Pós-Doutorado: Limbo acadêmico ou etapa formativa necessária?

O pós-doutorado figura atualmente como uma etapa extra na trajetória acadêmica, apesar de não conceder uma titulação própria e nem tempo de contribuição trabalhista. Afinal, o que é esse ‘pós-doc’?

Quem tenta uma carreira científica no meio acadêmico universitário brasileiro tem um caminho bem determinado desde a década de 1960. Inicia-se em se formar em um curso de graduação, passar pela pós-graduação strictu-sensu – mestrado e doutorado – e finalmente concorrer a uma vaga como docente em uma universidade. Porém, existe hoje um contingente de acadêmicos que não está em nenhuma dessas etapas – o pós-doutorado.

Em busca de manter uma alta produtividade científica, ocupar doutorandos que não conseguiam continuar suas pesquisas e desvalorizar a carreira acadêmica, o Brasil seguiu uma tendência mundial e iniciou os cursos de estágio pós-doutoral. O pós-doutorado, que foi encurtado para ‘pós-doc’, tem peculiaridades únicas e que precisa de uma análise mais aprofundada para compreendermos o que ele é, quais suas funções e como ele indica para onde o meio acadêmico está caminhando.

O pós-doutorado no Brasil

Essa nova etapa formativa nos espaços universitários começou a ser discutida em 2007, através de uma Portaria conjunta dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Desde então, algumas novas portarias foram lançadas e outros nomes foram criados, até chegarmos no atual Programa Institucional de Pós-Doutorado (PIPD), financiada pela CAPES. Apesar dessas novas roupagens, os objetivos principais do pós-doutorado quase não se alteraram, mantendo-se o que está hoje no texto da lei que instituiu o programa:

Texto apresentando os objetivos do Programa Institucional de Pós-Doutorado da CAPES. 2024 (O erro de digitação está no próprio texto da CAPES)

Esses objetivos, apesar de importantes, não esclarecem muito sobre a função do pós-doutorado. Contudo, no cotidiano acadêmico, sabe-se o ‘pós-doc’ precisa se dedicar a produção científica quase que integralmente. A maioria dos programas de pós-graduação exigem que o bolsista assuma uma disciplina, e o restante do tempo se dedique exclusivamente ao desenvolvimento científico. Assim, a escrita e publicação e artigos e a contribuição no andamento dos experimentos do laboratório são funções esperadas por quem ocupa esse ‘cargo’.

Em outras agências de fomento, como a FAPESP, o pós-doutorado mantém a mesma idealização. A perspectiva é justamente ofertar uma bolsa para um jovem pesquisador continuar seu trabalho científico acadêmico sem o vínculo duradouro como docente ou pesquisador da instituição. É a contratação temporária – e sem nenhum direito trabalhista – para desenvolver um trabalho e produzir como um efetivo.

Além disso, esse estágio não resulta em nenhuma titulação específica. Não existe uma pessoa com o título de ‘pós-doutor’. Apenas alguém que concluiu um estágio, cumpriu pré-requisitos, e possui uma experiência específica, com foco em produção científica através da escrita de artigos.

Pós-doutorado como caminho obrigatório

Ainda assim, o pós-doutorado tem uma demanda própria, de pesquisadores em início de carreira, que querem continuar sua trajetória acadêmica. Após o fim do doutorado, acaba sendo a única opção viável para alguns pesquisadores que buscam se dedicar exclusivamente ao desenvolvimento científico.

Por outro lado, esse estágio tem se tornado um marcador obrigatório para a carreira acadêmica. Ele tem contado pontos em concursos de docentes, possibilitando um maior tempo para produção e publicação de artigos dos anos de doutorado, além de estruturar um projeto amplo de pesquisa do ‘pós-doc’. Quem cumpre com um estágio de pós-doutorado tem maiores chances de ser aprovado em uma vaga permanente em uma instituição universitária.

Juntamente com o inflacionamento de doutores que não conseguem ingressar no mercado de trabalho ou na carreira acadêmica e científica, o pós-doutorado tem se transformado em uma formação inicial velada para quem almeja um cargo de docente universitário. Desse modo, cabe refletirmos qual caminho o meio acadêmico brasileiro tem se direcionado através dessa nova estruturação de pós-graduação.

Quais os caminhos da pós-graduação no Brasil?

As universidades estaduais paulistas, responsáveis por um grande volume da produção científica nacional, tem buscado implementar um novo modelo de pós-graduação para os próximos anos. Esse modelo reestrutura a pós-graduação para que seja um primeiro ano formativo, e após um exame de qualificação, o estudante poderá escolher entre seguir com um curso de mestrado por mais um ano, ou ir diretamente para o doutorado por mais quatro anos.

Porém, vale lembrar que os programas de pós-graduação seguem um modelo de produtividade estabelecido pela CAPES, em que a maior quantidade de publicações em periódicos de alto impacto, de inserções internacionais e de citações, melhor a nota do programa, maior o financiamento e o prestígio dos docentes vinculados.

Conforme todas as informações apresentadas até agora, temos um problema que tem aparecido aos poucos: os programas de pós-graduação irão abandonar o curso de mestrado. É mais vantajoso para o programa aprovar um pós-graduando que se comprometa logo de início com o curso de doutorado – maior tempo de programa, mais experimentos, melhores resultados, maior o número de publicações, melhor a nota. Ao mesmo tempo, só o doutorado não garante a continuidade da carreira desse acadêmico, que vai, consequentemente, buscar um estágio de pós-doutorado. Desse modo, vagarosamente, a pós-graduação no Brasil começa a tomar um novo formato. É esse que queremos?

O que queremos quando formamos mestres e doutores?

Apesar de historicamente a pós-graduação apresentar sempre um caráter produtivista e excludente – basta olhar o Parecer que estruturou inicialmente esse nível de formação, a pós-graduação ainda apresenta potenciais interessantes de se construir.

No mundo tomado por Inteligências Artificiais generativas, reforçado por um discurso neoliberal produtivista e individualista, a pós-graduação possibilita a formação intelectual crítica e a construção coletiva do conhecimento científico. Compreender os cursos de mestrado e doutorado como parte da formação de um intelectual crítico com potencial de atuar ativamente na tomada de decisões, direciona a formação em pós-graduação para uma idealização mais interessante. Cada vez mais o processo de ensino-aprendizagem e a produção intelectual acadêmica deve ser significativa, envolvida localmente, diretamente entrelaçada em sua comunidade e seus interlocutores. É preciso transferir os objetivos da pós-graduação da produção fria, isolada e sem corpo, para a formação de sujeitos intelectuais, que se interconectam diretamente em suas comunidades.

Assim, é importante refletirmos as estruturas da pós-graduação para que a produção científica seja relevante e faça sentido socialmente. Apesar de um passo importante para a continuidade da carreira científica de jovens doutores, o pós-doutorado hoje atua majoritariamente para reproduzir os discursos neoliberais e empresariais. Enquanto a pós-graduação estiver reproduzindo tais discursos, mais nos afastamos da população e dos seus interesses. É preciso desacelerar, refletir e reaproximar a ciência das pessoas, e a formação de quem produz ciência é um passo fundamental para esse caminho.

Para saber mais:

de CASTRO, P. M. R; PORTO, G. S; KANNEBLEY JÚNIOR, S. Pós-doutorado, essencial ou opcional? Uma radiografia crítica no que diz respeito às contribuições para a produção científica. Revista Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 18, n. 3, p. 773-801, nov. 2013

CNPQ, Bolsa de Pós-Doutorado (PDP) para o Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD)

CAPES, Capes divulga diretrizes para o ciclo avaliativo 2025-2028.

BRASIL, Parecer 977 de 1965. Estabelece critérios para a pós-graduação.

https://blogoavesso.wordpress.com/2025/03/06/problemas-na-pos-graduacao-e-a-solucao-paulista/

Sobre Matheus Naville Gutierrez 14 Artigos
Mestre e Doutor em Educação em Ciências e Matemática pela Unicamp, e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP e pedagogo pela UNIFRAN. Ciência, política, cultura, sociedade, universidade, e claro, Corinthians.

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