Patentes Patéticas (nº. 145)

Ah, os anos 1980. A idade das trevas para os nerds, que sofriam bullying de todo mundo, dos oftalmologistas (que indicavam óculos fundo de garrafa) a Hollywood, e seus filmes com mais bullying ainda (e raramente uma vingança como exceção), passando por ortodontistas e seus aparelhos ostensivamente horríveis, carinhosamente chamados de “freios de cavalo” ou “freios de burro”. Mas nenhum vilão foi tão sádico com os nerds quanto o inventor do Reminder and Enforcer Apparatus [Aparato de Advertência e Execução], cuja utilidade é

relembrar o usuário de certa atividade desejada e forçar a execução de tal atividade. Um relógio gera pulsos e um mecanismo, como um interruptor magnético e um ímã, é usado para detecção da prática da atividade desejada e geração de um sinal quando tal atividade é praticada. Um arranjo lógico é responsivo aos pulsos do relógio e ao sinal de detecção para seletivamente gerar um sinal de alarme elétrico. Em uma versão, o arranjo lógico é operável em resposta a pulsos de relógio para distinguir pelo menos dois períodos de tempo distintos, definidos como período ativo e período dormente e, durante o período ativo, o arranjo lógico é operável para gerar um sinal de alarme elétrico para um período de tempo determinado em resposta à ausência do sinal de detecção. No período dormente, o arranjo lógico não gerará o sinal de alarme, independente da presença ou ausência do sinal de detecção. Um dispositivo de alarme, como um beeper, é responsivo ao sinal de alarme para gerar um alarme que seja perceptível pelo usuário para indicar que a atividade desejada não foi realizada. O alarme continuará [acionado] por um intervalo de tempo suficientemente longo, o que irritará o usuário se ele não realizar a atividade desejada. Em uma versão, o lembrete é usado para forçar o uso de um aparelho ortodôntico extra-bucal. Um ímã é montado no aparelho extra-bucal e um interruptor magnético é montado na peça bucal presa à boca do usuário. Quando o aparelho extra-bucal é utilizado, o interruptor magnético detecta a presença do ímã e consequentemente desliga o alarme durante o período ativo.

Parece o plano de um dentista maligno, vilão de algum filme com nerds dos anos 1980, mas a descrição acima é apenas o resumo de uma patente. O sistema de alarme que obriga o uso do “freio de cavalo” foi devidamente patenteado por Rupert W. Knierim, de Knoxville, Tennessee. O terrível alarme bucal foi apresentado ao USPTO em 21 de novembro de 1985, sendo aprovado sob nº. 4.764.111 [pdf] em 16 de agosto de 1988. Evidentemente, Knierim (cujo nome parece mesmo o de vilão de filme da Sessão da Tarde) inventou o sistema com a melhor das intenções:

Uma forma da presente invenção é um dispositivo ortodôntico para forçar o uso de um aparelho ortodôntico extra-bucal [orthodontic headgear, em inglês]. O usuário típico de um orthodontic headgear é um adolescente e o aparelho extrabucal é usualmente utilizado para mover os dentes do paciente para trás. Por causa do embaraço e desconforto do headgear, os adolescentes são frequentemente não-cooperativos e não usarão o aparelho de acordo com a prescrição médica.

Em vez de tentar convencer os jovens de que aparelhos extra-bucais são cool (o que, convenhamos, é bastante difícil), Knierim propõe uma estratégia agressiva de vencê-los pelo cansaço:

Um alarme, preferencialmente um beeper, é montado no interior da peça bucal e gera um bipe dentro da boca do paciente em resposta a um sinal de alarme elétrico. Durante o período de uso, enquanto o interruptor magnético não for desativado, o beeper vai continuar a bipar por tempo suficiente para irritar o paciente e forçá-lo a usar o headgear. Em outras palavras, para desligar o beeper dentro de sua boca, o paciente deve usar o aparelho extra-bucal. O som do bipe no interior da boca deve ser suficientemente irritante e, talvez, embaraçoso a ponto de levar o paciente a escolher usar o headgear para não ouvir o bipe dentro de sua boca.

Knierim sabia que se o paciente fosse suficientemente nerd, ele encontraria um jeito de hackear o alarme e desligá-lo sem usar o freio de burro. Outros sistemas de alarme, baseados na tensão (e também patenteados, vide as patentes  3.885.310 e 3.533.163), eram tão simples que podiam ser burlados ao pendurar o aparelho com um peso na maçaneta da porta do quarto do adolescente. Por isso mesmo, Knierim propõe o uso de um sistema magnético com um pequeno circuito lógico. Além disso, o paciente não deve

ser informado sobre como ou porque o sistema de bipe funciona e o ímã na máscara facial deve ser ocultado como se fosse parte de uma solda que é normalmente formada na máscara. De fato, se o paciente for mal-informado sobre como funciona o dispositivo, os esforços dele para derrotar o sistema de bipe, se os houver, podem ser mal-sucedidos. Por exemplo, pode-se dizer ao paciente que o dispositivo detecta a tensão no aparelho por meio de um detector no dente ao qual o aparelho está preso. Deste modo, o paciente vai tentar derrotar um detector e um sistema de tensão inexistentes e, provavelmente, será mal-sucedido.

Exceto que o paciente pode ter sucesso — especialmente num filme oitentista, onde um nerd enlouquecido por um dia inteiro de alarmes bucais ganha mais um fora daquela gatinha e mais um soco de algum valentão. Melhor ainda, numa típica comédia oitentista o soco do valentão poderia acabar desativando o alarme de alguma forma, deixando um nerd eternamente grato por ser agredido — uma cena que seria hilária. O mais provável, porém, é que sendo suficientemente esperto, o nerd perceberia o truque magnético e poderia tentar desativar o alarme com o uso de um pequeno ímã na boca (talvez um ímã tirado de um brinquinho daquela irmã pirralha).

Num cenário mais realista, os efeitos não teriam a menor graça, mas não seriam menos contraproducentes. Nerd ou não, o adolescente acabaria enlouquecido pelo alarme irritante e seus esforços para se livrar do aparelho e do alarme — inclusive por força bruta — poderia causar sérios danos físicos.

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