Do you speak English, moço?!

tomatoDepois de muitos anos fora do Brasil, acredito que falo inglês com uma certa facilidade. Apesar de algumas pessoas falarem que não tenho sotaque estrangeiro muito forte, eu sei que tenho e que um espectrograma da minha fala revelaria facilmente esse aspecto. Mas isso não é problema. Inclusive, várias vertentes da Lingüística Teórica e Aplicada têm apontado para o fato de que a busca de um inglês sem sotaque estrangeiro por parte de um falante não-nativo da língua é algo utópico. Ademais, ter sotaque estrangeiro tem suas vantagens.

Mas nem tudo são flores. Vários estudos em Psicologia Social e Cognitiva apontam para algumas desvantagens de se ter sotaque estrangeiro. Em 2011, por exemplo, alguns pesquisadores da Universidade de Chicago nos Estados Unidos mostraram que falantes nativos de inglês acreditavam menos em pessoas que falam inglês com sotaque estrangeiro. Alguns outros estudos mostram que, a depender do sotaque regional que a pessoa apresenta, ela é mais propícia a ser acusada de um crime, ou de ser rejeitada em uma seleção para emprego.

Mas por que isso acontece? São várias as hipóteses. Uma delas é que o sotaque de alguém causa uma demanda cognitiva muito grande para ser processado, e essa demanda maior acaba causando uma sensação negativa que é espalhada para a imagem que formamos da pessoa como um todo (ou do julgamento que fazemos da informação fornecida por aquela pessoa). Uma outra hipótese é que o sotaque é um sinalizador do grupo ao qual a pessoa pertence. Ao perceber o sotaque, trazemos à tona tudo aquilo que conhecemos daquele grupo, e julgamos com base nessa percepção. Nesse caso, o problema não seria o sotaque em si, mas o que ele sinaliza e representa.

Seja qual for o real motivo, quando será que isso começa? A resposta nua e crua é: bem cedo. Vários estudos realizados por uma pesquisadora chamada Katharine Kinzler (também da Universidade de Chicago) apontam para o fato de que esse tipo de viés começa quando a criança ainda está bem novinha. Em um dos seus estudos, ela mostrou que bebês de 5 e 6 meses de idade já mostravam preferência por pessoas que falavam a sua língua nativa sem nenhum sotaque estrangeiro. Mas será que podemos mudar essa intolerância?

Uma hipótese seria que pessoas (incluindo crianças) que estão mais expostas a outras línguas, ou pessoas que falam mais de um idioma sejam mais tolerantes à presença de sotaque estrangeiro. Eu resolvi testar essa hipótese em um estudo que realizei em Montréal, no Canadá. Montréal foi um lugar perfeito para esse tipo de estudo uma vez que, apesar de ser uma cidade onde a língua oficial é o Francês, o número de crianças bilíngues (falantes de inglês e francês) é muito grande.

Nesse estudo, eu apresentava para as crianças (5 e 6 anos de idade) várias pessoas. Algumas com sotaque e outras sem sotaque estrangeiro. Daí eu perguntava para elas de quem que elas gostariam de ser amigas. As crianças foram testadas na sua língua dominante (inglês ou francês). A idéia era ver se o fato dessas crianças serem bilíngues diminuiria a percepção negativa que têm de pessoas que falam com sotaque (basicamente elas não teriam nenhuma preferência). No entanto não foi isso que achamos. Mesmo as crianças bilíngues mostraram uma preferência significativamente maior pelo falante que falava sua língua dominante sem nenhum sotaque estrangeiro.

Esse resultado (e os outros) sugerem que esse viés preferencial por pessoas e grupos que são mais parecidos com a gente é um viés forte e começa de fato muito cedo no nosso desenvolvimento. Percebemos isso em diversas áreas, não só na área da linguagem (por que vc acha que as pessoas que torcem para um mesmo time geralmente pensam parecido? Mesmo em áreas que não estão diretamente relacionadas ao time em questão?).

Assim, mesmo que a busca por um inglês sem sotaque estrangeiro seja algo pouco encorajado pela ciência lingüística, é importante saber que existem viéses que podem influenciar diretamente nossas interações sociais em língua estrangeira. Something to think about!

Não deixe de seguir o Cognando no Google+ e no Twitter. Se quiser ler o estudo na íntegra, clique aqui.

Publicado em Psicologia Cognitiva | Deixe um comentário

Já que não tem dinheiro, pelo menos aprenda a tocar violão.

jack_johnsonUm dia desses ouvi uma dessas piadas “sem graça”, mas que te fazem “rir por dentro”. Um amigo me perguntou se eu sabia qual era o esporte favorito das mulheres. Quando ele viu minha cara de “what the hell?“, ele logo respondeu: “o esporte favorito da mulherada é karatê: karatê carro, karatê dinheiro e karatê uma conta bancária recheada”. Claro que não ri (mentira… ri sim). E como um Nerd nato, fiquei pensando: “Não é que isso faz sentido!!!”

Vários estudos na área de psicologia evolucionista mostram que essa piada nem é tão sem fundamento assim. Em termos evolucionistas, as mulheres buscam não só garantir que seus filhos tenham bons genes (por isso gostam do cara bonitão), como também buscam garantir a sobrevivência das suas crias. Em termos práticos, elas buscam parceiros que podem, de alguma forma, sustentar e proporcionar um bem-estar para seus filhos. Por isso preferem parceiros que demonstram um certo tipo de superioridade em termos de seu status físico, intelectual e financeiro. Um estudo realizado em 2012, por exemplo, mostrou que mulheres davam seu número de telefone para um estranho, somente se esse estranho tivesse saído de um carro que custa caro. Se o mesmo estranho tivesse saído de um carro barato, as mulheres não davam o telefone pra ele.

Agora, se você é do tipo de cara que não tem dinheiro, aprenda a tocar violão. Oi? Isso mesmo. Um estudo recente sugere que mulheres têm uma preferência maior por homens que demonstram ter algum tipo de habilidade musical. Nesse estudo, Nicolas Guéguen e outros dois pesquisadores na França colocaram um cara de 20 anos de idade na rua para pedir o número de telefone de mulheres. A manipulação que eles fizeram foi a seguinte: em um dia, o cara pedia o telefone das garotas e não tinha nada nas mãos. No outro dia, ele carregava uma mochila esportiva. No terceiro dia, ele trazia nas costas o seu violão.

Os resultados mostraram que um percentual significativamente alto de mulheres deram o telefone para o cara apenas quando ele estava com o seu violão. O mesmo não ocorreu quando ele estava com uma mochila esportiva ou com as mãos abanando.

Agora, por que isso acontece? Uma explicação possível é de que as mulheres percebem a habilidade musical como um indício forte de que aquela pessoa possui também uma habilidade física e intelectual grande, o que por sua vez seria indício de que essa pessoa tem uma probabilidade grande de ser bem sucedido pessoal e profissionalmente. Vários outros estudam mostram que mulheres associam a habilidade musical de homens com altos níveis de esforço de trabalho, esforço cognitivo e até mesmo maior habilidade com números (um ponto importante no mundo financeiro).

Fica então a dica do Cognando para 2014: aprenda a tocar violão, piano ou algum tipo de instrumento musical. Quem sabe assim a mulherada não demonstra por você o mesmo amor (pra não dizer tesão) que têm pelo Jack Johnson?

O Cognando deseja a todos um 2014 repleto de ciência, conhecimento e muita música! 🙂

Publicado em Psicologia Cognitiva | 8 Comentários

Mulher é um bicho complicado… Ainda mais quando está ovulando!

women“Mulher é muito complicada!” Todo mundo já ouviu essa frase pelo menos uma vez na vida. E mulher é complicada mesmo! Uma hora ela quer uma coisa. Dois dias depois, já quer outra completamente diferente. Tem dia que gosta de caras mais velhos. Outro dia gosta de caras mais novos. Um dia quer encontrar alguém pra casar. No outro dia só quer sair pra beijar na boca. É muito difícil!

Pesquisas mostram que essas mudanças no comportamento da mulher estão ligadas ao seu ciclo menstrual. Mais especificamente, as mulheres inconscientemente alteram o comportamento delas com relação aos homens quando estão no período fértil. Geralmente quando estão ovulando, as mulheres prestam mais atenção nos homens, demostram um maior interesse em encontros casuais, preferem vestir roupas mais ousadas e aceitam mais as famosas “cantadas de pedreiro”. E não só isso. Várias pesquisas mostram que as preferências pelo tipo de homem que as atraem também mudam durante o período fértil. Em geral, mulheres no período de ovulação preferem homens mais fisicamente atraentes, dominadores, com traços mais masculinos e simétricos. Elas também preferem relações mais casuais (o famoso one-night stand) e, no caso de mulheres casadas ou com compromisso sério, estudos mostram que se o parceiro delas não têm essas características (atraente, traços masculinos, dominador, etc.), elas demonstram mais fantasias sexuais com outros homens que têm essas características.

Mas por que isso acontece? A ideia é que durante o período fértil, as pressões evolucionistas parecem falar mais alto. O objetivo reprodutivo da mulher é encontrar um parceiro que seja capaz de trazer benefícios genéticos para o seu filho. Assim, ela fica mais atenta aos homens que mostram fenotipicamente esse tipo de benefício.

O que é interessante notar, no entanto, é que os homens também mudam as atitudes deles com relação às mulheres quando elas estão no período fértil. Oi? Isso mesmo. Às vezes nem mesmo a mulher sabe que está no período fértil (o ciclo ovulatório da mulher dura em média 28 dias, onde o período fértil é de apenas alguns dias), mas ainda assim, o homem acaba agindo diferente com a mulher. Um estudo feito em 2007, por exemplo, mostrou que homens que vão à stripclubs pagam 49% a mais para dançarinas que estão no período fértil. Mas como isso acontece?

A hipótese é que, na verdade, a mulher acaba dando mais pistas de que está a fim quando ela está no período fértil. Stephanie Cantú (Universidade de Minnesota) e uma equipe de outros cinco psicólogos fizeram um estudo bem legal para mostrar isso. Eles colocaram 31 mulheres para encontrar com homens atraentes, dominadores, mas do tipo “cafajeste” e homens não tão atraentes, pouco dominadores, mas do tipo “bonzinho”. Basicamente um homem “ideal” para uma relacão sexual casual e um homen “ideal” para um relacionamento mais sério e duradouro. Essas mulheres participaram do experimento quando estavam no período de alta fertilidade e no período de baixa fertilidade.

Os resultados mostraram que as mulheres mostraram mais comportamentos de paquera (sorriso para o homem, conversinha fiada e casual, referências à aparência ou referências sexuais) quando estavam no período fértil. E mais ainda. Só demonstraram esse tipo de comportamento em relação aos homens do tipo cafajeste, ou seja, elas se mostraram mais saidinhas para os homens mais atraentes e dominadores, mesmo que esses não fossem ideais para relacionamentos duradouros. Os homens bonzinhos não receberam muita atenção das mulheres no período fértil.

No final das contas, mulheres são complicadas mesmo. Mas pelo menos podemos tentar entender um pouco desse comportamento complicado se entendermos um pouco do que está por trás da cognição e das suas motivações. Principalmente se estiverem ovulando! 🙂

Não deixe de seguir o Cognando no Google+ e no Twitter.

Publicado em Psicologia Cognitiva | 1 Comentário

Ela tem 16 anos e ele… 35. Wait… What??

old_youngO que você faria na seguinte situação? Sua filha, 19 anos de idade, chega pra você e diz que está namorando. Ela diz que está super feliz e que tem até planos de um relacionamento mais sério e duradouro. Você, obviamente, fica feliz pela sua filha, mas logo pergunta quem é o cara. Ela então diz que ele é um professor da faculdade onde ela estuda. O namorado tem 32 anos de idade.

Esse tipo de situação é mais comum do que a gente imagina. Relacionamentos em que há uma grande diferença de idade entre os parceiros é comum até mesmo entre pessoas famosas (e.g. Woody Allen, Michael Douglas). A internet está cheia de “dicas” de como se comportar em um relacionamento onde o cara é mais velho que você, ou como abordar uma garota mais nova.

Mas por que isso é tão comum? Será mesmo verdade que mulheres preferem homens mais velhos, e que homens preferem menininhas mais novas? Se sim, por que? Obviamente o mundo está cheio de achismos sobre isso. Fala-se que mulheres preferem homens mais velhos porque eles são mais maduros, mais carinhos e mais cuidadosos. Em contra-partida, homens preferem mulheres mais novas porque elas são mais ingênuas e fáceis de controlar. Para a Psicologia, existem outros tipos de explicações. Para a Psicologia Evolucionista, por exemplo, homens têm uma tendência a gostar de mulheres mais novas pois elas oferecem uma vantagem em termos reprodutivos: mulheres mais novas aumentam a probabilidade de que seus genes passarão à gerações futuras. Já a mulher sofre uma pressão evolutiva diferente. Como elas têm uma vida reprodutiva mais curta, ter vários parceiros reduz a probabilidade de uma reprodução bem sucedida. Além disso, durante a gravidez e durante a criação da criança, a mulher precisa de recursos que, geralmente, são fornecidos por um parceiro comprometido e bem sucedido. Em termos evolucionistas, um homem mais velho tem uma probabilidade maior de ser bem-sucedido e de ser capaz de fornecer tais recursos.

Não é a toa que pesquisas mostram que homens de 20 e poucos anos de idade preferem namorar mulheres de entre 15 e 25 anos. Quando estão nos seus 40 anos, eles preferem mulheres entre 25 e 39, e quando passam dos 60, preferem mulheres entre 45 e 50 anos. Já as mulheres de 20 e poucos anos preferem homens entre 20 e 32 anos. Com 40 anos, mulheres preferem homens entre 35 e 55, e preferem homens de 60 a 70 anos quando estão nos seus 60 anos.

Mas mesmo fazendo sentindo em termos evolucionistas, as pessoas parecem ainda não aceitar muito bem relacionamentos onde há uma diferença grande de idade. Sempre que uma menininha de 16 anos diz algo do tipo: “estou namorando com um carinha de 27 anos“, a nossa primeira reação é de estranhamento. E as opiniões são geralmente bem parecidas: “o relacionamento não vai durar“, “ele só quer te comer“, “você não tem maturidade“, etc.

Um estudo publicado em 2001 por dois pesquisadores da Universidade de Manchester, na Inglaterra, mostrou exatamente isso: apesar de fazer um certo sentido em termos evolucionistas, as pessoas ainda não aceitam relacionamentos em que há uma diferença grande de idade. Nesse estudo, eles pediram aos participantes que lessem algumas histórias de casais com uma certa diferença de idade. A diferença variou de 5 a 50 anos de diferença. As histórias também variaram em termos de quem era mais velho no relacionamento: o homem ou a mulher.

O resultado mostrou que, em geral, o nível de aceitabilidade de relacionamentos dessa natureza é muito baixo. E essa aceitabilidade cai significativamente de acordo que a diferença de idade aumenta. O estudo também mostrou que as pessoas tendem a pensar que esses casais não são felizes. O principal motivo para a falta de felicidade é que eles não teriam muita coisa em comum. Para os participantes, quanto maior a diferença de idade, menos coisas em comum o casal tem e, consequentemente, menos felizes eles serão. O estudo também mostrou (o que para alguns pode parecer contra-intuitivo) que as pessoas aceitam muito mais um casal com uma diferença grande de idade onde o homem é mais velho do que um casal em que a mulher é mais velha. Em outras palavras, se o João tem 35 e a Maria tem 18, esse casal tem uma aceitabilidade social maior do que se a Maria tivesse 35 e o João 18. Segundo os pesquisadores, esse fenômeno está relacionado com o que chamamos de incest-avoidance mechanism: uma espécie de predisposição que temos para evitar situações de incesto. Um relacionamento onde a mulher é mais velha é psicologicamente mais próxima da noção de incesto do que o contrário. Bom, pelo menos essa é a explicação deles!

Apesar de essas percepções negativas terem um efeito social ruim em relacionamentos dessa natureza (i.e., muita gente dando palpite errado na sua vida), é importante notar que o bem estar de um casal depende muito mais de como eles lidam com conflitos e o nível de respeito entre eles do que qualquer outra coisa. É óbvio que saber das limitações, vantagens e desvantagens de se relacionar com uma pessoa mais velha ou mais nova que você é importante, mas não é uma boa ideia deixar o relacionamento se guiar apenas pela opinião geral que as pessoas têm sobre o assunto.

E… se não estiver muito ocupado querendo conquistar a gostosa do 103, ou se não estiver aí lendo sobre como conquistar o tiozão do 412, siga o Cognando no Twitter, Facebook e no Google+

Referência:
Banks, Collete, & Arnold, Paul (2001). Opinions Towards Sexual Partners with a Large Age Difference Marriage & Family Review, 33 (4), 5-18 DOI: 10.1300/J002v33n04_02

Publicado em Psicologia Cognitiva | 9 Comentários

Ah não! “Cura gay” é o fim da PICAda (pun intended)

not_gayImagine que seu filho esteja passando muito mal! Vomitando sem parar, febre alta e fraqueza no corpo. Pra onde você deve seu filho? Duuuh! Hospital! Por que? Porque lá está cheio de experts em saúde (i.e., médicos e enfermeiros) e eles certamente irão saber o que fazer com relação à situação do seu filho.

Expertise é uma característica importante. Nós confiamos em experts quando o assunto é algo que não dominamos bem. Contamos com a ajuda de experts até mesmo quando o assunto é uma coisa que não acreditamos muito. Por exemplo, em um estudo que publiquei em 2011 na revista Religion, Brain and Behavior, mostrei que até mesmo quando se trata de um trabalho executado por um pai-de-santo, levamos em consideração a expertise da pessoa e não simplesmente a opinião de uma maioria que não entende bem do assunto. Existem várias vantagens em recorrer a experts quando precisamos de ajuda ou opinião. Nos poupa tempo e até salva vidas (imagine se você tivesse que aprender tudo sobre medicina para ajudar seu filho…). Em outras palavras, pedir ajuda/opinião de especialistas é algo bom e desejável. Não precisamos saber tudo o tempo todo.

Imagine agora uma outra situação. Aliás, imagine não! Recorde. Em 2011, o deputado federal João Campos de Araújo do PSDB de Góias escreveu um Projeto de Decreto Legislativo (PDC 234/2011) que suspende dois trechos da resolução do Conselho Federal de Psicologia (de 1999). É a tal da “cura gay” (para saber exatamente o que é o projeto e o que ele significa para a prática psicológica, confira o blog  Psicológico do colega Felipe Epaminondas). Em outras palavras, um deputado federal que não é psicólogo propõe um projeto que interfere de maneira direta na prática do profissional de psicologia.

Ok. Tudo bem. Ainda bem que para esses projetos, existem revisores, que são pessoas que lêem o projeto e dão um parecer (opinião) sobre o que é plausível e coerente no projeto. O revisor do projeto foi o deputado federal Anderson Ferreira do PR de Pernambuco. Anderson Ferreira também não é psicólogo. Mas deu um parecer favorável ao projeto. Segundo ele, “a Psicologia é uma disciplina em constante evolução e tem diversas correntes teóricas, sendo difícil determinar procedimentos corretos ou não, metodologias de trabalho apropriadas ou não“. Enfim! Que tal consultar experts no assunto? Consultaram. Os profissionais do Conselho Federal de Psicologia não só não apoiaram o projeto como também lançaram uma campanha contra a sua aprovação. De nada adiantou!

Deixa eu fazer uma analogia pra história mais clara: imagine que seu filho ainda esteja passando mal e um amigo seu advogado diz pra você dar suco de laranja pra ele beber que tudo vai ficar bem. Mesmo assim, você resolve consultar um médico. Ele examina seu filho e diz que ele precisa ser hospitalizado para fazer alguns exames. Então você simplesmente ignora a opinião do médico e dá o suco de laranja pro seu filho beber e pronto. Mais ou menos isso que aconteceu.

O que mais me surpreende é que esse é um padrão recorrente na formulação das leis que são propostas no nosso país. Desde leis que proíbem estrangeirismos na língua portuguesa, até leis que obrigam aulas de direção durante a noite para que o condutor aprenda a dirigir melhor a noite. São raros os casos em que a opinião do profissional, expert no assunto, é levada em consideração na formulação das propostas de leis. É óbvio que mesmo entre os profissionais haverá divergência de opiniões. O besta do Silas Malafaia por exemplo, que também é psicólogo, certamente seria a favor do projeto de decreto do deputado João Campos. Mas é exatamente por isso que existem conselhos e organizações profissionais. Eles são responsáveis pela garantia e manutenção de práticas que são consensuais entre os profissionais. Um médico que acha que gripe deve ser curada com tapas na cara certamente não terá o apóio da maioria dos médicos e, consequentemente, terá que se adequar ao regulamento do Conselho Federal de Medicina.

Em parte do seu parecer, o deputado federal Anderson Ferreira diz que o projeto “constitui direito do paciente buscar aquele tipo de atendimento que satisfaz seus anseios“. O que o deputado parece não entender é que o profissional é o psicólogo e não o paciente. O paciente não pode exigir que psicólogo trate a homossexualidade do seu filho como se fosse uma doença. Eu não vou chegar no consultório do meu médico e dizer: “olha doutor, estou com um sangramento no nariz, mas não quero que esse sangramento seja tratado como uma enfermidade. Por favor, trate meu sangramento como uma manifestação divina.” Não é bem assim que a coisa funciona.

É bem verdade que ainda existe muita coisa que precisamos entender sobre homossexualidade sob um ponto de vista científico. E estamos caminhando bem nessa direção. E todo profissional sério deve expor isso ao paciente. Se a mãe do Joãozinho chega no consultório chorando por que o Joãozinho é gay e ela quer a cura, o papel do profissional é auxilia-la na compreensão de que esse ainda é um assunto/fenômeno complexo e que não há evidências que corroborem qualquer tipo de tratamento da homossexualidade como se fosse um distúrbio ou doença. E mesmo aqueles psicólogos que acham que homossexualidade é um distúrbio, enquanto isso não for consenso entre os profissionais, ele deverá sim agir de acordo com o conselho que rege a profissão. Se não quiser, que vá praticar outra coisa que não seja psicologia.

Se o projeto de decreto é, como diz o outro besta Marco Feliciano, “um projeto [que] protege o profissional de psicologia quando procurado por alguém com angústia sobre sua sexualidade“, então o mínimo que ele deve exigir como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, é que os profissionais de psicologia participem de forma mais ativa na discussão do projeto.

Siga o Cognando no Twitter, Facebook e Google+

Publicado em Psicologia Cognitiva | 2 Comentários

Peraí! Só vou checar meu Facebook rapidinho!

multitaskingViva a tecnologia e o acesso a ela! Basta entrar em uma sala de aula de alguma universidade para ver uma porção de laptops, tablets, smartphones e dumbphones. É a tecnologia em favor da educação! Certo?! Hmmm! Vamos pensar um pouco!

Esse acesso fácil e cotidiano à informação e/ou tecnologia é um convite quase que irrecusável a uma prática bem comum e controversa: multitasking (ou, em português bem claro: fazer um tanto de coisa ao mesmo tempo). O aluno entra na sala de aula e (1) segue a aula, (2) checa o Twitter, (3) posta no Facebook “Aula de Estatística: que porre!“, (4) responde o e-mail da amiga que brigou com o namorado e (5) envia uma mensagem de texto pro (ex)-namorado da amiga perguntando se ele estará livre no Sábado (e aproveita para postar no Twitter “Homem é tudo igual!! #MasEuGostoAssim“. Tudo isso, provavelmente nos primeiros 20 minutos de aula. Há quem diga que a geração de hoje sabe como multitask. Alguns acreditam que como essa geração cresceu exposta à várias mídias, a prática de engajar em multitarefas não traz nenhum problema.

Bom, vamos começar do começo: sob o ponto de vista cognitivo, não existe multitasking (bom, existe mais ou menos… continue lendo). Sempre que fazemos mais de uma coisa ao mesmo tempo, o que na verdade estamos fazendo é uma série de ações alternadas, e como geralmente alternamos de maneira muito rápida, temos a sensação de que estamos fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. Multitasking pode sim ocorrer quando as tarefas envolvidas não requerem o uso das mesmas regiões cerebrais (por exemplo, ouvir música e limpar a casa). Ainda assim, o nosso cérebro registra e processa informações de uma maneira diferente (em outras palavras, se você estivesse limpando a casa ou ouvindo música, seu cérebro processaria essas informações de maneira distinta do que ele processa quando você faz essas duas coisas ao mesmo tempo). Mas quando se trata de tarefas que utilizam as mesmas partes do cérebro de maneira intensa, aí f*** tudo!

Quando estamos interagindo com nossos amiguinhos pelas mídias sociais, utilizamos o nosso córtex frontal, responsável, dentre outros, pelo raciocínio e aprendizado. Coincidentemente(!), essa é a mesma região que precisamos para aprender alguma coisa. É a região do cérebro que mais utilizamos quando estamos em situação de aprendizado formal (a.k.a. sala de aula). Ocupar essa região com outras tarefas durante o aprendizado, vai obviamente atrapalhar o aprendizado. Muita gente acredita que ter memória boa é ser capaz de lembrar de muita coisa. Acontece que, o que caracteriza essa capacidade de lembrar é a maneira como “guardamos” a informação. E isso ocorre na hora do aprendizado, e não depois. Dessa forma, multitasking tem um impacto negativo muito forte na maneira como registramos a informação que aprendemos.

Em 2011, o professor e psicólogo Larry Rosen (Universidade Estadual da Califórnia) fez um estudo onde ele pediu que um grupo de alunos assistisse uma aula durante 30 minutos. Nesse período, Larry enviou várias mensagens de textos para os celulares dos alunos. Para um grupo de alunos, ele enviou 0 mensagens. Para um outro grupo, ele enviou 4 mensagens. Para um terceiro grupo, ele enviou 8 mensagens. Depois da aula, Larry aplicou um teste sobre o conteúdo da aula. O grupo que recebeu 8 mensagens teve uma performance pior no teste em comparação com o grupo que não recebeu nenhuma mensagem. E dentre os que receberam mensagens, aqueles que demoraram mais para responder as mensagens tiveram uma nota um pouco melhor do que aqueles que responderam logo que as receberam. O mais interessante, no entanto, foi que 40% dos participantes tinham uma opinião favorável à prática de responder mensagens de texto durante a aula. Para eles, essa prática é comum e não afeta o desempenho.

Mas e se o cara for inteligente? Daí não tem problema, né? Médio. Uma das principais formas de medir inteligência (já que QI é uma medida terrível de inteligência) é através da capacidade que alguém tem de extender o conhecimento adquirido em uma área para outras áreas do conhecimento. Essa capacidade é indício forte de compreensão profunda sobre algum tópico. Essa habilidade está relacionada ao sucesso acadêmico e profissional. O que tem acontecido com a geração que gosta de fazer muita coisa ao mesmo tempo durante a aula, é que o conhecimento que adquirem é por vezes mais superficial, de maneira que não conseguem aplicar o conhecimento em outras áreas. Um estudo publicado em 2006 mostra exatamente isso. Karin Foerde, Barbara Knowlton (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e Russ Poldrack (Universidade do Texas em Austin) mostraram que mesmo demostrando uma memória boa para certos conhecimentos, pessoas que multitask têm uma dificuldade maior em aplicar o conhecimento em outras áreas. De uma maneira geral, multitasking pode sim afetar sua inteligência.

O ideal (dica) é criar blocos de atividades. Quando estiver em uma aula e/ou reunião, desligue as notificações do celular/laptop/tablet. Quando estiver estudando em casa ou na biblioteca, desligue as notificações por 15-20 minutos e dedique esse tempo ao estudo/leitura. Faça uma pausa para se atualizar das notícias das redes sociais e volte ao trabalho, dedicando outro bloco de tempo somente a ele. Assim, você vai não só otimizar o seu tempo, como vai perceber que vai aprender muito mais!

E se não estiver estudando ou na sala de aula agora, abre aí o Twitter, o Facebook e o Google+ e comece a seguir o Cognando. 🙂

Referência:

Larry D., R., Alex F., L., L. Mark, C., & Nancy A., C. (2011). An Empirical Examination of the Educational Impact of Text Message-Induced Task Switching in the Classroom: Educational Implications and Strategies to Enhance Learning Revista de Psicología Educativa, 17 (2), 163-177 DOI: 10.5093/ed2011v17n2a4

Publicado em Psicologia Cognitiva | 13 Comentários

Quem ganha o brasileirão esse ano?

Campeonato Brasileiro 2012 serie " A "Eu sou de Belo Horizonte! E pelas bandas de lá, a “briga” entre atleticanos e cruzeirenses é acirrada. O que eu acho mais fascinante nessa disputa são as estatísticas que os torcedores usam para tirar onda com a cara um do outro. Principalmente em dia de clássico. Você escuta coisas do tipo “em toda a história dos clássicos, o Atlético venceu X partidas e o Cruzeiro só Y“, ou coisas do tipo “o Cruzeiro tem X títulos enquanto o Galo só tem Y“. No entanto, na vida real, a coisa é diferente. Na verdade, qualquer que seja a estatística, nunca vamos saber antes da partida quem vencerá um clássico. E isso ocorre por que, apesar de o resultado de uma partida ser, para nós, uma ocorrência probabilística, a nossa mente opera de maneira estocástica, ou seja, ela seleciona uma parte aleatória das memórias que temos e baseia a nossa decisão nessas memórias. Em outras palavras, utilizamos um grupo pequeno de memórias relevantes (ex.: quantos títulos o Galo tem, ou quantos gols o Bernard já marcou em clássicos) para decidir quem achamos que vai vencer o clássico. No final das contas, é impossível saber com certeza. Mas como podemos pelo menos melhorar nas nossas previsões? Como podemos acertar mais vezes quem vai vencer o clássico?

Uma pesquisa recente publicada no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) parece ter a resposta: basta basear sua decisão em um mundo ideal. Gyslain Giguère, do Departamento de Psicologia da Universidade de Montréal e Brad Love, do Departamento de Ciências Perceptuais, Cognitivas e do Cérebro da Universidade College London, fizeram um estudo onde os participantes tinham que prever o vencedor de várias partidas de Liga Nacional de Beisebol dos Estados Unidos. No entanto, antes de darem o palpite, esses participantes foram “treinados” com base em resultados (estatísticas) passados. Para metade dos participantes, os pesquisadores forneceram dados reais, ou seja, dados em que o “melhor time” ganhou algumas partidas, mas também perdeu algumas partidas. Para a outra metade dos participantes, os pesquisadores manipularam os resultados de maneira que o melhor time da liga sempre vencia as partidas. Quando os pesquisadores compararam qual grupo acertou mais quando tinham que adivinhar que time venceria uma partida, o grupo que recebeu treinamento com dados “ideais” teve uma performance significativamente melhor do que o grupo que foi treinado com dados reais.

Mas por que isso acontece? Basicamente, os dados reais (com o melhor time vencendo algumas partidas e perdendo outras) traz muitos ruídos, e esse ruídos acabam fazendo parte da nossa memória. E quando selecionamos aleatoriamente memórias para tomar uma decisão (ex.: quem vai vencer a partida), esses ruídos acabam sendo selecionados e influencia a nossa tomada de decisão. É isso que acontece quando, mesmo jogando contra um time inferior, nós sempre temos uma pontinha de medo de que o nosso time vai perder. Essa pontinha de medo é causada por esse ruído dos dados reais. E esse medo é ainda mais forte caso a memória em que o time inferior vence o nosso time é uma memória recente.

Mas alguém pode dizer: “uai, é óbvio que o grupo que viu as estatísticas manipuladas vai ser melhor, pois eles têm dados mais limpos“. Acontece que, estatísticamente falando, o grupo que viu as estatísticas reais teria, em termos probabilísticos, uma visão mais correta da realidade (eles seria capazes de dizer, por exemplo, a probabilidade de um time pequeno ganhar uma partida). No entanto, é o uso que a nossa cognição/memória faz dessa estatística que está em jogo. É a maneira como a nossa mente registra esses ruídos e como eles atrapalham o nosso processo de tomada de decisões.

Para quem trabalha com decisões e incerteza o tempo todo (radiólogos, analistas de inteligência, agentes de segurança, etc), treinar a mente com dados ideais pode ser uma boa estratégia para evitar que ruídos da memória atrapalhem o processo de tomada de decisão (basicamente, eles vão acertar mais vezes). Para o resto de nós (ou melhor: alguns de nós), reles mortais torcedores do Galãooo da Massa, nos resta imaginar um mundo em que o Galo ganha tudo. Daí tudo fica azul… ou melhor, tudo fica bom!

Não deixe de seguir o Cognando no Facebook, Twitter e Google+. Cruzeirense também é bem vindo! Corinthiano eu tenho que pensar!!! 🙂

Referência:

Giguère G, & Love BC (2013). Limits in decision making arise from limits in memory retrieval. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America PMID: 23610402

Publicado em Psicologia Cognitiva | 7 Comentários

Por que acreditamos (ou não) em Deus?

God-thinkingAlguns dias atrás, a revista Prospect da Inglaterra publicou o resultado de uma pesquisa que elegeu os maiores pensadores do mundo. No topo da lista está o biólogo e professor da Universidade de Oxford, Richard Dawkins. Dawkins é popularmente conhecido pela sua posição contrária e extremista com relação ao teísmo e/ou crenças em seres sobrenaturais. Existe muita gente que acredita em Deus. E isso irrita um pouco o Dawkins. No entanto, para a surpresa de muitos, existe muita gente no mundo que não acredita em Deus. Tal variedade, obviamente, sempre despertou o interesse de cientistas cognitivos (incluindo eu) que buscam entender o que há de cognitivo na crença em Deus (ou na falta dela).

Uma das propostas mais convincentes até o momento diz respeito ao que chamamos na Psicologia Cognitiva de estilos cognitivos (cognitive styles ou modes of thinking). Em termos gerais, temos dois sistemas de pensamento: um sistema que chamamos de analítico e um outro sistema que chamamos de intuitivo. O sistema analítico geralmente requer o uso de mais recursos cognitivos, demanda mais tempo de processamento e é associado a uma análise criteriosa do problema em questão. Já o sistema intuitivo está relacionado a respostas mais rápidas e que demandam menos uso de recursos cognitivos. Todos nós utilizamos os dois sistemas de maneira cotidiana. Eles não são mutualmente exclusivos e tampouco associados com inteligência ou falta dela.

No entanto, pesquisas têm apontado que a crença em Deus ou em outros seres sobrenaturais está associada ao sistema intuitivo da nossa cognição (veja essa postagem do Cognando). Muitos desses estudos, na verdade, são estudos de caráter correlacional, ou seja, não há como fazer nenhum tipo de inferência causal. Um estudo publicado recentemente na revista Science buscou preencher essa lacuna. Em uma série de experimentos, Will Gervais e Ara Norenzayan mostraram que é possível inferir que um modo de pensamento mais analítico causa uma descrença religiosa.

No estudo, os participantes responderam a uma medida de religiosidade após serem induzidos a pensar de forma mais ou menos analítica. Em um dos experimentos, os participantes foram expostos a obras de arte mostrando pessoas pensando (ex.: O Pensador) ou obras mostrando outros tipos de atividade (ex.: O Discóbolo de Myron). As pessoas expostas às obras de pessoas pensando (supostamente induzindo um modo mais analítico de pensar) mostraram uma crença religiosa significativamente menor em comparação ao outro grupo de pessoas expostas às obras neutras.

Para induzir um modo de pensamento analítico de maneira mais direta, os pesquisadores utilizaram um fenômeno já bastante conhecido na Psicologia Cognitiva, chamado de fluência de processamento. Esse princípio postula que informações difíceis de serem processadas (tipo um texto cinza claro em um fundo branco), induzem um modo de pensamento mais analítico. Assim, a medida de religiosidade foi impressa em fontes fáceis de serem lidas e em fontes difíceis de serem lidas. O resultado mostrou que o grupo de pessoas que recebeu a medida de religiosidade impressa em uma fonte difícil de ser lida demonstrou uma crença religiosa significativamente menor do que o grupo que recebeu a mesma medida impressa em uma fonte fácil de ler. E esse efeito ocorreu mesmo após o controle de outras variáveis tais como inteligência e afiliação religiosa.

O que isso quer dizer? Em termos gerais, isso quer dizer que, dentre os vários fatores que causam a descrença em Deus e em outros seres sobrenaturais, o estilo cognitivo é um deles. Pensar de maneira mais analítica parece deixar pouco espaço para crenças religiosas. Basta saber até que ponto esse efeito é pervasivo em culturas que apresentam vários níveis de religiosidade, organizamos de maneira complexa. O primeiro passo está dado.

Depois de alguns meses parado, o Cognando volta à ativa! Sigam as postagens do Cognando no Google+, Twitter e no Facebook. Clica lá, gente!!!! 🙂

Referência:
Gervais WM, & Norenzayan A (2012). Analytic thinking promotes religious disbelief. Science (New York, N.Y.), 336 (6080), 493-6 PMID: 22539725

Publicado em Psicologia Cognitiva | 10 Comentários

ψ[n]→[m-1]+φ(j)=φ(j+1): O modelo matemático da nossa cognição

Stat_NormalDistEu gosto muito de Matemática. Sempre gostei! Eu lembro que quando eu era bem novinho, eu via meu irmão mais velho resolvendo equações com raíz quadrada e achava chique demais! Eu era louco para aprender raíz quadrada só para parecer inteligente! Engraçado, né? Mais ou menos. É muito comum, até hoje, as pessoas associarem conhecimento matemático com inteligência. Einsten era inteligente por que sabia um monte de fórmulas complicadas. Michio Kaku é considerado inteligentíssimo por que sabe “de cor” as equações de J.C. Maxwell sobre eletromagnetismo. Meus alunos acham um máximo quando eu escrevo no quadro a função de densidade da distribuição normal sem consultar minhas notas de aula. Mas será que é isso mesmo?

Um estudo recente publicado no periódico Judgment and Decision Making relata o resultado de um experimento bem legal que foi montado para ver se esse efeito (de achar que matemática é um máximo) acontece com todo mundo ou apenas com pessoas que geralmente não tem um conhecimento matemático muito sofisticado.

O pesquisador (Kimmo Eriksson) pediu para 200 profissionais (com Mestrados e Doutorados em diversas áreas do conhecimento, incluindo medicina, matemática, engenharias, ciências humanas, etc) para ler um resumo de uma pesquisa feita na área de antropologia e avaliar a qualidade da pesquisa apresentada no resumo. Para metade dos participantes, Eriksson incluiu a seguinte frase:

Screen Shot 2013-01-03 at 11.37.04 PM

Essa frase faz menção a um modelo matemático que explica efeitos de sequência (efeitos muito comuns em experimentos com tempo de reação, mas completamente alheios à pesquisa apresentada). O resultado mostrou que para os profissionais das áreas de engenharias, matemática e tecnologias, a adição do modelo matemático não teve efeito nenhum. No entanto, para os profissionais das áreas de humanas, medicina e educação, a frase fez com que a percepção da qualidade da pesquisa aumentasse significativamente. Em outras palavras, para esses profissionais, a adição do modelo matemático fez com que eles achassem a pesquisa um máximo.

Por que isso acontece? Pode ser que, por motivos históricos, a gente perceba formulações matemáticas como proposições mais sérias, exatas e menos susceptíveis à fatores subjetivos. Não é a toa que grande parte dos avanços na ciência e tecnologia começam a partir de algum tipo de formulação matemática. Pode ser também fruto de um efeito que Dan Sperber chama de “Efeito Guru”. Em geral, nós temos a tendência de achar profundo, importante e válido tudo aquilo que não entendemos. E isso ocorre independente da área de conhecimento.

No final das contas, da próxima vez que alguém tentar te impressionar com alguns formulismos matemáticos ou frases complicadas, pare e pense! Ele ou ela pode estar é cheio de lero-lero. 🙂

Acesso o estudo original do Eriksson aqui, e o artigo do Dan Sperber aqui. E siga o Cognando no Facebook, Twitter e Google+

Publicado em Psicologia Cognitiva | 3 Comentários

Em 2013, não seja um analfabeto científico!

curious-george-11960-1920x1080Dezembro é o mês das promessas e do planejamento. Todo mundo quer começar uma vida diferente e organizada no ano novo: algumas pessoas vão parar de fumar; outras prometem ser mais caridosas e ajudar mais o próximo; e algumas outras querem simplesmente economizar mais ou ter o cabelo mais bonito. A verdade é que raramente revisitamos as promessas que fazemos. E quando revisitamos, percebemos que não cumprimos nada daquilo que prometemos (ou que cumprimos só até meados de Março).

Para aproveitar então o clima de promessas, eu tenho uma sugestão: em 2013, não seja um analfabeto científico. Não! Não estou pedindo que seja um cientista, estudioso e ganhador do prêmio Nobel. Não é isso. Não é preciso ser um cientista para entender um pouco (e criticamente) sobre o mundo que nos cerca. Abra o jornal e vai logo ver alguma notícia sobre aquecimento global, ou sobre algum fóssil encontrado em algum lugar, ou sobre uma tal partícula de Higgs descoberta por físicos na Suíça. Não é preciso ser cientista para entender que grande parte dos avanços da sociedade moderna são frutos diretos da ciência que produzimos o tempo todo. Não é preciso ganhar o Nobel da Ciência para entender que você só consegue assistir à novela das 8 todos os dias por causa dos avanços de uma tal de física quântica; e que o remédio que você vai tomar para curar a sua ressaca de final de ano só funciona por causa das pesquisas da indústria médico-farmacêutica.

Deixar de ser analfabeto científico é começar a entender (e ser capaz de criticar de maneira informada) os principais avanços tecnológicos e científicos que nos bombardeiam o tempo todo. Do mesmo jeito que a gente é capaz de opinar sobre a conquista do título do Campeonato Brasileiro pelo Fluminense apesar da boa campanha do Atlético Mineiro, a gente deve ser capaz de opinar sobre a real possibilidade de um pesquisador brasileiro fazer um paraplégico andar e chutar uma bola na abertura da Copa do Mundo em 2014. Ser alfabetizado em ciência é saber como ela está presente no nosso dia-a-dia e como podemos contribuir para o avanço dela.

Infelizmente, a realidade é outra. Um artigo publicado recentemente pelo pesquisador Robert M. Hazen nos Estados Unidos relata que a maior parte dos americanos não conseguem, por exemplo, explicar por que o inverno é mais frio que o verão. Mas isso não é só a população leiga não. Ele mostrou ainda que até mesmo estudantes de doutorado não sabem a diferença básica entre RNA e DNA, conceitos fundamentais na discussão dos avanços na área de engenharia genética.

Mas como deixar de ser analfabeto científico? A resposta é simples: seja curioso! Procure saber o porquê das coisas: por que o Canadá é mais frio que o Brasil? Por que tomar vacina não causa autismo? Por que ninguém inventou ainda uma máquina do tempo? Leia mais sobre os avanços da ciência no Brasil e no mundo. A internet está cheia de sites de divulgação científica, escritos por profissionais de várias áreas. O ScienceBlogs, por exemplo, tem profissionais da física, geologia, biologia, psicologia, medicina, etc. Esses profissionais escrevem diariamente sobre vários assuntos pertinentes aos avanços científicos que estão acontecendo por aí. Mantenha-se informado da ciência ao seu redor.

Por que é importante ser alfabetizado em termos científicos? Simples: para dar a sua opinião sobre qualquer coisa, é preciso entender pelo menos um pouco sobre o assunto. Várias políticas públicas, que têm como objetivo principal a melhoria na nossa qualidade de vida, se baseiam em resultados de pesquisas científicas. É nosso papel como cidadãos, opinar e avaliar essas políticas públicas (afinal de contas, somos nós que financiamos a maioria delas). Imagine, por exemplo, que o Governo Federal tenha verba para investir em apenas uma política de combate ao vício de drogas. Que tipo de investimento você apoiaria: uma vacina que promete acabar com o vício ou uma política de educação sobre os efeitos da droga? Ser alfabetizado em ciência é se tornar um cidadão melhor e mais consciente, capaz de opinar e lutar pelo bem-estar da sociedade onde vive.

A minha sugestão para 2013 é: ao invés de poluir sua linha do tempo do Facebook com memes de gatinho mal-humorado, piadinhas sobre a morte do Niemeyer ou vídeos de pegadinha no elevador, divulgue mais sobre ciência. Entenda e apoie os avanços científicos do nosso tempo. Visite mais o site do ScienceBlogs e outros sites de ciência na Internet. Pergunte! Seja curioso! Descubra como ciência é divertida e como essa resolução para 2013 vai ser boa para 2013, 2014, 2015… e por aí vai!

Um ótimo 2013!!!

E porque não começar o ano seguindo o Cognando no Twitter, Facebook e Google+

Publicado em Psicologia Cognitiva | 5 Comentários