Ah, o fim do século XIX! Enquanto Edison e Tesla brigavam em seus laboratórios, a eletricidade — essa coisa invisível porém chocante que viaja por fios de cobre — parecia mágica aos leigos. Como aconteceu pouco depois com a radioatividade, a energia elétrica também era vista por muitos como uma panaceia, uma cura para todos os males do mundo. Inclusive para dores de dente e venenos. John B. Campbell não perdeu tempo e logo patenteou um sistema de Extração Elétrica de Venenos:
O aqui descrito método de extração de venenos do corpo humano, que consiste em equipar o eletrodo negativo de uma bateria elétrica com receptores intercambiáveis de substâncias animal, vegetal ou mineral para extrair um veneno do corpo de uma natureza ou tipo correspondente com, ou para, o eletrodo negativo empregado, como apresentado.
Essa é a reivindicação de uma pequena patente. Pequena mesmo, porque são apenas duas páginas: uma com a ilustração e outra com duas colunas de texto descritivo. Após fazer sua apresentação — Campbell é natural de Cincinnati, Ohio — o texto do inventor é tão curto que podemos citá-lo quase integralmente:
[…] em cuja figura está uma vista em perspectiva de um indivíduo ou paciente do sexo masculino, sentado numa cadeira, a bateria elétrica e os fios condutores ligando a bateria elétrica às placas positiva e negativa, as quais são mostradas na ilustração aplicadas na parte de trás do pescoço do paciente e ao mesmo tempo aos pés descalços do paciente ou pessoa que recebe o tratamento.
Isso é só o começo. Vamos prosseguir numa descrição mais minuciosa:
Com referência aos numerais da ilustração anexa, 1 designa a cadeira na qual o paciente senta-se quando deseja receber tratamento para a extração de venenos vegetais, animais ou minerais de seu sistema.
2 é a bateria elétrica, que é convenientemente localizada num suporte 3 ou similar e é conectada por fios condutores 4 e 5 ao eletrodo negativo 6, como uma placa de cobre 7, onde os venenos minerais são extraídos, sendo o eletrodo positivo 8 aplicado à nuca do sujeito, como mostra o desenho. O eletrodo positivo 8, porém, pode ser aplicado a qualquer parte do corpo onde pode ser necessário extrair um veneno animal, vegetal ou mineral do sistema humano.
E isso nos leva ao ponto mais patético desta pequena patente. John Campbell explica que o princípio por trás de seu sistema de eletro-extração é o mesmo velho princípio de cura dos homeopatas — igual cura igual:
Para venenos vegetais, eu emprego um receptor vegetal em vez de um mineral ou de cobre, e para venenos animais, eu uso um receptor animal, como um pedaço de carne crua, o aparelho sendo capaz de uso com receptores minerais, vegetais ou animais sem maiores modificações do que equipá-lo com um tipo de receptor aplicável ao gênero de veneno que se deseja extrair ou remover do sistema humano.
Sim, senhores! Campbell acreditava que era possível, por exemplo, extrair o veneno de uma picada de cobra (de origem animal) aplicando choques à ferida através de um pedaço de carne crua (de origem igualmente animal). Campbell é daqueles que acredita que é melhor atacar o veneno do que minimizar seus efeitos. Acredita, porque não comprova nada.
De maneira bastante diluída, o USPTO analisou esse par de papéis durante um ano e meio a partir do pedido, feito em 5 de outubro de 1896. Nenhum toxicologista ou físico parece ter sido consultado, mas o escritório de patentes americano deve ter acreditado muito na ideia, já que o pedido foi aprovado em 5 de julho de 1898, sob nº. 606.887.
Voltando ao texto, o tratamento seria feito em doses homeopáticas:
Quando a corrente é ligada, descerá correndo do pescoço ou qualquer outro lugar através do corpo do paciente e empurrará ou extrairá o veneno do polo negativo e depositá-lo-á na placa de cobre. De seis a oito sessões de tratamento de meia hora cada em duração serão geralmente [o bastante para] extrair todo o veneno, qualquer que seja o tipo, e a placa de cobre vai parecer tão brilhante e clara quanto era no primeiro [tratamento]. A placa de cobre ou outro receptor pode ser aplicada a qualquer parte do corpo humano onde o veneno seja encontrado.
E é só. Não há instruções sobre o manuseio do aparato elétrico, o tipo de bateria e fios recomendáveis, a forma e intensidade de aplicação da corrente nem se ela deve ser aplicada continuamente ou a intervalos durante as chocantes sessões de descarrego de meia hora.
Evidentemente, a única coisa que vai descarregar é a bateria.