Galãs de rapina

Tenho considerado profundamente o projeto desses nossos Dédalos modernos e estou a desencorajá-los e a impedir que qualquer pessoa voe em minha época. [O voo] encheria o mundo com incontáveis imoralidades, e daria ocasiões a intrigas, já que é difícil para as pessoas se encontrar com alguém quando não tem nada além das pernas para levá-las. Você veria um casal de amantes em um compromisso no topo de um monumento e a cúpula d[a catedral d]e St. Paul seria coberta feito um pombal de ambos os sexos. Nada seria mais frequente do que um beau [bonitão] voando janela do sótão adentro ou um galã a atazanar sua senhora num jogo de gavião e andorinha. Não haveria passeio em um bosque que dá sombra sem ter que se desviar dos brindes dos bandos empoleirados. O pobre marido não teria a mínima ideia do que se passaria quando estivesse fora de casa. Se ele fosse desconfiado, poderia até prender as asas de sua esposa, mas do que isto adiantaria com revoadas de garanhões esvoaçando ao redor de sua casa? Que angústias constantes não teria um pai de família se sua filha é que estivesse com as asas? — Joseph Addison, em artigo no “The Guardian” de 20 de julho de 1713.

Ensaísta, poeta, dramaturgo e político, Joseph Addison (1672-1719) é hoje mais lembrado como um dos pioneiros do jornalismo britânico. Em associação com o escritor e político irlandês Richard Steele (1672-1729), Addison foi fundador de The Spectator (1711-1712), publicação que, apesar de diária, é considerada uma das primeiras revistas modernas pela variedade de assuntos abordados. Após o fim do Spectator, Addison lançou outro diário, o Guardian, que sobreviveu poucos meses: março a outubro de 1713. Tanto o Guardian quanto o Spectator do século XVIII não têm qualquer relação com as publicações homônimas que ainda existem na Grã-Bretanha.

A gravura acima representa uma máquina de Besnier. Pouco se sabe sobre o ferreiro francês com esse nome, considerado por alguns um pioneiro da aviação. O que se sabe é que ele construiu essas barras aladas por volta de 1678. O funcionamento seria mais ou menos como o nado livre: mão direita pra cima, perna esquerda pra baixo, e vice-versa, bem depressa.

Besnier foi voando aos poucos: primeiro pulou de uma cadeira, depois de uma mesa, depois de uma janela, depois de uma janela do primeiro andar e finalmente de um sótão. No último caso, ele chegou a planar até o telhado de uma cabana próxima. Seu relativo sucesso — que pode ter chegado aos ouvidos de Addison — lhe garantiu o que teria sido a primeira venda aeronáutica da História: um par de suas barras aladas para um membro de uma trupe circense. O ferreiro voador planejava atravessar um rio relativamente largo por via aérea, mas não se sabe se cumpriu o feito. É possível que não. Mesmo que tenha tentado, é provável que tenha se ferido gravemente ou mesmo morrido na tentativa.

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