dos consumidores.

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Referência:

Shiv, B., Carmon, Z., & Ariely, D. (2005). Placebo Effects of Marketing Actions: Consumers May Get What They Pay For SSRN Electronic Journal DOI: 10.2139/ssrn.707541

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Você acha que é bonito ser feio?

Em 2011, a Universidade do Texas ficou no Top 20 no ranking das universidades americanas com as estudantes mais bonitas dos Estados Unidos. Um amigo meu logo me enviou um email dizendo: “ganhou na loto aí, hein negão!“. Infelizmente não! Quando o assunto é beleza, namoro e escolha de parceiros, o buraco cognitivo é mais fundo, e a coisa é bem mais complicada!

A beleza física é, sem sombra de dúvidas, um fator importantíssimo na escolha dos parceiros. É por isso que ninguém fala: “quero namorar aquele menino só por que ele é feio“. O que acontece é que, mesmo quando não percebemos, dando um peso grande à beleza física na hora de escolher com quem vamos namorar, ficar ou fazer sexo. Não é a toa que as pessoas bonitas são mais populares, namoram mais — ou pelo menos têm mais parceiros — e são mais escolhidas pelas outras pessoas. E se você parar e observar à sua volta, vai notar que pessoas bonitas geralmente namoram pessoas bonitas. Existe um tanto de explicação de porque isso acontece (a Psicologia Evolucionista adora explicar essas coisas), mas não vou falar disso hoje não. Quero falar um pouco sobre o que acontece com o outro lado: com os feios que acabam ficando com outros feios.

Em meados de 1957, um psicólogo nova-iorquino chamado Leon Festinger apresentou à comunidade científica o que ele chamou de Teoria da Dissonância Cognitiva. O que isso tem a ver com gente feia? Calma, eu explico! De acordo com Festinger, toda vez que engajamos em um comportamento que contradiz aquilo que cognitivamente deveríamos fazer, nosso sistema cognitivo vai “entrar em parafuso” e buscar compensar essa discrepância de alguma forma. Exemplo: imagine o André — um cara aí que escreve para um blog aí. O sistema cognitivo dele diz: André, você deve escolher uma menina bonita. Mas como as meninas bonitas já estão todas com os caras bonitos, o André acaba escolhendo uma menina mais-ou-menos (feia, mesmo). Eis uma discrepância: o sistema cognitivo diz menina bonita e o comportamento do André faz diferente. Uma coisa que o sistema cognitivo pode fazer para consertar essa dissonância é “se enganar” e começar a achar que a menina mais-ou-menos é na verdade bem bonita. Vários estudos em Psicologia mostraram esse efeito (um exemplo aqui). Mas será que isso acontece também com relação aos parceiros que escolhemos? Em outras palavras, será que as pessoas feias tendem a achar seus parceiros feios mais bonitos do que o que as outras pessoas acham?

Leonard Lee da Columbia University liderou um grupo de pesquisadores de várias outras instituições e fez um estudo bem bacana no site de relacionamentos HOTorNOT.com. Nesse site, as pessoas entram e votam (em uma escala de 1 a 10) o quão bonito(a)/gostoso(a) a foto de alguém é. E eles também podem enviar/receber solicitações de encontros. No total, eles investigaram 16.550 participantes (um oásis de dados). O primeiro resultado confirma aquilo que a gente já sabia: as pessoas mais bonitas tendem a escolher as pessoas mais bonitas. No entanto, as pessoas mais bonitas tendem a aceitar menos as solicitações de encontro que recebem. Em contrapartida, as pessoas tendem a escolher pessoas feias e aceitam mais solicitações de encontros.

Quanto à pergunta principal — se as pessoas feias veêm seus parceiros feios como mais bonitos — a resposta foi não. A percepção da beleza das pessoas feias pelas pessoas feias foi a mesma que a perceção da beleza das pessoas feias pelas pessoas bonitas. O que esse resultado sugere é que, nesse campo, as pessoas parecem não bucar compensar a dissonância cognitiva atribuída ao fato de terem escolhido uma pessoa feia como parceiro. E obviamente outros fatores devem estar contribuindo para o equilíbrio dessa dissonância cognitiva. No final das contas, não é nada bonito ser feio! 🙂

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Referência:

Lee L, Loewenstein G, Ariely D, Hong J, & Young J (2008). If I’m not hot, are you hot or not? Physical attractiveness evaluations and dating preferences as a function of one’s own attractiveness. Psychological science, 19 (7), 669-77 PMID: 18727782

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