>Parem o mundo

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Todo mundo se lembra de Galileu como o típico gênio incompreendido e perseguido. Do que pouca gente se lembra é dos argumentos que foram usados contra Galileu, que partiam dos perseguidores de Galileu, gente com uma boa formação, mas uma profunda influência ideológica (leia-se fé religiosa). Eis alguns exemplos:
“As construções e a própria terra voariam com um movimento tão rápido que os homens deveriam ter garras, como os gatos, para que fossem capazes de se agarrar à veloz superfície da terra.” — Libertus Fromundus (1587-1653), doutor e professor de teologia na Universidade de Louvain e Deão da Igreja de São Pierre, em Anti-Aristarchus (1631)
Outro argumento de Fromundus é explicitamente religioso:

“Se a terra é um planeta, e apenas um entre os muitos, não pode ser que tantas coisas grandiosas tenham sido feitas especialmente para ela [a terra], como ensina a doutrina Cristã. Se há outros planetas, uma vez que Deus não faz nada em vão, eles devem ser habitados. Mas como podem seus habitantes descender de Adão? Como eles podem traçar suas origens até a arca de Noé? Como eles podem ter sido redimidos pelo Salvador?”.

É um caso típico de fundamentalismo antropocentrista e religioso. Ele não apenas desconsidera a possibilidade de que os habitantes de outros mundos tenham suas próprias fés, como também ignora  o fato de que eles sejam muito diferentes dos seres humanos. Em último caso, pode-se dizer que Fromundus, mesmo sendo teólogo, duvida até da onipotência divina, pois está implícito em sua argumentação que, se as coisas são como ele afirma serem, Deus só teria o poder de criar planetas como a Terra e seres como os humanos. Só que isso não é nada onipotente.
“Animais, os quais se movem, têm músculos e tendões; a terra não tem músculos ou tendões, portanto não se move” — Scipio Chiaramonte, professor de filosofia e matemática da Universidade de Pisa (1633)
Infelizmente, não consegui informações tão detalhadas sobre o prof. Chiaramonte. Mas sua argumentação — que beira a infantilidade — é facilmente refutável: pedras também não tem músculos, mas isso não impede que elas caiam das montanhas às vezes, movendo-se com uma energia inquestionável e esmagadora. 
“Se supomos o movimento da terra, por que uma flecha lançada no ar não cai de volta no mesmo lugar, enquanto a terra e todas as coisas que ela contém, nesse ínterim, moveram-se muito rapidamente em direção ao leste? Quem não veria a grande confusão que resultaria desse movimento?” — Giorgio Polacco, padre jesuíta, em Anticopernicus Catholicus (1644)
Estes homens, que se diziam tão sábios, parecem simplórios, pois se confundem com os termos Terra (planeta) e terra (solo), usados sem qualquer distinção. Sendo assim, eles imaginam que o que Copérnico e Galileu defendiam era o movimento do solo, não do planeta. Mas isso parece óbvio, se nos lembrarmos que para eles, a Terra também deveria ser plana, além de estática.

Entretanto, é surpreendente saber que mesmo três séculos de observações cuidadosas que comprovaram o movimento terrestre — e já em plena era espacial —, algumas pessoas ainda negavam-se a admitir a verdade e usavam um argumento um tanto mais complexo. Como este, que é uma versão high-tech do argumento da flecha:

“[Astrônomos calculam a velocidade de rotação da Terra como igual a 1000 km/h]. Uma aeronave voando nesta velocidade, na mesma direção da rotação, não voaria de modo algum. Ela ficaria suspensa no ar, sobre o mesmo ponto do qual decolou, uma vez que as velocidades são as mesmas. Não haveria, aliás, necessidade de voar de um lugar a outro situado na mesma latitude. A aeronave poderia simplesmente elevar-se e esperar que o país desejado chegasse durante a rotação e depois pousaria. Ainda assim, seria difícil ver como qualquer avião poderia ser capaz de tocar o solo num aeroporto que está se movendo a velocidade de 1000 quilômetros por hora. Seria certamente útil saber o que as pessoas que voam pensam sobre a rotação da terra” — Gabrielle Henriet, Heaven and Hell [Céu e Inferno] (1957)
Realmente, seria muito bom ouvir as opiniões das pessoas que voam, especialmente daquelas que voam até o espaço e dizem “A Terra é Azul!”.
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