A ereção de 100 milhões de anos

Não existe maior estraga-prazer que falecer em pleno coito. Pior ainda é ter seu último momento de tesão eternizado por milhões de anos num fóssil. É o caso de um infeliz aracnídeo do sudeste asiático, descoberto e identificado justamente por sua exibição de vigor sexual após um encontro fatal com âmbar.

Popularmente conhecido como aranha-bode ou bodum (pelo mau cheiro que exala), o opilião é um parente das aranhas notável pelo desenvolvimento de órgãos sexuais: os machos são dotados de pênis e as fêmeas têm um ovipositor.

Resina produzida por algumas árvores, o âmbar é o material perfeito para preservar e fossilizar pequenos invertebrados, como insetos e aracnídeos. Ou um opilião excitado, como o que se observa numa amostra de âmbar encontrada no Myanmar e preservada pelo Museum für Naturkunde, de Berlim.

Ao investigar a peça de âmbar de 99 milhões de anos, Jason Dunlop, curador de aracnídeos do museu alemão, percebeu que ali estava um opilião fossilizado fazendo saliência (note a saliência na foto acima). Diante disso, Dunlop fez o que qualquer cientista faria: não uma piada, mas um paper descritivo, publicado on-line em 28 de janeiro pelo jornal The Science of Nature.

Bastante diferente de outros aracnídeos em seu sistema reprodutivo, o opilião têm um pênis bastante semelhante ao dos mamíferos: retrátil, acionado pela mudança da pressão sanguínea e, em alguns casos, até reforçado com músculos.

O corpo arredondado do pequeno aracnídeo coberto pelo âmbar tem uns 2mm de comprimento e pernas bem fininhas. Ainda ereto, o pênis é um tracinho (ou melhor, uma vírgula) de meio milímetro saindo do abdômen inferior e encimado por uma glande em formato de coração.

“Esses detalhes do pênis”, explica Dunlop ao Live Science, “são muito importantes para dizer onde fica esse espécime do âmbar na árvore genealógica dos opiliões.” Fósseis de opiliões são raros — apenas 38 foram descobertos. Até agora, não se conhecia nenhum fóssil de opilião com esse importante traço distintivo: um pênis visível. Segundo o naturalista, não foi encontrado nada parecido em termos de formato peniano entre as espécies vivas de opilião.

O fóssil exibicionista foi identificado como membro da espécie Halitherses grimaldii, já extinta. No entanto, o paper indica que pode se tratar de uma espécie ainda desconhecida de opiliões, também extinta. Dunlop e seus colaboradores estão investigando outras peças de âmbar recolhidas no sudeste asiático para confirmar exatamente a espécie.

Além da nomenclatura, também não está esclarecido como o opilião desavergonhado acabou desse jeito. Não havia uma companheira fêmea encapsulada junto ao excitado aracnídeo. É possível que ela tenha conseguido fugir do coito (e da resina) ou ainda que não tenha sido preservada por algum motivo. Ou pode não ter sido nenhum rala e rola. “Será que enquanto o animal lutava contra a resina grudenta sua pressão não subiu e o pênis foi acidentalmente empurrado?”, pergunta-se Dunlop. O rigor mortis, nesse caso, seria um rigor phallus.

Referência
DUNLOP, Jason A. et. al. Penis morphology in a Burmese amber harvestman [Morfologia do pênis num opilião em âmbar burmês]. The Science of Nature, February 2016, 103:11. Publicação online: 28 January 2016. DOI:10.1007/s00114-016-1337-4

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