Conflitos Esquecidos [12] — Guerra(s) Luso-Turca(s)

Ao estudar a história da ascenção do Império Português no século XVI, poucos autores e professores lembram-se de mencionar os opositores de tal expansão. Não são apenas os nativos americanos que são historicamente desprezados. Até mesmo os longos conflitos com o poderoso Império Otomano pela posse do Oceano Índico e a influência sobre a África Oriental são esquecidos.

A rivalidade entre lusos e turcos remontava a 1509, quando os portugueses conquistaram Diu, na Índia. Embora não fosse um império colonial (ao menos não no sentido ocidental), o Império Otomano tinha grande influência econômica e política sobre o Oceano Índico. Consequentemente, a expansão portuguesa era uma ameaça aos turcos. Além dos motivos econômicos, havia a rivalidade religiosa: Portugal era então a maior potência cristã e a Turquia Otomana era a potência islâmica.

Duas guerras ou uma? O estopim da Primeira (e talvez única) Guerra Luso-Turca foi justamente religioso. Em 1529 a Etiópia, bastião do cristianismo no continente africano, foi invadida pelo Sultanato de Adal (localizado na atual Somália) com apoio otomano. Etiópia e Portugal costuravam um acordo de defesa desde 1520, mas os etíopes queriam a guerra logo, para poder derrotar Adal enquanto ainda estava fraca. Os portugueses, a princípio, não viam muito perigo no vizinho mouro da nação etíope. Mesmo depois da invasão e da consequente Guerra Etíope-Adal, os lusos levaram tempo para mandar um esparso reforço de apenas 400 mosqueteiros e alguns cavaleiros sob a liderança de Cristóvão da Gama (segundo filho do Vasco).

Com a chegada dos portugueses, em 1538, a coisa ficou séria no chifre da África. Já havia mercenários otomanos ao lado dos combatentes somalis. Mas o envolvimento direto dos lusos forçou os otomanos a mandar reforços oficiais: 2000 mosqueteiros árabes, 1000 mosqueteiros turcos, 900 piqueiros turcos e cavaleiros turcos. Além disso, os otomanos lançaram 54 navios para cercar Diu. Apesar de liderado por Hussein Paşa, emissário do próprio Solimão I, o Magnífico, o cerco a Diu foi facilmente furado.

Dadas as enormes distâncias envolvidas e a lentidão das comunicações, o próximo episódio da guerra só teve lugar na virada de 1540 para 1541. Uma armada portuguesa liderada por Estêvão da Gama (o primogênito de Vasco) partiu de Goa em 31 de dezembro, alcançando Áden em 27 de janeiro e Massawa, na então costa etíope, em 12 de fevereiro. Ali, Gama deixou alguns navios e seguiu para o norte, rumo a Suez, onde pretendia atacar a frota otomana. De alguma forma, os turcos ficaram sabendo do ataque e fugiram. Sem ter a quem atacar, retornou a Massawa.

Os 400 de Baçente O primeiro conflito direto entre lusos e turcos na Etiópia foi em 2 de feveriro de 1542. Na Batalha de Baçente, Cristóvão da Gama e seus 400 mosqueteiros enfrentaram 1500 arqueiros turcos para tomar um forte no norte da Etiópia. Apesar da vantagem numérica, as forças muçulmanas estavam em clara inferioridade técnica. Foram praticamente aniquilados enquanto os portugueses perderam apenas 8 homens e tiveram 40 feridos. Uma vitória espartana.

Em abril, nova vitória lusa na Batalha de Jarte. No entanto, a maré virou em 28 de agosto. Na Batalha de Ofla, os estimados 900 mosqueteiros turcos, acompanhados de 20 cavaleiros e uma infantaria de alguns milhares derrotaram facilmente 290 mosqueteiros portugueses reforçados por 23 combatentes etíopes. Nessa batalha, Cristóvão da Gama foi capturado. Após recusar a se converter para o islã, o filho de Vasco foi decapitado. Parecia o fim, mas…

…só acaba quando termina No ano seguinte, o imperador etíope, Galawdewos (1521-1559), reorganizou suas forças e o que restou dos portugueses. Os otomanos se reforçaram ainda mais. Em 21 de fevereiro, 8500 etíopes, entre infantaria e cavalaria, acompanhados de 70 mosqueteiros e 60 cavaleiros lusos encontraram-se com 14.000 soldados de infantaria, 1200 cavaleiros e 200 mosqueteiros otomanos liderados pelo próprio arquiteto da invasão da Etiópia, Ahmad ibn Ibrihim al-Ghazi, na Batalha de Wayna Daga. Era a oportunidade de vingar a morte de Cristóvão da Gama. Apesar das desvantagens numérica, as forças cristãs conseguiram: al-Ghazi foi capturado e morto. A partir daí, talvez por uma mudança na estratégia turca, a guerra na África praticamente acabou.

Mas a guerra continuava no teatro do Índico. Por três vezes — 1541, 1545 e 1549 — as forças navais otomanas tentaram assediar Diu. Sem sucesso. Liderada pelo almirante Piri Reis, uma frota turco-egípcia recapturou Áden em 1548. Mais tarde, Reis também conseguiu o controle de Hormuz, na entrada do Golfo Pérsico. Apesar disso, os portugueses conseguiram defender o Bahrein e ainda contaram com a ajuda da sorte — em 1556 uma frota turca foi destruída por uma tempestade nas proximidades de Gujarat. Em 1557, as hostilidades cessam e a guerra termina praticamente empatada.

No entanto, no ano seguinte, os otomanos voltam a atacar navios e colônias portuguesas no Oceano Índico, na Ásia e na África Oriental. Há quem diga que essa é uma Segunda Guerra, mas na verdade é apenas uma continuação, bastante atenuada, da Primeira. Termina novamente em empate em 1566, com a morte de Solimão, o Grande.

Consequências Historicamente, a tentativa de conquista muçulmana da Etiópia tem importância por ser o primeiro conflito com armas de fogo no continente africano. Foram os lusos, através de seus mosqueteiros, que introduziram tais armamentos aos etíopes. Os historiadores afirmam que a raiz da rivalidade ainda existente entre etíopes e somalis remonta a essa série de conflitos.

Globalmente, na guerra entre as potências, nenhum lado conseguiu se impor totalmente no Oceano Índico e assegurar seus domínios africanos. Os otomanos seriam perdedores, mas apenas em termos econômicos. Os ganhos de Portugal não foram assim tão decisivos. Sempre em desvantagem numérica e sofrendo com as distâncias, os lusos se deram conta de que seria muito difícil manter um Império tão largo. Praticamente abandonaram quaisquer planos de se estabelecer na África e, a partir de então, passaram a uma estratégia essencialmente defensiva na Ásia. A queda de Portugal não estava muito distante — literalmente. Alcácer Quibir estava logo ali, ao sul da terrinha.

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