Patentes Patéticas (nº. 115)

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Pé na bunda, chute no traseiro. Não importa o nome  do golpe baixo ou o contexto em que é aplicado. O gesto é uma ofensa universal, um sinônimo de humilhação. Há quem mereça muito isso. Talvez em série. Mas, por mais que você queira, ficar chutando traseiros alheios cansa. A não ser que você use o User-operated amusement apparatus for kicking the user’s buttocks [Aparelho de diversão operado pelo usuário para chutar o traseiro do usuário]. Se uma patente com esse título parece ruim, imagine o resumo…

Não precisa imaginar:

Um aparelho de diversão que inclui um aparato operado e controlado pelo usuário para a auto-inflição de golpes repetitivos aos fundilhos do usuário por uma pluralidade de braços alongados que sustentam extensões flexíveis que giram sob comando do usuário. O aparelho inclui uma plataforma dobrável na seção central, onde o primeiro poste e o segundo poste são montados e destacáveis na posição vertical. O primeiro poste é equipado com uma manivela posicionada numa altura que obriga o usuário a dobrar-se para a frente, no sentido do primeiro poste, enquanto agarra a manivela com ambas as mãos, a fim de expor seus fundilhos diante do segundo poste. O segundo poste é equipado com uma pluralidade de braços giratórios destacavelmente montados nele, com um eixo central dos braços giratórios posicionado numa altura genericamente nivelada com os fundilhos do usuário. Os braços alongados são propulsionados pelo usuário através da manivela, a qual é operacionalmente conectada por um trem motor ao eixo central dos braços giratórios. À medida que o usuário gira a manivela, os fundilhos do usuário são chutados por sapatos flexíveis localizados em cada extremidade externa dos braços alongados, para prover diversão ao usuário e aos espectadores das pedaladas. O aparelho de diversão é dobrável num pacote auto-contido para armazenagem ou transporte.

Esta não é uma patente troll. Repito: não é uma patente troll. Joe W. Armstrong fez o pedido de propriedade intelectual sobre esse verdadeiro equipamento sado-masô em 4 de janeiro de 2000. Inacreditavelmente (ou não, se considerarmos as centenas de patentes patéticas já apresentadas) o pedido foi aprovado e transformado na patente nº. 6.293.874 B1 [pdf] em 25 de setembro de 2001.

Mas, gente, qual a necessidade disso? O inventor — morador de Lenoir, Tennessee — explica-se:

O benefício da presente invenção é como um aparelho de diversão para entretenimento e alívio cômico onde a pluralidade de braços giratórios gira quando o usuário gira a manivela, com o movimento giratório transmitido pelo trem de força aos braços giratórios, o que leva as respectivas extremidades externas de cada braço da pluralidade de braços giratórios a acertar a bunda B do usuário quando o usuário é posicionado com o sua bunda B diante da pluralidade dos braços giratórios do segundo poste.

Daí, de duas uma: ou Armstrong não sabe escrever ou tem fetiche por braços giratórios. Felizmente, há mais ilustrações do que texto: são oito figuras contra duas páginas de justificativas e descrições (pretensamente) técnicas. Na Fig. 2, curiosamente, o “usuário” é identificado como U [o que gera um trocadilho bizarro, já que “U” também pode ser interpretado como “vc” em inglês].

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Dança da Manivela!

Ao discutir o estado da arte, Armstrong afirma ter sido inspirado por outra (e clássica) patente patética, o Initiating Device [Dispositivo de Trote] de De Moulin. O problema, segundo o inventor, é que

Este e outros dispositivos do tipo conhecidos apresentam pás individuais, acionadas por molas, cujas ações devem ser resetadas altera [sic; no original lê-se “alter” em vez de “after” (após)] cada contato com o usuário, com o reposicionamento associado do usuário numa postura para aceitar o próximo golpe. Portanto, é um objetivo da presente invenção prover um aparato divertido que é operado e controlado pelo usuário e projetado para infligir repetitivos golpes no usuário sem reajustar o aparelho e/ou reposicionar o usuário entre os golpes.

Em suma, Armstrong é o pai da auto-tortura mecanizada. Porque chutar o traseiro alheio não é o bastante. Humilhar o pobre “usuário”, forçando-o a chutar a si mesmo de modo genuinamente idiota e submisso é muito mais divertido. Principalmente se você for vigativo, sádico ou um veterano universitário — há quem seja tudo isso simultaneamente.

Pra quem gosta de sofrer, porém, não é uma patente patética. Muito pelo contrário: a Máquina de Armstrong é o sonho de todo masoquista.

***

Em tempo: Notem que se não for a bunda do usuário que estiver voltada para os pés rotativos (que, aliás, seria um termo descritivo mais adequado), o que fica exposto é justamente os genitais. Agora, imaginem a cena. (Só imaginem, por favor! Não precisam descrever!)

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  • Patentes Patéticas (nº. 121) | hypercubic

    […] Notando que esse gesto é desconfortável — mas sem ver o quanto é patético —, Mr. Piro propõe um substitutivo mecanizado. Ele reconhece que está, de certa forma, reinventando a roda, já que “vários dispositivos mecânicos anteriores são conhecidos pelo uso de um arranjo de elementos mecânicos para aplicar uma força de contato nas costas da pessoa sem o auxílio de terceiros.” Alguns, diz Piro, são úteis, como os coçadores de costas (deve haver centenas de patentes patéticas só sobre isso). Porém, “outros designs conhecidos de contato físico auto-administrável incluem mecanismos que implicam numa atitude comportamental negativa e tendem a reduzir a auto-estima. Um deles usa uma bota para chutar o usuário nos traseiros”. […]

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