O que andei vendo no Netflix em março

Março foi um mês agitado para mim: comecei a frequentar as disciplinas do Mestrado em Mídia e Tecnologia da UNESP-Bauru e meu local de trabalho foi assaltado há alguns dias. Apesar de tudo, considero que tive uma quantidade satisfatória de documentários. Entre as recomendações deste mês, temos filmes sobre feminismo, boxe feminino, refugiados, detetives, desastres naturais e humanos e arquitetura e construção.

She’s Beautiful When She’s Angry (92 min., 2014) — Há cerca de cinquenta anos, as mulheres se levantaram e começaram a queimar seus sutiãs? Mas quem eram aquelas mulheres indignadas e o que elas queriam? Produzido e dirigido por mulheres, este documentário apresenta as diversas faces das pioneiras do feminismo moderno: a mãe de quatro filhos de classe média que só queria ter acesso a um emprego, as moças já empregadas que exigiam igualdade salarial, as jovens que queriam ter mais vagas no ensino superior, as universitárias que se formaram sem aprender sobre a história e a literatura das mulheres, as mulheres que haviam abortado e também as que haviam sido esterilizadas à força, ambas reivindicando o direito à liberdade reprodutiva, as que foram estupradas e as que criaram patrulhas de auto-defesa, as moças silenciadas pelo movimento pacifista, as negras caladas pelo movimento negro e as lésbicas ignoradas pelo próprio movimento feminista e suas reações. Com dezenas de entrevistas, imagens de arquivo, trechos de jornais e telejornais, propagandas hoje consideradas machistas contrapostas a poesias e panfletos feministas, também mostra como as questões levantadas há meio século continuam sendo polêmicas mesmo que sejam as mais básicas, como o acesso à saúde da mulher, sexualidade, aborto e até creches. Por fim, as pioneiras refletem sobre as contradições de sua luta, seus erros, o que o feminismo significou para sua vida e abrem espaço para as feministas do século XXI.


T-Rex (89 min., 2015) — É um clichê do jornalismo esportivo: a atleta cabisbaixa, cercada de repórteres numa coletiva após a competição. Insatisfeita com o placar, a boxeadora negra de cabelos entrançados parece derrotada, mas isso não é verdade. Claressa “T-Rex” Shields venceu, mas queria uma pontuação melhor. Ela é assim: sempre quer o melhor. Nascida em Flint, filha de uma mãe alcoólatra, com uma irmã mais nova de pavio curto, Claressa só foi conhecer o pai — ex-presidiário mas também ex-boxeador — aos nove anos. Aos 11, ela começou a frequentar a academia mantida pelo eletricista Jason Clutchfield. Única menina num ambiente cheio de meninos e rapazes, ela também era a única a treinar às sextas-feiras e logo chamou a atenção do técnico. Diante das dificuldades de seu ambiente familiar, Jason a adotaria e a ajudaria a correr atrás de seu sonho: lutar nas Olimpíadas. Embora o boxe feminino seja um esporte antigo, foi só em Londres-2012 que se tornou categoria olímpica. Neste documentário dirigido por Drea Cooper e Zackary Canepari, acompanhamos a trajetória de rumo aos ringues de Londres. Em meio aos estudos do ensino médio, um namoro às escondidas e as dificuldades de relacionamento com a família, não vai ser fácil para T-Rex chegar lá. Também não vai ser fácil voltar, porque muita coisa muda e, apesar dos sucessos, nem sempre para melhor. Esta história é mais um exemplo do quanto o feminismo é necessário: mesmo do alto do Olimpo, uma jovem mulher negra ainda não é levada a sério nem devidamente recompensada como atleta.


Refugee (23 min., 2016) — “O que significa ser um refugiado?”, pergunta a narradora Cate Blanchett no início deste documentário curto porém intenso. Quem responde essa pergunta são os fotógrafos Martin Schoeller (alemão que retrata refugiados recém-estabelecidos nos EUA), Lynsey Addario (com seus registros dos muçulmanos Rohingya, perseguidos no Myanmar), Omar Diop (camaronês que deixou os desfiles de moda para tirar fotos dos deslocados pelos conflitos da República Centro-Africana), Graciela Itúrbide (com suas imagens dos refugiados internos da Colômbia) e Tom Stoddart (britânico que acompanha a jornada de refugiados sírios pela Europa, da Grécia à Alemanha). Embora cada fotógrafo tenha que lidar com problemas distintos, todos têm o mesmo objetivo: transformar os números de refugiados em pessoas, dando-lhes rostos e contando suas histórias — e pelo menos um desses personagens perde a vida pelo caminho. Esse não é um trabalho fácil: o impacto físico e emocional dos fotógrafos também é retratado.


Eu sou Sun Mu (87 min., 2015) — Entre os muitos motivos para se tornar um refugiado está a fuga de um regime político que não tolera dissidentes e, sobretudo, da fome. Foram essas as razões que levaram o artista plástico norte-coreano Sun Mu a se tornar um “desertor”. Neste documentário de Adam Sjöberg, Sun Mu (cujo rosto, por segurança, nunca aparece diretamente) fala sobre a sua educação, a sua infância e adolescência, seu período como pintor de propaganda no exército, as grandes fomes dos anos 90, que o levaram a abandonar sua pátria, e a longa e arriscada jornada rumo à Coreia do Sul, onde se casou e teve duas filhas. Definido como artista pop político, o estilo de Mu caracteriza-se por um pacifismo provocativo e pela crítica irônica aos “queridos líderes”, como no quadro em que se oferece uma Coca-Cola a um moribundo Kim Il-Sung. Em meio aos depoimentos autobiográficos ilustrados por animações baseadas em suas obras, Sun Mu e seus colegas tentam organizar sua primeira exposição solo em Pequim. Mas será que a primeira exposição de um artista norte-coreano na China vai ficar realmente livre da pressão e censura de Pyongyang?


Séries documentais

Não cheguei a ver todos os episódios das séries a seguir, mas o que vi foi o bastante para considerá-las recomendáveis:

Real Detective (2016) — O detetive durão ou friamente lógico é um lugar-comum das séries de ficção. Nos oito episódios dessa série (43 min. cada), a realidade mostrada é bem diferente: os detetives têm de lidar com as consequências práticas e psicológicas de crimes brutais. Não existe superdedução que dê jeito na falta de pistas e é difícil evitar o envolvimento emocional com os familiares de uma vítima. Por meio de reconstituições (aliás muito bem feitas e com um bom roteiro), acompanhamos os casos reais que mais marcaram oito detetives profissionais.


72 Dangerous Places to Live (2016) — Existem diversos lugares bastante perigosos no mundo — vulcões, lagos ácidos, corredores de tornados, zonas sísmicas, litorais com ondas gigantes, áreas de exclusão nuclear. Apesar dos perigos, muitas pessoas continuam a viver nesses lugares ou mesmo a visitá-los em busca de fortes emoções. Nos seis episódios desta série (45 min. cada), conhecemos 72 desses lugares, apresentados numa ordem um tanto aleatória. Os episódios, temáticos (centrados em vulcanismo ou ventanias, por exemplo), contam com depoimentos de cientistas e sobreviventes das zonas de risco listadas.

Grand Designs (2014) — Em 16 episódios (cerca de 46 min. cada) divididos em duas temporadas, Kevin McCloud acompanha os mais diversos projetos de reforma e construção de imóveis pelo Reino Unido. Ainda que seja mais um reality show do que um documentário, é um prato cheio para os amantes de arquitetura e engenharia. Como ponto negativo, faltam sinopses para os episódios, intitulados apenas com os nomes das cidades onde as obras se realizam.

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