Células-tronco embrionárias: mais do mesmo, mas com um pouquinho de Isabella.

Aqui a notícia:

Cientistas e juristas questionam pesquisas com células-tronco
Grupo divulgou um manifesto contra pesquisas com células-tronco embrionárias.
Tema está em discussão no STF; julgamento foi interrompido em março.

Não vi a declaração, mas os dois pontos ressaltados na reportagem são argumentos já exaustivamente debatidos: a vida começando na concepção (só que a questão não é com a vida, a questão é quando começa o “indivíduo”); e o direito dos pais sobre a vida dos embriões. Aqui o argumento ganha um novo fator apelativo, onde até a onipresente menina Isabella é citada como mau exemplo do poder de vida e morte que pais têm sobre os filhos. Grande argumento, que acaba caindo no anterior: e se um embrião não for considerado uma criança? Gente, vamos tentar não apelar, ok?

Resumindo, a notícia é esta: Nada de novo.

Veja o que já foi escrito sobre isto neste blog

Deu na Nature: Definindo o que é “natural”

de Defining ‘natural’, Nature

Pensando evolutivamente é importante estranhar o que não parece natural. Qualquer coisa fora do comum pode ser perigosa. Mas a origem evolutiva desta resposta também garante que ela será guiada mais pela emoção que pela razão.

Dois exemplos: Thomas Beatie, a mulher que trocou de sexo e agora está grávida, gerou reações muito viscerais nas pessoas. Elogios da apresentadora Oprah e de grupos de minorias sexuais, e revolta, até mesmo nojo, de muitas outras. Sendo que estas últimas alegam que isto não é natural. O que não é natural? Desejar ter um filho? Isto é um desejo humano, natural em homens, mulheres e transexuais. Uma mulher querer ser homem? Comportamento sexual invertido não é raro de achar em humanos ou em não-humanos. Apesar da biotecnologia ser capaz de mudar cada vez mais nossa constituição biológica, ela ainda não criou nada “anormal” por definição.


Outro caso é o do doping mental (já discutido neste blog). Estas drogas têm efeitos colaterais, mas nada muito diferente dos efeitos da cafeína. Mas a “anormalidade” dessas substâncias deixa até mesmo os tomadores de café desconfiados. Dizem que os resultados obtidos com as drogas seriam menos válidas por não serem naturais. Mas afinal, o que é natural? Óculos, aparelhos de audição e próteses também não são naturais. E quanto a provas e exames, seriam os cursinhos preparatórios não-naturais? Deveríamos tirar pontos de quem fez cursinho?

O nosso conceito de natural depende de a que estamos acostumados, e vai evoluir com a tecnologia. Durante o descompasso, já que a tecnologia anda muito mais rápido, não podemos nos distrair das verdadeiras questões éticas, que no caso de Beatie seriam a saúde, a segurança e o emocional da criança. Tentar decidir estes assuntos éticos baseando-se em conceitos fluidos seria estupidez, naturalmente.

Vanity Fair homenageia defensores da natureza. E no Brasil?

A famosa revista de entretenimento e cultura Vanity Fair traz perfil e fotos de pessoas engajadas nas questões ambientais. De “prêmios-nobel” a atores e músicos e com toda superprodução das fotos, que lhe é característica, a revista não hesita em chamá-los de heróis.

E no Brasil, quem colocaríamos numa reportagem assim? Marina Silva?
Christiane Torloni e a dupla Dom Cappio e Letícia Sabatela com certeza estariam. Afinal, a quem o povo vai ouvir?

Comentando: Cientistas criam primeiros embriões híbridos do Reino Unido

da Efe, em Londres via Folha

Cientistas da Universidade inglesa de Newcastle foram os primeiros no Reino Unido a criar embriões híbridos de humanos e animais, afirmou nesta quarta-feira a “BBC”.

De acordo com a emissora, estes embriões, desenvolvidos a partir da inserção de material genético de células epidérmicas humanas em óvulos sem núcleo de vaca, sobreviveram até três dias.

Veja o que já foi escrito sobre o assunto aqui no RNAm.

Comentando: Pesquisa mostra o câncer como doença gerenciável dentro de dez anos

RAFAEL GARCIA
da Folha de S. Paulo

Dentro de dez a quinze anos, provavelmente ainda não haverá algo que possa ser chamado de uma cura para todos os tipos de câncer, mas esta será uma doença “administrável”. É a opinião do oncologista Júri Gelovani, do Centro M.D. Anderson de pesquisa contra o câncer, da Universidade do Texas.
“Provavelmente, no futuro, nós converteremos o câncer em uma doença que poderemos detectar cedo e que possamos administrar, da mesma forma que administramos hipertensão, diabetes e epilepsia”, disse Gelovani à Folha. “Deixaria de ser uma doença que chamarmos de ‘grave’ para se tornar gerenciável.”
Devo concordar com o doutor Júri Gelovani. Curar parece impossível, mas administrar sim é um objetivo que me parece muito bom e mais factível.
Porque a cura seria impossível? Primeiro que o câncer não é uma doença só, mas várias. Suas características dependem do tecido em que se inicia e das mutações que o geraram. Caímos aqui no fatídico clichê “cada caso é um caso” (e vice-versa, como algum piadista diria).

Mesmo assim isto torna a doença difícil mas não impossível de ser curada. O principal problema do câncer é que ele é uma falha em um mecanismo muito importante na vida de uma célula: o seu próprio ciclo de vida. O tratamento ou prevenção ideal para o câncer seria o envelhecimento precoce ou a morte, pois são nestes dois casos que as células não estão se duplicando. Mas enquanto houver reprodução celular, com replicação (duplicação) de DNA, haverá chance de erro (mutação), o que uma hora ou outra dentro de um organismo com milhares de milhões de células vai acontecer. Ou seja, se tudo der certo na sua vida, nenhum acidente ou ataque cardíaco, provavelmente haverá um câncer.

Mas não é tempo de desespero. É isso que o doutor da reportagem prevê e que em parte já é uma realidade. Não se pode dar 100% de certeza de cura para alguém, mas temos métodos diagnósticos e tratamentos que estão se desenvolvendo cada vez mais, o que permite tratamento eficaz nos primeiros momentos da manifestação de cada tumor. Quantas pessoas já tiveram câncer várias vezes e estão firmes por aí? A questão é tornar o tratamento mais leve, com menos efeitos colaterais e ação mais específica. Quem sabe então o câncer deixará de meter tanto medo.

Células-tronco: votação, bastidores e conspiração

Está chegando o grande dia da votação da lei de Biosegurança que vai autorizar ou não o uso de embriões para pesquisas. Claro que a mídia está atenta a isso. Aqui está uma reportagem do Bom Dia Brasil da Globo, que foi ao ar recentemente. Muitos cientistas já velhos conhecidos da mídia apareceram: Mayana Zatz e Luis Gowdak (por sinal esta parte foi gravada no laboratório em que trabalho no INCOR), por exemplo.
O que chama atenção é a presença de uma ilustre desconhecida para mim e meu colegas de laboratório: Dra. Lilian Piñero Eça. E chama mais atenção ainda por falar de maneira pejorativa sobre células-tronco embrionárias. Dizendo que se forem injetadas em pessoas para tratamento de doenças elas podem gerar rejeição e tumores.

Bem, isso é verdade, mas o fato é que ninguém pensa em simplesmente injetar células-tronco de um embrião numa pessoa como tratamento! O que se quer é estudar a biologia de células-tronco para, a partir deste conhecimento, se pensar em tratamentos.
Mas como uma cientista pode ter falado algo tão impreciso e tendencioso num momento de tomada de decisão tão delicado como este? Simples: ela não é uma cientista.

Existe uma ferramenta online muito interessante, se chama Plataforma Lattes, e é onde qualquer um pode achar o currículo de todos os pesquisadores brasileiros ou que trabalham aqui. Vejam o currículo da tal Lilian . Como ponderar se um pesquisador é bom ou não? A primeira coisa que se olha é o número de publicações em periódicos, das quais Lilian Piñero Eça não possui nenhuma!

Mas por que raios alguém entrevistaria uma pessoa sem formação apropriada? Dois motivos: 1-jornalistas não conhecem a plataforma Lattes, e 2- Lilian foi a pesquisadora responsável pela orientação da abertura da Ação Direta da Inconstitucionalidade da Lei da Biossegurança – ADIN, em maio de 2006 a pedido do procurador geral da República Dr. Claudio Fonteles. Ou seja, foi ela quem “orientou” cientificamente a proibição do uso de células-tronco embrionárias em 2006.

E como alguém sem peso científico algum pode ser orientadora científica de uma ação política tão importante? Veja esta matéria reveladora de Dário Ferreira em seu blog (as opiniões da referência não refletem inteiramete as minha opiniões). Conspiração? Estaria a Igreja trabalhando nos bastidores usando Lilian como testa-de-ferro? Afinal, é estranho alguém trabalhando com células-tronco receber tantas menções de religiosos,posar para foto na defesa de tese e até receber prêmios da CNBB (Congregação Nacional dos Bispos do Brasil), como vemos também em seu currículo.
Nada contra a Igreja tentar colocar seu posicionamento na questão e usar cientistas que apóiem sua visão, desde que este apoio seja às claras e eles sejam cientistas de verdade!

Seja lá como for o estrago, se houve, já está feito. Quarta-feira a lei será votada e será definitiva sua decisão.
Está aí a importância de se transpor o conhecimento científico para os não cientistas. Afinal muitos deles são jornalistas ou importantes tomadores de decisão, e eles têm uma influência direta na pesquisa como estamos vendo com o caso das células-tronco.

Farejando cânceres e fontes

Desculpe a redundância de assunto, mas peço que não me culpe. Culpe sim as agências de notícias nacionais e mundiais. Mais uma reportagem com informações incompletas, sem link para fontes, e fontes que mesmo com eforço não pude achar.

‘Nariz artificial’ permitirá encontrar tumores cancerosos

E desta vez percebi que quase todos os sites de notícias mais importantes (globo, uol, terra, folha) simplesmente recortaram e colaram a notícia de uma fonte (EFE), que a copiou de outra fonte (Yedioth Ahronoth, site de notícias israelense no qual não achei a referida reportagem).

Será que só eu fiquei curioso em saber o COMO do funcionamento do tal aparelho, ou é o tipo de informação que não poderia faltar nesta notícia?