Um professor rio abaixo

Este Blog Action Day sobre a água caiu bem no dia do professor. E eu com essa mania pragmática e direta de resumir tudo e fazer duas coisas ao mesmo tempo não me contive e pensei no que uma coisa podia se ligar a outra, e acabei me lembrando da experiência mais fantástica da minha vida. Uma experiência didática sobre a água (não que eu tenha caminhado sobre ela) que mudou mesmo minha vida pra sempre.

Foi durante a graduação em biologia, quando tínhamos aulas de prática de ensino que consistiam em aulas teóricas por um semestre e no outro aulas reais na rede pública de Rio Claro, interior paulista.

A enrascada começa no ensino fundamental, no qual o conteúdo não respeita a minha tacanha formação biológica e eu podia pegar aula de matemática, português, ciências sociais e, com muita sorte, ciências, que ainda sim engloba TODAS as ciências básicas. [adendo – interessante que a única aula que eu não corria o risco de pegar era a de educação física. Essa mania de separar essa aula das outras é uma coisa que sempre me incomodou, mas deixo esta saga para os educadores físicos.]

Sorteada a sala de aula, fico com uma quinta série em aulas de geografia. O tema é rios e relevo.

Hum… e agora? Foi importante ter uma biblioteca didática na faculdade, não cheia de livros, mas com material como mapas, globos e maquetes. E foram essas coisas que me deram o insight. Peguei emprestado e fui pra aula com um mapa do estado de São Paulo, um globo terrestre e uma maquete do relevo do rio Tietê.

Chegando lá, mapa na parede, aponto o rio e pergunto “Pra onde o rio aqui corre?”
“Dâââ fessor, de cima pra baixo até o mar, né! (professor besta)” disseram e pensaram os alunos.
Etapa 1 concluída
rio tietê.jpg

http://blogactionday.change.org/Eita rio danado que corre pra cima!


Agora a etapa 2 foi a maquete. Ela mostrava um corte do rio e revelava o perfil do relevo do Tietê. E eita rio danado que, ao contrário de quase todos os outros, nasce no mar e corre para o meio do continente ao contrário de todos os outros.

Ok, na verdade não nasce no mar, mas na Serra do Mar, e vem descendo até encontrar o rio Paraná.
Passei para a próxima etapa: colocar o mapa sobre a mesa com a maquete do relevo em cima. E veio a pergunta novamente: “pra onde corre o rio Tietê?”. Hum, agora na horizontal é tudo diferente. Mas então o rio pode correr pra cima? Onde é “cima”?

Foi aí que entrou o globo e a mágica aconteceu: não existe “cima” ou “baixo” num mapa; um rio pode correr para cima; pensava uma coisa e agora entendi outra; e outras idéias que eu nem posso imaginar.

Posso dizer que essa foi uma das maiores emoções que já tive na vida, e é esse brilho no olhar da molecada tendo seus insights, quase que em transe, que me acompanha e me impulsionou a inaugurar este blog. Não sou um professor com P maiúsculo, esse é meu hobby. Mas quem sabe meu rio não me leva a ser um professor profissional?

Change.org|Start Petition

Mudanças climáticas: perigosas para o planeta… e para a saúde global. (Blog Action Day 2009)

Na minha contribuição ao Blog Action Day vou abordar um tema ao mesmo tempo preocupante e interessante: o monitoramento de mudanças climáticas para a prevenção de surtos de doenças infecciosas.
ResearchBlogging.orgOs autores do trabalho publicado no periódico Emerging Infectious Diseases (do famoso CDC – Centers for Diseases Control and Prevention, de Atlanta – EUA) comentam como eventos recentes demonstraram a vulnerabilidade de grandes populações a doenças infecciosas. Um único caso de multi resistência a tuberculose em 2007 nos EUA serviu de alerta para toda a infraestrutura de saúde pública global. Agentes de saúde e o público em geral perceberam que a facilidade de locomoção aérea atual pode, potencialmente, expor centenas de pessoas a doenças carentes de tratamento.
Apesar de fatores como: facilidade para viajar, aumento populacional, poluição, atividades agrárias (gripe suína, lembram dela?), entre outros, atualmente nada tem mais potencial para efeitos graves e de longo prazo do que a influência das mudanças climáticas em surtos infecciosos, epidemias, e, como estamos vivenciando com o vírus H1N1, pandemias.
88027207.jpgO desastre natural mais frequente são as enchentes, que, de acordo com dados de 2005, afetavam mais de 70 milhões de pessoas ao redor do mundo. As doenças mais comuns associadas às enchentes são diarréia, cólera, tifo, hepatite e leptospirose. Na literatura existem relatos de surtos graves de cólera diretamente relacionados a enchentes na África e na Índia.
Para piorar, o relatório de 2001 do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) estima que o número de pessoas ao nível do mar atingidas por inundações e enchentes seja de aproximadamente 250 milhões até 2080, considerando uma elevação do nível do mar em 40 centímetros (a altura do seu joelho, mais ou menos).
A cólera, que possivelmente é a doença transmitida por água contaminada mais bem estudada, teve modelagens feitas pela NASA para prever surtos em Bangladesh, sendo que nas áreas monitoradas o número de mortes causadas por essa doença foi reduzido em mais de 50%. A imagem abaixo (desculpem a baixa qualidade, está assim no artigo também) mostra essa modelagem, e a eficiência do modelo de previsão (em amarelo) em relação ao que realmente aconteceu com os casos de cólera no tempo analisado (em verde).
ModelagemColera.jpg

Modelagem da NASA para os casos de cólera em Bangladesh (dados não publicados de Colwell & Calkins)


A comunidade cientítica encontra-se num relativo consenso que os riscos de doenças epidêmicas e pandêmicas será bastante aumentado por mudanças climáticas que desestabilizam o comportamento regular do clima, alteram a distribuição de vetores dessas doenças (como mosquitos, roedores, e etc.), e aumentam o risco de transmissão por meios de transporte.
A elaboração de modelos preditivos pode levar a um maior entendimento da sequência de eventos em surtos infecciosos, e potencialmente prevenir futuras epidemias através da criação de ações de monitoramento, prevenção adequadas, junto a ações coordenadas de combate quando o processo de infecção encontra-se em seu início.
Com certeza o desenvolvimento de melhores técnicas de análise pode ter grande impacto em nos auxiliar a conter esses episódios num futuro próximo. Como já estamos vendo um grande exemplo dessas ações coordenadas no caso da gripe suína, vale à pena prestarmos atenção às novidades na área de modelagem climática associada a prevenção de doenças!
Quer ler mais textos relacionados ao Blog Action Day? Recomendo as contribuições dos blogs O Divã de Einstein, Ecodesenvolvimento (que fez um apanhado de textos muito bons de vários blogueiros), Rastro de Carbono (com a ótima ideia de um post multi direcionado), Gene Repórter, Uma Malla Pelo Mundo, Xis-xis e muitos outros na web, procurem e divulguem!
O Blog Action Day é um evento anual que reúne blogueiros de todo o mundo postando textos sobre o mesmo assunto, no mesmo dia. O objetivo é disseminar uma discussão mundial e simultânea sobre um tema de interesse coletivo, sendo o maior evento de mudança social na web. O tema desse ano, como vocês perceberam, é “Mudanças Climáticas”.
O lema da iniciativa é:
“Um dia. Um tema. Milhares de vozes.”


Quer conhecer mais sobre esse evento? Acesse a página do Blog Action Day clicando na imagem acima. Para acompanhar o Blog Action Day no Twitter, busque a hashtag #BAD09
Ford, T. (2009). Using Satellite Images of Environmental Changes to Predict Infectious Disease Outbreaks Emerging Infectious Diseases, 1341-1346 DOI: 10.3201/eid1509.081334