A fraqueza da ciência

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Cena do seriado CSI: investigação dos resultados científicos.

A má fé existe também no mundo científico. Nada de novo nesta afirmação, afinal todos sabemos que as pessoas têm o toque de rei Midas às avessas: sempre estragando no que elas põem a mão.

“Quase nove por cento dos 2.012 cientistas de 605 instituições
pesquisadas pelo Escritório de Integridade Científica (ORI, na sigla em
inglês), uma agência de monitoramento de pesquisas científicas nos EUA,
disseram ter testemunhado algum tipo de fraude ou conduta inadequada
nos últimos três anos. A agência estima que todo ano ocorram três
incidentes de fraude para cada 100 pesquisadores.”  – Saswato R. Das

Sim, a ciência pode errar. Mas fique claro que ela erra na sua prática, não na sua teoria. Afinal, sendo a ciência apenas um conjunto de métodos que busca sempre o que for estatisticamente relevante, não tem muito como estar errada nesta teoria.

Mas pra quem não sabe como isto funciona na prática da ciência vou dar um exemplo recente. Semanas atrás os autores de um artigo publicado na Nature em 2000 pediram retratação do artigo. Traduzindo: “Sabe aquele trabalho que a gente fez em 2000? Esquece. Finge que não aconteceu”.

A Fraude

O trabalho liderado pelo sulcoreano Hyun Chul Lee consistia em um tratamento para a diabetes tipo 1, doença em que o sistema imune do corpo acaba destruindo as células produtoras de insulina. O tratamento seria feito pela introdução de um gene da insulina, usando um vírus (terapia gênica), em algumas células que passariam a produzir a insulina. Isto tudo em ratos e camundongos, mas com grandes esperanças de funcionar em humanos.

Muito interessante, com resultados claros de melhora, mas ninguém mais conseguiu repetir o resultado. Nem mesmo os próprios autores, que pressionados, pediram a retratação do artigo. Praticamente um atestado de fraude.

A faculdade sulcoreana Yonsei, responsável pelo laboratório, abriu investigação e acabou pedindo a retratação, já que constatou duplicação de figuras e não encontrou o gene usado no trabalho. Foram analisados cadernos de anotações e teses relacionadas ao trabalho. E é aqui que aparece a maior fraqueza da pesquisa científica: maquiagem de dados.

Afinal, se toda pesquisa é inédita e ninguém sabe o resultado que terá, se um pesquisador traquinas inventar um resultado, editar uma figura, mudar uma tabela, como saberemos que se trata de farsa?

Mais casos de fraude:

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O mais famoso foi o da fusão a frio: Em 1989 dois físicos químicos anunciam o sonho da humanidade, a fusão a frio, que seria um modo de fazer energia quase ilimitada e limpa. Provou-se manipulação de dados entre outras imposturas científicas.

Células-tronco humanas clonadas: o caso do sulcoreano Woo Suk Hwang ficou famoso a alguns anos por estar na moda. Alegou ter clonado células-tronco humanas, coisa que se tentava fazer a algum tempo já. Provou-se que além de maquiar dados ele ainda usou óvulos humanos doados por membros de seu grupo de pesquisa. Isso incorre em problemas éticos, pois não há como saber se a orientada do professor não foi forçada a doar os óvulos.

Onde surge a verdade

Mas aqui, na fraqueza, surge também a força da ciência. Porque se um resultado aparece isolado e não pode ser reproduzido, este é o fim da linha para ele. Pode até render uma publicação na Nature, mas nunca vai se tornar um tratamento, uma tecnologia, ou algo a ser utilizado e lembrado realmente.

Existe este auto-controle científico, o que não justifica o aparecimento de fraudes. Afinal grande parte das pesquisas é feita com dinheiro público. No caso das fraudes das células-tronco e da fusão a frio, milhões foram investidos. Claro que uma minoria das pesquisas, mesmo as bem feitas, realmente dá um resultado positivo e relevante, afinal é como dizem, em pesquisa 90% do tempo é para 10% dos resultados. Agora, perder dinheiro com pesquisas falsas e enviesadas para a glória de um país ou pesquisador é algo inaceitável.


Como controlar?

Alguns controles são feitos. Algumas publicações, como Science e principalmente o The Journal of Cell Biology passam as imagens que recebem dos autores para publicação por uma análise, como exemplificada nesta imagem abaixo do trabalho de Hwang.

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Legenda da imagem: Acima está a imagem original enviada e publicada, que representaria diferentes culturas de células. Abaixo um pequeno ajuste no photoshop revela qua as duas imagens do meio são iguais e foram repetidas.

A Nature usa o método de amostragem, escolhendo um trabalho por edição para o pente fino. Os críticos deste método preferem chamá-lo de roleta russa.

A mesma Science ficou traumatizada com o caso Huang e após deliberações adotou uma rotina de dar atenção maior a trabalhos “arriscados”. Seria uma classificação pelo nível de impacto popular de cada trabalho, presença de resultados contra-intuitivos ou inesperados, ou que tocam questões políticas controversas. Estes seriam os que passariam por um escrutínio maior.

Ideal seria devassar ao máximo todos os trabalhos, mas parece ser algo impraticável.

Quanto mais travas de segurança houver, desde que não atravanquem o pesquisador com burocracia, melhor investido será o nosso dinheiro.

Quanto à construção do conhecimento científico podemos ficar tranqüilos, os charlatões sempre terão seus castelos de carta derrubados pelos tijolos dos fatos, cedo ou tarde.

Células reprogramadas: a promessa nascida em 2008

Saiu na revista Science a eleição do “breakthrough of the Year”, ou seja, a coisa que estourou a boca do balão no ano que passou.

E as células pluripotentes induzidas foram as escolhidas.

A técnica é simples: Pega-se uma célula adulta (da pele por exemplo), ativa-se 3 ou 4 genes nela e esta célula se comportará com uma células embrionária. Podendo dar origem a outros tipos celulares como células cardíacas e neurônios.

No futuro elas poderão tudo e muito mais do que se planejava fazer com as células-tronco embrionárias.

Aqui um videozinho da Science falando da história toda e um texto comentando. Aviso: está em inglês, e na página da Science, por isso não sei se você terá acesso. Caso não consiga, eu tentei.

Células-tronco: votação, bastidores e conspiração

Está chegando o grande dia da votação da lei de Biosegurança que vai autorizar ou não o uso de embriões para pesquisas. Claro que a mídia está atenta a isso. Aqui está uma reportagem do Bom Dia Brasil da Globo, que foi ao ar recentemente. Muitos cientistas já velhos conhecidos da mídia apareceram: Mayana Zatz e Luis Gowdak (por sinal esta parte foi gravada no laboratório em que trabalho no INCOR), por exemplo.
O que chama atenção é a presença de uma ilustre desconhecida para mim e meu colegas de laboratório: Dra. Lilian Piñero Eça. E chama mais atenção ainda por falar de maneira pejorativa sobre células-tronco embrionárias. Dizendo que se forem injetadas em pessoas para tratamento de doenças elas podem gerar rejeição e tumores.

Bem, isso é verdade, mas o fato é que ninguém pensa em simplesmente injetar células-tronco de um embrião numa pessoa como tratamento! O que se quer é estudar a biologia de células-tronco para, a partir deste conhecimento, se pensar em tratamentos.
Mas como uma cientista pode ter falado algo tão impreciso e tendencioso num momento de tomada de decisão tão delicado como este? Simples: ela não é uma cientista.

Existe uma ferramenta online muito interessante, se chama Plataforma Lattes, e é onde qualquer um pode achar o currículo de todos os pesquisadores brasileiros ou que trabalham aqui. Vejam o currículo da tal Lilian . Como ponderar se um pesquisador é bom ou não? A primeira coisa que se olha é o número de publicações em periódicos, das quais Lilian Piñero Eça não possui nenhuma!

Mas por que raios alguém entrevistaria uma pessoa sem formação apropriada? Dois motivos: 1-jornalistas não conhecem a plataforma Lattes, e 2- Lilian foi a pesquisadora responsável pela orientação da abertura da Ação Direta da Inconstitucionalidade da Lei da Biossegurança – ADIN, em maio de 2006 a pedido do procurador geral da República Dr. Claudio Fonteles. Ou seja, foi ela quem “orientou” cientificamente a proibição do uso de células-tronco embrionárias em 2006.

E como alguém sem peso científico algum pode ser orientadora científica de uma ação política tão importante? Veja esta matéria reveladora de Dário Ferreira em seu blog (as opiniões da referência não refletem inteiramete as minha opiniões). Conspiração? Estaria a Igreja trabalhando nos bastidores usando Lilian como testa-de-ferro? Afinal, é estranho alguém trabalhando com células-tronco receber tantas menções de religiosos,posar para foto na defesa de tese e até receber prêmios da CNBB (Congregação Nacional dos Bispos do Brasil), como vemos também em seu currículo.
Nada contra a Igreja tentar colocar seu posicionamento na questão e usar cientistas que apóiem sua visão, desde que este apoio seja às claras e eles sejam cientistas de verdade!

Seja lá como for o estrago, se houve, já está feito. Quarta-feira a lei será votada e será definitiva sua decisão.
Está aí a importância de se transpor o conhecimento científico para os não cientistas. Afinal muitos deles são jornalistas ou importantes tomadores de decisão, e eles têm uma influência direta na pesquisa como estamos vendo com o caso das células-tronco.

“Eu sou a lenda” e o deserto do real

Um motivo inusitado me levou ao cinema esta semana. Não que eu não vá ao cinema regularmente, apenas o motivo desta vez foi diferente.

O filme “Eu Sou a Lenda” com Will Smith é um bom filme de entretenimento. Divertido, ele abusa de uma fantasia recorrente nas pessoas: e se somente eu sobrasse no mundo? Eu prometo não contar o final nem muitos detalhes do filme, apenas algumas coisas que aparecem bem no começo. O que se revela logo no inicio do filme é justamente o meu motivo especial. Uma entrevista com uma cientista falando que usando um vírus modificado foram capazes de curar o câncer. A metáfora usada é até bem feliz: imagine que o seu corpo é uma estrada, e um vírus um carro muito veloz com um motorista muito mau. Agora imagine que substituímos o motorista mau por um policial. Bom, isto não é pura ficção. Aliás, é com isso que eu trabalho no dia-a-dia. Trocando quem está por trás da direção do vírus.

O que nós fazemos é trocar alguns pedaços do DNA do vírus por outros que podem matar as células de câncer. É isso que chamamos de Terapia Gênica. Usamos genes, que são trechos de informação de DNA, ao invés de remédios comuns. As vantagens? Ao invés de tomar um remédio, que pode se espalhar pelo corpo todo, um vírus pode carregar o “gene-remédio” para apenas algumas células específicas, como as de câncer por exemplo. Claro que a história não é assim tão simples. Podemos usar vários vírus, e manipulá-los de diversas maneiras. E os focos sempre são dois: eficácia no tratamento e segurança. A principal preocupação é evitar que o vírus que usamos, que pode ser derivado da gripe, por exemplo, cause uma infecção de gripe. O que fazemos é tirar todo o DNA possível do vírus original.

Esses vírus são tão seguros que até mesmo vírus derivados do HIV são usados, pois eles não possuem a informação que o permite infectar as células a sua maneira. Mesmo alguns vírus já sendo tão seguros ainda não são usados amplamente na medicina. Simplesmente por se tratar de um organismo estranho ao corpo humano, os cuidados são redobrados, e as agências reguladoras das pesquisas são muito conservadoras, e com razão, nesse tipo de assunto. Muitos estudos em humanos estão sendo feitos, e estes pacientes devem ser observados por muito tempo para nos assegurarmos de que é seguro.

Até aqui só falamos da primeira cena do filme e o seu paralelo na realidade. Agora vem a segunda cena: a cidade de Nova Iorque totalmente abandonada, varrida por uma epidemia deste vírus apenas três anos após a fictícia entrevista da cientista. Não se explica o que aconteceu de maneira clara. Parece que o vírus sofreu uma alteração aleatória que o transformou em um matador transmitido pelo ar.

Isso me faz perguntar se as pessoas que assistem a este tipo de filme se impressionam com as informações “científicas” a ponto de a usarem como base para seus julgamentos. Gente falando, por exemplo, “aquele filme mostra como a ciência pode ser destrutiva.” Como o espectador pode saber até que ponto a informação do filme tem base no real (terapia gênica é real) ou é imaginação pura (o vírus usado na terapia não pode ser mais perigoso que o vírus que o originou). Este filme faz um serviço de divulgação científica ou um desserviço ao dar uma perspectiva catastrófica?

Não quero ser o chato a censurar a arte pelo rigor científico. O que me preocupa é a falta de conhecimento básico sobre ciência na população. Não que todos precisem de conhecimentos em biologia molecular, mas o pensamento crítico, tão característico da ciência, seria de grande ajuda para qualquer um poder interpretar a arte e a vida real de maneira mais profunda e proveitosa.