Patentes Patéticas (nº. 136)

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Quando se fala de fast food, o que queremos dizer é “comida de preparo rápido” e não, de maneira mais literal, “comida veloz”, uma refeição que realmente corre. Quando falamos de rodízio, também não é exatamente o almoço ou o jantar que roda — são os garçons. Quando falamos de self service, somos nós mesmos que nos servimos — mas toda vez que quisermos um novo prato, temos que sair da mesa e, em muitos casos, enfrentar uma fila.

Mas e se pudéssemos nos livrar dos garçons, das distantes mesas de bufê e suas filas e ter não só um rodízio mas um rodízio de comida rápida pra valer, com um verdadeiro carrossel de refeições? Muito antes do aparecimento da primeira rede de fast food, self service, churrascaria ou qualquer combinação desses estabelecimentos, William L. Lance já era dono da ideia de um servir comida de forma mecanizada:

A natureza de meu aperfeiçoamento consiste em prover uma mesa de serviço giratória ou motora, b, movida por vapor ou outra força, com dois ou três anéis ou mesas contínuas, a, a, para jantar e outros usos, e é construída com dois ou três anéis ou mesas contínuas, o anel externo a, e o anel externo a, fixos ou estacionários, tendo um espaço aberto, no interior da mesa a, para acomodação dos convivas, com o mesmo no exterior da mesa a, com uma entrada ou passagem, por cima ou por baixo das mesas a, a, e b, o meio ou centro do anel b ou mesa contínua b, [equipada] com uma ou mais prateleiras c, d, e, f, ou uma sucessão de prateleiras umas sobre as outras, que giram ou movem-se no interior de ou entre os anéis ou mesas contínuas a, a; e arranjadas de tal modo que possam acomodar pessoas conveninetemente ou no interior ou no exterior dos anéis ou mesas estacionárias a, a[…]

Parece a receita para um restaurante fordista, com uma linha de desmontagem de pratos. Mas William L. Lance, era tão visionário que inventou o sistema quando Henry Ford ainda era uma criança. Natural de Plymouth, Massaschussetts, Lance conseguiu a aprovação da patente nº. 55.677 [pdf], em 19 de junho de 1866. Sua Mesa de Serviço Aperfeiçoada funcionava com diversas prateleiras

carregadas como todo o cardápio a cada dez ou quinze pés de seções da mesa b, e a mesa b, com as prateleiras c d e f, tão carregada de viandas, move-se à razão de 15 ou 20 pés por minuto, passando diante de cada conviva a uma velocidade tal que exiba o cardápio inteiro a cada minuto.

Nada de esperar pelo garçom, portanto. Nem perder tempo à espera daquela picanha ao alho que nunca chega (ou nunca vem inteira). Nem se demorar com os pratos, na verdade. Segundo a patente, as esteiras da mesa giratória de Lance podem trazer ao cliente “toda a prataria necessária, incluindo pratos, garfos, facas, colheres, copos, &c”. Até tirar a mesa se tornaria coisa do passado. Bastaria aos clientes empurrar os pratos usados de volta a uma esteira ou prateleira especial (dotada de cortina, para ocultar os pratos sujos), que eles seriam “levados à dispensa P, atrás das telas, onde são removidos pelo serviçal estacionado naquele ponto para esse propósito, e também onde ficam estacionadas as pessoas que carregam e repõem a mesa móvel ou giratória b, com suas prateleiras c, d, e, f.”

Não é difícil imaginar Mr. Lance como ex-garçom que ascende a patrão ávido por lucros demais e graçons de menos. Ele argumenta que sua mesa automática poderia “servir, digamos, cento e cinquenta pessoas” com apenas dois garçons, “um do lado interno e um do lado externo”. Eles fariam mais o trabalho de orientar os clientes e receber pagamentos do que propriamente servir pratos. Os verdadeiros serviçais trabalhariam às ocultas, na tal dispensa P, que poderia ficar até mesmo debaixo da mesa.

Com tanta eficiência, como o Bufê Moto-Contínuo de Lance não saiu do papel? Como todo moto-contínuo, aquela eficiência toda era ilusória — o que explica a inexistência de versões modernas movidas a eletricidade.

Certamente os custos de energia de sua época não ajudaram. Em 1866, faltavam umas duas décadas para a eletricidade se tornar utilizável, ainda que por altos preços e interrupções frequentes. Isso melhorou enormemente no último século e meio, mas não evitou outra dificuldade.

O risco de acidentes certamente deve ter afastado muitos gerentes de restaurantes: a sopa quente do andar de cima sendo levada para o outro lado da mesa poderia cair sobre a senhora que se esticava para alcançar um pãozinho lépido. Uma senhora escaldada e um cavalheiro sem sopa dificilmente voltariam. Troque a sopa por café e o pãozinho pela salada e o mesmo seria válido para uma adolescente e um hipster num restaurante de fast food mecanizado.

Mas talvez o maior motivo pelo qual o rodízio mecanizado não deslanchou é o desperdício. Anotar pedidos, surpreendentemente, ainda é mais eficiente que colocar tudo à disposição. Ter que servir todos os itens do menu em intervalos de poucos minutos sem a certeza de quê seria consumido por uma clientela imprevisível levaria o melhor restaurante à falência mais rápido do que a entrega de um pedido de x-burguer triplo com refrigerante diet

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comment 0 comments
  • Luiz Bento

    Essa patente me lembrou disso: http://comideria.com/wa-sushi-comida-japonesa-em-movimento/

    • Renato Pincelli

      Do link citado: “Se você teve uma idéia inovadora, certamente um japonês já pensou e colocou em prática”.

      Mas um americano patenteou primeiro!

  • Patentes Patéticas (nº. 138) | hypercubic

    […] se adaptar à lógica do fast food. Você pode até conseguir uma macarronada quase instantânea em alguns restaurantes mas vai demorar ao consumi-la enrolando educadamente a massa no garfo ou mesmo com garfadas mais […]

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