Bactérias afrodisíacas

O protista marinho S. rosetta forma grupos de reprodução na presença de uma substância produzida pela bactéria V. fischeri. [Imagem: Arielle Woznica e Nicole King/UC Berkeley]
O protista marinho S. rosetta forma grupos de reprodução na presença de uma substância produzida pela bactéria V. fischeri. [Imagem: Arielle Woznica e Nicole King/UC Berkeley]

Situado entre os reinos da bactérias e dos protistas, um micro-organismo assexual fica sexualmente ativo na presença de uma substância emanada por certas bactérias.

Das ostras consumidas pelos europeus aos chifres de rinocerontes desejados pelos asiáticos, passando pela catuaba, o guaraná, os ovos de codorna, o amendoim e o chocolate dos brasileiros, não faltam receitas de afrodisíacos pelo mundo. Baseadas mais na tradição popular que na ciência, essas receitas buscam estimular a atividade sexual entre parceiros. No mundo animal também existem afrodisíacos e uma das receitas mais estranhas acaba de ser descoberta.

Coanoflagelados são micro-organismos marinhos que se alimentam de bactérias e, por sua vez, servem de almoço a animais um pouco maiores, como o krill. Embora estejam entre os seres vivos mais abundantes do mar, esse tipo de protista sempre foi tão obscuro que só começou a ser estudados há cerca de uma década. Uma das principais especialistas nesses bichinhos é Nicole King, professora de biologia molecular e celular da Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 2008, ela foi parte da equipe que sequenciou o primeiro genoma de um coanoflagelado (ou coano, para os íntimos) chamado Monosiga brevicollis. Quatro anos mais tarde, seu laboratório na universidade californiana descobriu uma bactéria (Salpingoeca rosetta) que estimula os choanos (da espécie Algoriphagus machipogonensis) a formar colônias multicelulares, parecidas com embriões.

Apesar da aparência, essas colônias não se formam por reprodução sexual e a forma de reprodução dos coanos permaneceu um mistério. Parte da resposta começou a surgir em 2013, quando King e seus colegas observaram que o estresse por falta de alimentos pode levar à reprodução sexuada. Parece estranho, mas faz sentido no mundo dos micro-organismos. Em comunicado ao Phys.org, ela explica que “com a reprodução sexual, você tem a esperança de ganhar uma nova combinação de genes alelos que seja mais adequada para qualquer condição que esteja surgindo”. Mesmo assim, esse efeito é limitado e só poucos choanos de uma colônia fazem essa aposta reprodutiva.

Agora, em colaboração com Jon Clardy, do laboratório da Escola de Medicina de Harvard, Nicole King afirma tem um quadro mais claro da reprodução dos coanos. Em artigo recém-publicado na Cell, King et. al. reportam a descoberta de que uma bactéria marinha bioluminecente chamada Vibrio fischeri estimula a união e o acasalamento em massa do choanoflagelado S. rosetta.

Os pesquisadores sugerem que os coanos usam a bactéria como um meio de “escuta” de seu meio-ambiente e regulam seu comportamento de acordo com o que percebem dessa forma: “Bactérias não muito boas na integração de muitas informações sobre o ambiente, já que diferentes bactérias têm diferentes exigências nutricionais. Coanos podem estar usando bactérias como um procurador de condições ambientais ou como sensores vivos para se preparar para os bons ou maus tempos”, explicou King ao Phys.org.

Essa mudança de sexualidade dos coanos pode ser bem rápida — eles passam de assexuais para sexuais cerca de 1 hora após à exposição aos estímulos vindos das bactérias afrodisíacas. Determinar qual o mecanismo específico por trás desse efeito estimulante foi papel de Arielle Woznica, orientanda de King em Berkeley. Para fazer isso, ela se deslocou até o laboratório de Clardy em Harvard. Foi lá que ela encontrou uma proteína constantemente secretada pela V. fischeri, que foi apelidada de EroS.

Com outro nome, a EroS já havia sido observada sido observada anteriormente na matriz extracelular da S. rosetta. Na época, pensava-se que essa enzima do tipo condroitinase fosse uma produção exclusiva do protista. O que Woznica percebeu é que esse é o perfume afrodisíaco de origem bacteriana. Sem essa enzima, o acasalamento em massa não ocorria entre os coanos. O mecanismo exato de estimulação baseada na EroS ainda está sendo investigado por King e sua equipe. Também estão sendo testadas condroitinases produzidas por outras bactérias para saber se os coanoflagelados consomem outros afrodisíacos bacterianos.

Mais do que iluminar a vida íntima de uma criatura situada entre os reinos bacteriano e animal, estas descobertas podem ter impactos tanto dentro dos laboratórios quanto dentro dos nossos corpos. A reprodução de bactérias é parte importante das pesquisas que desenvolvem medicamentos e outras substâncias. Alguns micro-organismos de grande potencial bioquímico tem tido dificuldades de reprodução no meio de cultura controlado de um laboratório. O que lhes falta, provavelmente, é uma boa dose de afrodisíaco, que poderia ser acrescentado em caso de necessidade. Coisa parecida pode estar acontecendo em nossa flora intestinal, de importância cada vez mais reconhecida. É possível que o mecanismo que incentiva a proliferação de bactérias benignas a nós dependa de análogos a afrodisíacos ainda desconhecidos.

Referência

rb2_large_gray25Woznica, A. et al. Mating in the closest living relatives of animals is induced by a bacterial chondroitinase [Reprodução no parente mais próximo dos animais vivos é induzida por condroitinase bacteriana] Cell, Volume 170, Issue 6, p1175–1183.e11, 7 September 2017 DOI: 10.1016/j.cell.2017.08.005

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