A discussão sobre como adequar o meio acadêmico e os pós-graduandos para se inserirem no mercado de trabalho. Quando a argumentação se inverterá?
Já é conhecida a discussão de que o meio acadêmico é um espaço isolado do mercado de trabalho e que se a forma apenas para o ingresso na carreira docente. Os discursos dos próprios docentes, que reproduzem muito essa ideia, reverbera ainda mais em cursos de graduação das ciências humanas. Quais as soluções que geralmente são apresentadas para esse problema?
A solução apresentada é sempre que o meio acadêmico precisa compreender as demandas e se adequar ao mercado de trabalho. Sinto que este discurso surge de questões reais e necessárias, mas que pode ser uma armadilha, e que a argumentação precisa seguir uma lógica oposta.
Os pós-graduandos não estão no mercado de trabalho por que não querem?
É bem verdade que o processo formativo em pós-graduação strictu-sensu no Brasil tem tendências fortes para o auto isolamento. É um processo formativo que foca na produção científica, escrita de artigos e participações em congressos, elementos constitutivos da carreira acadêmica. Porém, existe uma parcela de mestres e doutores que se formam e não seguem essa trajetória bem delimitada. Para onde eles vão?
No intuito de enriquecer esse debate, quero trazer dois dados, retirados do texto preliminar do Plano Nacional de Pós-Graduação de 2024-2028, que, apesar do atraso, está sendo estruturado pelo governo federal.
O primeiro ponto é que o Brasil, apesar de uma tendência de aumento significativo os últimos anos, ainda forma uma quantidade baixíssima de doutores, quando comparado com outros países. Nós temos uma média de doutores por 100 mil habitantes que é abaixo de países como Portugal, Irlanda, Estônia e República Tcheca.
O Brasil forma uma quantidade muito pequena de pessoas com o título de doutor, até mesmo em números brutos. Independentemente da área de pós-graduação, a totalidade ainda é baixa, considerando até mesmo o potencial produtivo e científico que temos no nosso país.
Ainda assim, existe uma quantidade de mestres e doutores que se formam e não continuam na carreira acadêmica. Seja por questões pessoais, desinteresse da área, problemas com a própria estrutura da academia brasileira. Onde vão parar esses pós-graduados?
Os dados que o gráfico acima apresentam são alarmantes. Existe uma quantidade muito grande de doutores que não estão no trabalho formal. Adicionalmente, a taxa de empregabilidade dos doutores no Brasil está abaixo da média, segundo o próprio Plano Nacional de Pós-Graduação.
O que temos na realidade do país é que dos 300 mil doutores que tem este título no Brasil, cerca de 200 mil estão empregados formalmente. Esses 100 mil doutores estão todos na espera de uma vaga em universidades públicas? Estão todos completamente apaixonados pela área acadêmica que vão esperar eternamente para ingressarem em uma universidade? Se atravessarmos essa discussão para mestres, a discrepância fica ainda maior.
Isso me parece uma tremenda bobagem. Acreditar que os estudantes de pós-graduação hoje no Brasil não buscam se ingressar em outros setores produtivos é ignorar o cotidiano trabalhista nacional. O que existe, de fato, é uma mão de obra qualificada, com interesse em contribuir e com necessidades financeiras latentes, que o mercado de trabalho brasileiro não emprega e não tem interesse em empregar.
Hoje, o discurso que mais encontro entre meus colegas pós-graduandos é que não existe vaga para as nossas áreas. Mas trabalho existe, ou o país com a maior biodiversidade do mundo não precisa de doutores em ecologia? O que não existe é um interesse privado em contratar pessoas qualificadas e remunerá-las de acordo.
É mais comum, entre os pós-graduados, o discurso de que é necessário esconder uma parte de sua formação acadêmica, para que as empresas tenham interesse em contratá-lo. E essa problemática não me parece ser totalmente culpa das universidades, da formação em pós-graduação e do meio acadêmico. Existe um interesse baixíssimo do meio produtivo em contratar doutores.
Essa questão pode ser interpretada com a visão da formação histórica do país, conforme dialogado por Florestan Fernandes em sua obra “A revolução burguesa no Brasil”. Os setores produtivos brasileiros tem um interesse histórico de manutenção de um status que ainda se assemelha às bases coloniais. Não existe um interesse em desenvolvimento nacional que integre as formações intelectuais, apenas uma produtividade que mantenha o status e uma segregação.
O problema da formação é, então, inexistente?
É bem verdade que a pós-graduação no Brasil, historicamente, serviu para sedimentar desigualdades econômicas, raciais e de gênero. Ainda hoje, ela ainda apresenta problemas de ingresso, das cobranças e de como se produz. Acreditar que a pós-graduação é eximia de qualquer crítica também é um problema.
A lógica discursiva de que a universidade e a produção acadêmica é superiorizada, completamente autônoma e é o único espaço que permite o desenvolvimento intelectual sem amarras é uma bobagem que se esvaeceu no século XX.
Porém, infelizmente, ainda existem membros do meio acadêmico que produzem fielmente este discurso e não percebem as problemáticas criadas por ele, muito menos a readequação para o público das universidades, que necessita de fontes de renda e trabalho, e que não podem depender unicamente da pós-graduação.
É amplamente necessário discussões e elaborações coletivas para a pós-graduação adequar o seu trabalho e a sua produtividade, que ela seja mais inclusiva e que combata diretamente as desigualdades raciais, de gênero e de sexualidade.
Mas acreditar que mudá-la completamente para que os pós-graduandos se formem com objetivos e competências diretas para o mercado de trabalho não é a solução, pois pasmem: ainda assim, o mercado de trabalho ainda vai preferir contratar alguém com uma titulação menor, ou não remunerar de forma adequada.
Portanto, eu gostaria muito de assistir o debate público se tornar o seguinte: Quando, finalmente, o mercado de trabalho estará pronto para contratar mestres e doutores?
Para saber mais…
CAPES, 2024. Plano Nacional de Pós-Graduação 2024-2028
FERNANDES, Florestan. 2006. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Editora Globo.
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