Despertar: estratégias de luta para novos sujeitos políticos

Despertar: estratégias de luta para novos sujeitos políticos

Por Giulia Mendes Gambassi

Como mencionamos em Enraizar o porvir: (re)nomear a Améfrica Ladina – entrevista com Marilyn Machado Mosquera, entender os processos exploratórios que se dão na América Latina é um desafio constante e, provavelmente, interminável. Por isso, trata-se de algo que deve ser feito coletivamente – ainda que seja necessário trabalhar de forma individual as implicações de nossas práticas e fazeres acerca desse acontecimento. Nesse sentido, este post traz o que aprendemos na roda de conversa Construcción del poder popular en la lucha antiminera, ouvindo Paola Ortiz, José Cueva e Luis Corral, da Frente Nacional Antiminero (FNA), no IV Congresso Latino-americano de Ecologia Política.

Paola Ortiz, José Cueva e Luis Corral, da Frente Nacional Antiminero (FNA), no IV Congresso Latino-americano de Ecologia Política.
Paola Ortiz, José Cueva e Luis Corral, da Frente Nacional Antiminero (FNA), no IV Congresso Latino-americano de Ecologia Política.

Voltados à defesa do território, da água, da semente e da memória no Equador, a FNA trouxe diferentes contextos das comunidades afetadas em todo o território equatoriano, sem deixar de enfatizar que, mesmo que haja especificidades em cada uma das frentes, como país, eles enfrentam a mesma legislação, a mesma política de mineração e as mesmas formas de criminalização dos movimentos que se colocam a defender a terra e o povo do avanço neoliberal. A união dos atingidos de diferentes localidades, com uma forte participação de povos tradicionais em todo o evento, destaca-se na luta contra o grande projeto transnacional mineiro por eles denunciado. 

Além disso, o constante tensionamento do que seria o suposto desenvolvimento trazido pelas práticas de exploração da natureza ganha destaque não só nessa roda de conversa, mas em todo o evento. Apesar de ainda ser comum relacionar os empreendimentos minerários a oportunidades de emprego, o debate parece ter mais fôlego nos países vizinhos, talvez por viverem em menor extensão territorial, o que possibilita mais encontros e interlocuções do que os temos aqui no Brasil – também de imensa potência. Pouco mais de um mês depois de nosso encontro no evento em Quito, a FNA estava em marcha buscando consolidar uma luta em nível nacional contra as mineradoras que seguem explorando seus territórios (veja um vídeo sobre a marcha aqui).

Nesse escopo, a FNA conta que há diferentes centros de formação ou escolas espalhados pelo Equador, que visam a munir os atingidos com informações e estratégias, articulando diferentes setores às lutas sociais e à compreensão do que, de fato, significa ter seu território invadido por grandes empreendimentos de mineração. Segundo os representantes da FNA que estavam presentes na roda, essa ênfase é dada, pois educação é liberdade e é um elemento fundamental na emancipação dos povos atingidos – o que partilhamos em nosso GT. 

Em junho de 2022 houve uma greve nacional no Equador, protagonizada pelos povos indígenas e campesinos que, durante 18 dias, marcou sua oposição ao governo de Guillermo Lasso, eleito um ano antes, com massivas manifestações, greve de trabalhadores de diversos setores, bloqueio de estradas, tomada de poços de petróleo entre outras estratégias. A força do povo equatoriano e a potência do movimento político organizado contra o aumento dos preços de combustíveis e da cesta básica, os altos índices de desemprego e o aumento de subemprego, bem como a crise agravada dos sistemas de saúde e de segurança, foi consolidada e constitui um marco que alimentará o enfrentamento ao sistema que massacra tantas pessoas.

Fazendo referência ao Paro Nacional, como essa greve é chamada por lá, a FNA aponta que as respostas ao modelo exploratório em voga têm que ser construídas em assembleias e processos permanentes. Isso, pois, mesmo considerando as conquistas alcançadas pelos movimentos, há limites frente à institucionalidade alcançada pelas mineradoras dentro do próprio governo. Desse modo, não se pode, afirmam, avançar sem mobilização e resistência partindo de cada território. É preciso fortalecer coletivos e organizações, principalmente depois da percepção de que a luta antimineração gerou um novo sujeito político, mais dinâmico e coletivo.

Oficina Crónicas del despojo minero en el Ecuador: el video y el cómic como herramienta de lucha, ministrada por Michelle Báez, Ce Larrea, Mafer Carpio e William Sache
Oficina Crónicas del despojo minero en el Ecuador: el video y el cómic como herramienta de lucha, ministrada por Michelle Báez, Ce Larrea, Mafer Carpio e William Sache

 

Uma das formas de trazer força aos movimentos e fundamentar a construção desse novo sujeito, além da educação em seus múltiplos níveis, é a comunicação. Nesse âmbito, participamos da oficina Crónicas del despojo minero en el Ecuador: el video y el cómic como herramienta de lucha, ministrada por Michelle Báez, Ce Larrea, Mafer Carpio e William Sache. Ce Larrea, também conhecida como Casi Mira, é uma artista e ativista equatoriana e ficou responsável pela parte das histórias em quadrinho da oficina, que acompanhamos.

 

 

Veja uma tirinha da artista sobre o Paro de 2022.

Tirinha da artista Ce Larrea. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cka6zDPO9aQ/?img_index=7
Tirinha da artista Ce Larrea. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cka6zDPO9aQ/?img_index=7

Suas produções carregam a voz da comunidade e dos diferentes entes viventes atingidos pelos processos de mineração. Ainda que tenha uma atuação ampla nas lutas sociais, devido à temática do evento, apresentou uma situação, sobre qual deveríamos produzir um comic para chamar a atenção da comunidade sobre a problemática. 

Voltando, ainda à roda de conversa da FNA, além de representantes de diversos grupos, houve a participação de três estudantes universitários quitenhos, do curso de Ciência Política, que, ao tentarem sair antes do fim da discussão, foram interpelados pelos membros da FNA e pelos demais participantes. À demanda de que se manifestassem sobre o que tinham ouvido até então, responderam que as ações de resistência ali debatidas pareciam muito pulverizadas e pouco efetivas no contexto nacional. Criticaram as abordagens afirmando que não eram bem vistas pelo povo equatoriano, pontuando que, além de tudo, eram pouco estratégicas as ações dos ativistas. Não sem alguma reação, as palavras dos jovens estudantes foram contrapostas pelos que estavam presentes e nos fizeram refletir sobre nosso próprio percurso. Afinal, qual o papel da universidade na comunidade? É possível fazer ciência descolada de questões históricas e sociais, mas, principalmente, das vozes daqueles que são diretamente atingidos?

Nossa participação no evento foi permeada por um exercício contínuo de compreender o caráter pontual, ainda que importante, da atividade acadêmica nas transformações sociais. Mas mais do que isso, o que mais se destaca no processo de emergência dos novos sujeitos políticos, como coloca a FNA, ativamente decolonizando as instituições e as práticas que nos cercam, é a escuta atenta, curiosa e humilde àqueles que representam e constroem uma frente de luta, que não é qualquer. 

Nós, inseridos nas universidades latinoamericanas, precisamos nos abrir a outras cosmopercepções, a miradas, como dizem nossos companheiros de luta hispanohablantes, que se voltem às nossas vidas e aos nossos territórios de forma mais holística. É preciso ouvir o chamado das organizações políticas e populares, dos povos tradicionais e, principalmente, da terra, da água e de todos os seres viventes – que aprendemos a objetificar com os europeus – para que despertemos e construamos outras subjetividades.

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