Comunicação Comunitária: uma oficina sobre alternativas à grande mídia

Comunicação Comunitária: uma oficina sobre alternativas à grande mídia

Por Leonardo de Souza da Silva e Talita Gantus de Oliveira 

Em continuidade aos textos de divulgação da participação do GT Educação e Sociedade,  do CRIAB, no IV Congresso de Ecologia Política, realizado no Equador, passaremos a um relato sobre a oficina de Comunicação Comunitária (em tradução livre) — ou Comunicación Comunitaria. Os proponentes da atividade integram uma rede de TV do movimento indígena e campesino de Cotopaxi, território equatoriano, que se utiliza das ferramentas atuais de comunicação para o fortalecimento, a continuidade e a transmissão de saberes locais e ancestrais. Além de ser um canal de denúncias de violação de direitos humanos e ambientais.

Lanceros Digitales apresentando um pouco da sua história e atuação no IV Congresso de Ecologia Política. 
Lanceros Digitales apresentando um pouco da sua história e atuação no IV Congresso de Ecologia Política.

A comunicação comunitária é um meio de comunicação da comunidade local. Feita por ela e para ela, atua como um instrumento que busca visibilizar aquilo ao que a mídia hegemônica e suas formas de comunicação normalmente se abstêm ou ocultam. Essa comunicação anti-sistêmica parte de uma mobilização coletiva da comunidade, reivindicando melhorias para seu próprio grupo, provocando o debate de temas importantes e tratando de interesses comuns de quem está inserido no mesmo contexto social e cultural.

Nessa oficina, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco do trabalho dos Lanceros Digitales, uma equipe de comunicação, formada por mulheres e homens, comunicadores e comunicadoras comunitários/as das nacionalidades, organizações e federações de base da organização regional, orgânicos à estrutura do Movimento Indígena Equatoriano. O grupo transmite informações dos diversos povos originários e das organizações e movimentos sociais locais que não são difundidas em meios tradicionais, buscando conhecer e veicular a realidade das comunidades e dos conflitos socioambientais que as ameaçam e vencer o cerco midiático. 

Além disso, trabalham a importância da comunicação comunitária como ferramenta política para o fortalecimento da organização e luta territorial. Tradições, soberania alimentar, direitos, mobilizações populares estão entre os temas abordados no canal de comunicação indígena e campesino. Nesse sentido, na oficina nos foi apresentado como se deu o Movimento Indígena y Campesino del Cotopaxi (MICC) e suas lutas de reivindicação por seus direitos, sendo o primeiro canal comunitário gerido por indígenas no Equador e na América Latina. 

O MICC tem forjado suas lutas por meio da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) desde 1990, cujas pautas envolvem reivindicações em torno da posse da terra, a existência de um modelo educacional intercultural bilíngue e a efetivação de um Estado Plurinacional, que, ao menos juridicamente, foi reconhecido na Constituição Equatoriana de 1998. Entretanto, na realidade, esses direitos nem sempre são assegurados ou pautados como deveriam. Assim, em 2004, nasce  a ideia do 1º canal indígena do Equador: a TV MICC-47. Este canal funciona como uma ferramenta de comunicação e organização alternativa à comunicação de massas, sendo de suma importância para as lutas e para a organização de manifestações e participações sócio-políticas. Após anos de embate, a TV MICC-47 se concretiza em 2019, dando início às suas transmissões com cobertura nas províncias de Cotopaxi, Tungurahua e parte de Pichincha e Chimborazo. Concomitante, também ocorre a divulgação e transmissão da TV em seus veículos de mídia sociais — como Facebook e YouTube —, que  possibilitam não somente que suas matérias tenham mais alcance, mas que cumpram seu papel de disputa de narrativas também através da Internet. 

A comunicação comunitária é uma ferramenta que deve ser, cada vez mais, apropriada pelo povo. No Brasil, em Mariana, no estado de Minas Gerais, após o desastre-crime da Samarco/Vale/BHP na barragem do Fundão, moradores se organizaram para construir e divulgar o jornal A Sirene, veiculando a realidade dos conflitos socioambientais pós-desastre, na região de Mariana, que era ocultada pela grande mídia — financiada, em grande medida, por atores do capital mineral.

Furar o cerco midiático e conseguir fazer coro às vozes que são, tentativamente, silenciadas pelo discurso hegemônico é parte do trabalho do nosso GT. Fazer circular a essência dos conflitos socioambientais ligados ao rompimento e à presença de barragens, não apenas em sua aparência, é de suma importância para que consigamos ventilar outros ideais de progresso, de civilização, de modernidade e de desenvolvimento. Projetar outros futuros possíveis passa, necessariamente, pela compreensão do nosso passado e presente — cujos meandros narrativos são disputados, entre outras coisas, por meio de ferramentas comunicacionais, como o fazem os Lanceros Digitales

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *