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Category: Conceitos e temas

Principais impactos associados a barragens brasileiras de grandes empreendimentos

Principais impactos associados a barragens brasileiras de grandes empreendimentos

Ana Laura Silva Gomes (IG/Unicamp), Matheus William Henrique de Medeiros (FT/Unicamp),
Giulia Mendes Gambassi (IEL/Unicamp) e Claudia Pfeiffer (Labeurb/Unicamp)

Nos posts publicados anteriormente buscamos introduzir algumas questões sobre as barragens, considerando nossas frentes de trabalho no CRIAB. Primeiro, voltamo-nos ao que são as barragens, depois falamos sobre onde estão as barragens brasileiras e apresentamos nossa escolha de nomear os rompimentos de barragens enquanto desastre-crime.

Os impactos associados à construção de uma barragem podem causar mudanças drásticas não apenas em casos extremos de desastres-crime, mas também afetando o território desde a implantação de seu projeto. A instalação de barragens altera as práticas das pessoas e de seu entorno, os animais e a vegetação da região, modificando a paisagem do local, a cadeia alimentar ali presente, enfim, transformando toda a biodiversidade da região. Esses impactos estão ligados aos diversos tipos de barragens sobre os quais falaremos na nossa próxima série de posts. 

Nas próximas publicações, então, abordaremos os impactos relativos às barragens de usinas hidrelétricas e de rejeitos de mineração, tomadas enquanto construções complexas vinculadas a grandes empreendimentos. Não perca!

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Por que chamamos os rompimentos de barragens de desastre-crime?

Por que chamamos os rompimentos de barragens de desastre-crime?

Letícia Ferreira da Silva (IB/Unicamp), Lucas Alves Pereira (FE/Unicamp),
Bianca de Jesús Silva (Nepam/Unicamp) e Giulia Mendes Gambassi (IEL/Unicamp, GEDIS/UFU)

Dentre as muitas possibilidades de nomear os rompimentos de barragens de mineração, o CRIAB propõe que nos voltemos a eles enquanto desastres-crime. A ideia geral é promover a utilização desse termo para evocar um desastre socioambiental que poderia ter sido evitado, e que é resultado de um modo de produção econômico materializado na cadeia de extração mineral. Assim, deve ser analisado em uma perspectiva crítica, que clama por responsabilização.

Figura 1: Não esqueça Mariana.
Créditos: Júlia Pontes

Como exemplo de desastres-crimes, podemos citar dois casos que ocorreram nos últimos anos no estado de Minas Gerais: um na cidade de Mariana e outro em Brumadinho. O primeiro se deu quando a Barragem do Fundão se rompeu, devastando comunidades próximas ao local do rompimento, como o caso de Bento Rodrigues, e seguiu atingindo municípios, ao longo do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Além de ter gerado problemas irreversíveis dentre perdas de fauna, flora e 19 vidas humanas que foram ceifadas. O segundo caso ocorreu quando a barragem B1 rompeu, levando a vida de 272 pessoas que estavam nas imediações da barragem. Grande parte dessas pessoas trabalhavam na empresa responsável pelas operações na mina. Os desdobramentos desse rompimento foram continuados devido ao carreamento da lama para o rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco, causando uma crise ambiental profunda marcada, inclusive, por um intenso desamparo na população local, diante das perdas materiais e imateriais provocadas pelo rompimento.

Ambas as barragens eram do tipo a montante, que agora são proibidas no Brasil, como vimos brevemente no post O que são barragens? e que detalharemos aqui no blog, nas próximas publicações. Atualmente, elas estão desativadas, mas tanto a Samarco quanto a Vale, que as administram, afirmavam estar seguindo as normas de segurança quando os desastres-crime ocorreram. Isso pode indicar que as empresas administradoras não fizeram as manutenções e inspeções corretamente, sendo, junto aos órgãos fiscalizadores do Estado, responsáveis por essas tragédias evitáveis.

Nesse sentido, considerando que as palavras têm efeito não só na interpretação do que já ocorreu, sendo também ferramentas valiosas para dar novas dimensões de sentido a acontecimentos presentes e futuros, trazemos “crime” junto a “desastre” para que o caráter social e político dessas construções seja levado em conta, buscando responsabilizar os envolvidos nessa atividade mineral – sejam eles da esfera pública ou privada. 

Em breve, publicaremos um verbete na nova edição do Dicionário Crítico da Mineração, que explica em maior detalhe essa palavra que, como mencionamos, não é qualquer uma na disputa de narrativas que se dá ao redor dessas tragédias. Esse dicionário é resultado de um esforço coletivo de diversos/as professores/as e pesquisadores/as de diferentes universidades do Brasil, articulados pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

Não perca nosso próximo post, em que introduziremos uma série sobre os principais impactos de barragens ligadas a grandes empreendimentos.

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Onde estão as barragens brasileiras?

Onde estão as barragens brasileiras?

Hiago Fraitas Nascimento (IG/Unicamp), Maria Júlia dos Santos (FT/Unicamp)
e Rebeca de Souza Assis (FE/Unicamp)

Depois de termos visto o que são barragens, no post deste mês vamos nos focar em sua localização. A indústria de mineração no Brasil está presente em diversas regiões do país. Há muitas empresas com barragens de rejeitos espalhadas pelos 26 estados brasileiros. Levando em consideração apenas as barragens inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e rastreadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), há 884 barragens no Brasil. Dentre elas, apenas 443 estão de acordo com o padrão de segurança da PNSB, segundo o banco de dados da ANM. Esse banco de dados é controlado e fiscalizado pela própria Agência e, nele, é possível consultar as barragens por meio de um mapa do Brasil, utilizando diferentes filtros que carregam importantes características das barragens – desde padrões de segurança até categorias de risco. Dessa forma, apresentaremos algumas dessas características para fins de utilização do mapa e para encontrar diferentes barragens nos mais diversos estados brasileiros. 

Figura 1: Barragens rastreadas pela Agência Nacional de Mineração1.

O padrão de segurança conhecido como PNSB, instaurado pela Lei nº 12.334/2010, tem como objetivo reduzir a possibilidade de acidentes por meio do estabelecimento de padrões de segurança de barragens. Dentre as barragens de mineração existentes, 444 estão inseridas na PNSB (50,2%) e localizadas, principalmente, em Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo. Em contraponto, 440 barragens não estão inseridas na política (49,8%), localizadas, na sua maioria, em Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo e Rondônia. O Guia rápido sobre planos de segurança de barragens também traz uma série de informações relevantes sobre a PNSB.

Além dessa política, há também o Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM), que tem como objetivo minimizar as perdas de vida. Esse documento é técnico, deve ser acessível à população e é elaborado pela empresa responsável pelo empreendimento (no caso, responsável pela barragem). A partir dele é possível identificar as situações de emergência e estabelecer as ações necessárias caso a caso, bem como saber quais agentes serão notificados. Grande parte das barragens que necessitam de PAEBM estão concentradas em Minas Gerais, já a maioria das que não necessitam estão distribuídas entre Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Rondônia e Pará. 

Em ambos os casos, tanto da PNSB quanto do PAEBM, parte-se do reconhecimento do dano potencial de cada barragem. Ele é associado à perda que pode ocorrer devido a vazamentos, rompimentos, infiltração no solo ou mau funcionamento. Os graus de danos são estabelecidos de acordo com as perdas de vidas humanas e não humanas, bem como de outros impactos ambientais, estendidos à fauna, à flora, ao ar, ao solo, à água e a outros elementos que compõem o ecossistema. Além disso, também são levadas em conta perturbações sociais e perdas econômicas que atingem direta e indiretamente a região onde a barragem está inserida. 

Outro aspecto levado em consideração é a categoria de risco, que diz respeito aos aspectos da barragem que tem a potencialidade de gerar um desastre-crime, tais como projeto de engenharia, integridade da estrutura, manutenção, operação, estado de conservação e atendimento aos padrões de segurança da PNSB. No próximo post vamos explicar por que escolhemos chamar impactos de grande magnitude associados a barragens de desastres-crime.

Em geral, como existem diferentes tipos de barragens, a ANM criou uma matriz de Risco e Dano Potencial Associado, distribuída em cinco classes distintas (A, B, C, D e E), que podem ser melhor compreendidas observando-se a figura 2. A partir dessa matriz, as barragens que apresentam classe maior na categoria de risco e dano potencial associado devem ter um plano de segurança mais abrangente e eficiente. É importante mencionar que das 47 barragens consideradas de alto risco, 38 estão localizadas no Estado de Minas Gerais, sete estão no Mato Grosso, uma está no Amapá e outra no Maranhão. 

Figura 2: Categoria de risco e dano potencial associado das barragens brasileiras2.

Tendo conhecimento sobre a categoria de risco e dano potencial associado, é possível classificar as barragens de rejeito de mineração. Assim, dentre as 444 barragens inseridas na PNSB, 36 pertencem à classe A e estão concentradas em Minas Gerais; 224 à classe B, localizadas principalmente em Minas Gerais e Mato Grosso; 153 à classe C, aglutinadas em Minas Gerais, Mato Grosso e Pará; seis à classe D, centradas em Mato Grosso; e 25 à classe E, agrupadas em Minas Gerais. 

Em alguns casos, uma barragem back up (ou muro) é feita com concreto para que haja resistência na contenção de rejeitos. O Brasil possui dez barragens desse tipo, sendo nove situadas em Minas Gerais e uma no Rio Grande do Sul, ainda que a quantidade de barragens (49,8%) que não estão de acordo com as normas de segurança estabelecidas pela PNSB estejam, em sua maioria, na região central do país (Centro Oeste e Sudeste). 

Mesmo com todas essas informações disponíveis e que nos ajudam a entender melhor alguns impactos associados às barragens de rejeito de mineração, considerando sua localização, a ferramenta da ANM (figura 1), ainda que de simples uso e de acesso remoto, não apresenta os responsáveis pela segurança dessas construções. Para se ter acesso aos nomes das empresas responsáveis por esse tipo de barragem, é preciso utilizar um filtro à parte, em que se deve dar entrada na pesquisa pelo nome da mineradora e não pelo estado, dificultando a identificação de quantas empresas diferentes atuam em determinada região e quem deve ser cobrado ou acompanhado para garantir o mínimo de riscos possíveis às comunidades envolvidas

Assim, além de sabermos onde estão as barragens, é preciso que possamos identificar rápida e facilmente aqueles que devem cuidar das construções para diminuir o máximo possível seus impactos negativos. No próximo post vamos explicar por que chamamos o que aconteceu em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019) de desastre-crime.

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1 Disponível em: https://app.anm.gov.br/SIGBM/Publico/Mapa. Acesso em set. 2021.
2 Disponível em: http://www.defesacivil.pr.gov.br/sites/defesa-civil/arquivos_restritos/files/documento/2018-12/. Acesso em set. 2021.

O que são barragens?

O que são barragens?

Letícia Ferreira da Silva (IB/Unicamp) e Lucas Alves Pereira (FE/Unicamp)

Barragens são estruturas construídas pelo ser humano, com o objetivo básico de conter ou armazenar diferentes substâncias, como: água, minério, rejeitos de mineração ou ambos. Geralmente, essas estruturas são feitas de concreto e do próprio material gerado na extração do minério. Elas possuem tamanhos diversos, mas todas guardam uma grande quantidade de substâncias. Por isso, é necessário que elas sejam fortes o suficiente para aguentar o material armazenado. Além disso, é preciso que passem sazonalmente por manutenção e inspeções de segurança. 

A água normalmente é armazenada por barragens em formato de diques, seja para o consumo da população ou, na maior parte das vezes, para gerar energia elétrica. No caso da mineração, a maior parte das estruturas são construídas para acumular o que é considerados rejeito. Esse material é encarado como sem valor econômico pelo fato de as técnicas para reaproveitá-lo serem menos lucrativas do que a extração de minério bruto. 

A empresa responsável constrói um dique para contenção inicial na região que possui os minérios de interesse financeiro e é lá que os dejetos são despejados. Esse depósito inicial é dividido em dois espaços chamados de praia de decantação e lagoa de decantação. Mas como se trata de um material volumoso, apenas um dique não é suficiente, o que faz com que seja feito o alteamento – processo de elevação do dique inicial. Esse procedimento pode ser feito diversas vezes para acumular mais rejeitos. 

Além disso, dependendo da forma como o alteamento foi construído, um tipo diferente de técnica é usada. Vejamos a seguir quais são essas técnicas:

  • Barragem por alteamento a jusante, em que os alteamentos são construídos sobre os diques anteriores e no sentido da água.
  • Barragem por alteamento de linha de centro, em que os alteamentos são construídos tanto em cima do dique anterior quanto sobre os rejeitos mantendo a simetria da barragem – o que faz com que seja a mais segura dentre as três.
  • Barragem por alteamento a montante, em que os alteamentos são sucessivamente construídos sobre o rejeito e no sentido contrário ao fluxo de água. Essa técnica é considerada a mais perigosa para a população e está proibida de funcionar ou de ser construída no Brasil após os rompimentos ocorridos em 2015, na barragem de Mariana (MG) e, em 2019, na de  Brumadinho (MG). Nós, do CRIAB, consideramos esses rompimentos desastres-crime, mas vamos falar mais sobre isso em outro post.

Na imagem a seguir, podemos ver alguns exemplos de técnicas de alteamento de barragem, o que também explicaremos com mais detalhes futuramente. 

Figura 1: os três tipos de alteamento de barragem rejeitos.
Créditos: Viviane Zhu

Por serem construções imponentes que ocupam grandes áreas de extensão, as barragens oferecem riscos ao meio ambiente. Isso quer dizer que elas afetam vidas humanas e não humanas, bem como o ecossistema em geral, ou seja, a fauna, a flora, o solo, a água e o ar, que compõem de modo sinérgico o território que as cercam. Por esse motivo, elas são classificadas por sua periculosidade. Um dos meios de classificação segue o Dano Potencial Associado (DPA), que pode ser alto, médio ou baixo. Essa nivelação está relacionada às perdas econômicas, sociais e ambientais causadas pela potencial ruptura das barragens. Elas também são classificadas em Categorias de Risco (CRI), podendo ser alto, médio ou baixo, a partir da observação das características técnicas, do estado de conservação, do volume de armazenamento e do atendimento ao plano de segurança. É a partir dessas classificações que a periodicidade das inspeções e das manutenções será definida. 

As grandes empresas que gerenciam os trabalhos de mineração, por exigência de normas públicas, devem instaurar medidas como a Segurança de Barragem, que começa com um projeto inicial da estrutura, gerando uma licença de funcionamento e seguindo com manutenção constante. Por vezes, o técnico de fiscalização, a serviço do Estado, observa a necessidade do descomissionamento (desativação) da barragem, feito por empresas terceiras. A segurança da barragem é de responsabilidade da empresa que a administra, bem como o cuidado com as estruturas no que se refere ao seu envelhecimento, à ocupação nos vales a jusante e a desastres-crimes, gerados por tais alterações. 

No próximo post, falaremos sobre onde estão as barragens brasileiras.

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Referências:
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Brasil). Relatório de segurança de barragens 2019 / Agência Nacional de Águas e Saneamento básico. — Brasília: ANA, 2020.
CRUZ, Ana Paula Leal P.; SILVA, Bianca de Jesús. Barragens de rejeitos da mineração: Conceitos, estrutura, funcionamento e desdobramentos de seu rompimento. Campinas, Maio 2021.
VALE S.A. Entenda as barragens da Vale. 2019. Disponível em: <http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/servicos-para-comunidade/minas-gerais/atualizacoes_brumadinho/Paginas/Entenda-as-barragens-da-Vale.aspx>. Acesso em: 15 jul. 2021.
ZHU, Viviane. Barragens: finalidade, tipos, riscos e a nova lei. 2020. Disponível em: <http://petcivil.blogspot.com/2020/10/barragens-finalidade-tipos-riscos-e.html>. Acesso em: 15 jul. 2021.