Discordando de E.O. Wilson (pode?!)

Prometo que eu não fiquei maluco. Ainda. Primeiro: esse post não é para todo mundo. Se você não curte ciência a ponto de discutir a discussão, tchau e até o próximo.

Eu tive um professor de Matemática no cursinho que antes de começar os exercícios mais difíceis no final de cada aula, dizia: “Esse é só para os coreanos. Não vai prestar Exatas, Medicina? Quer Letras, Biologia? Pode sair, vai jogar truco que você ganha mais. Só quero o povo cabeçudo aqui!”.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9d/Plos_wilson.jpg
E.O. Wilson: biólogo, lenda e criador de discórdia entre divulgadores de ciência. Percebam seu sorriso maléfico enquanto observa os mortais se matando na discussão.

Voltando ao assunto: apesar de a experiência em geral ter sido ótima, algumas partes do livro Letters to a Young Scientist do biólogo-lenda-extraordinaire Edward O. Wilson me incomodaram muito. No calor da confusão, resolvi listar alguns pontos e fazer algo bem 2009: criar um debate com os amigos do SBBr e da rede de divulgação científica BR.

Tenho certeza que as opiniões de vários deles, mais especializados e estudados em teoria científica e evolução do que eu, acrescentarão muito à discussão.

Vamos começar: em negrito e aspas, a citação do livro, em Inglês para vocês não questionarem a minha tradução. Meu comentário seguirá abaixo e fiz questão de não consultar nada antes de escrever, para fomentar a discussão. I want feedback, people!

1) Após testar experimentalmente duas hipóteses sobre o comportamento de retirada dos mortos de colônias de formigas, Wilson comenta:

“I then came up with another idea: insects of all kinds that scavenge for a living, such as blowflies and scarab beetles, find their way to dead animals or dung by homing in on the scent. And they do so by using a very small number of the decomposition chemicals present. A generalization of this kind, widely applied, with at least a few facts here and there and some logical reasoning behind it, is a theory. Many more experiments, applied to other species, would be required to turn it into what can be confidently called a fact.”

Fiquei espantado com a afrouxada que Wilson deu no conceito de “teoria” em Ciência. Uma teoria científica não é definida quando existe um amplo corpo experimental e de observações que, respeitando o método científico, confirmam uma generalização e possibilitam a teoria? Para mim, “alguns fatos aqui e ali” é uma descrição muito pobre dessa complexidade.

2) “… when research is still incomplete, the idea is a theory. If the theory is proved wrong, it was not necessarily also altogether a bad theory. At least it will have stimulated new research, which adds to knowledge.”

Novamente, o problema com a definição de teoria científica. Mas nesse caso, é importante comentar a segunda frase do trecho destacado. Ao contrário do que foi escrito por Wilson, quando uma teoria científica é provada errada, incompleta ou qualquer outra coisa, o que acontece é um grande, enorme movimento no meio científico. Dizer que “enquanto a pesquisa está incompleta a ideia é uma teoria” é leviano, o que significa “pesquisa incompleta”? E uma teoria que é uma ideia, na verdade é uma hipótese, ou não cairia com base em uma única pesquisa. Ou estou errado?

3) “What remais a theory still is that evolution occurs universally by natural selection, the differential survival and successful reproduction of some combinations of hereditary traits over others in breeding populations. This proposition has been tested so many times and in so many ways, it also is now close to deserved recognition as an established fact.”

Vou acrescentar outro trecho, pois a discussão converge:

“Does biology also have laws? I have been so bold in recent years as to suggest that, yes, biology is ruled by two laws… The second law of biology, more tentative than the first, is that all evolution, beyond minor random perturbations due to high mutations and random fluctuations in the number of competing genes, is due to natural selection.”

Longe de mim querer discutir evolução por seleção natural, o meu problema foi com o “universalmente” e com “toda evolução… é produto da seleção natural”. Vou deixar a minha falta de conhecimento específico no tema dirigir a conversa: pensando tanto em macro quanto em microevolução, processos de deriva genética, epigenética, radiação adaptativa e evolução molecular são considerados parte da seleção natural?

Com a certeza de já ter colocado conteúdo demais para uma discussão, termino por aqui. Conto com a participação de vocês e, mais importante: divirtam-se!

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Quer acessar artigos científicos sem assinatura ou melhorar sua leitura no computador? O NCBI pode ajudar!

O National Center for Biotechnology Information (Centro Nacional para “Biotecnologia da Informação”), ou NCBI, tem duas ferramentas excelentes para ajudar quem gosta de ler artigos científicos e também para quem não aguenta mais ler esses arquivos em PDF no computador.

A primeira recomendação é para quem não tem acesso às assinaturas caríssimas de periódicos científicos. Chama-se PubMed Central http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/ e é um braço da base dados PubMed que possui conteúdo 100% aberto, independentemente de qualquer tipo de assinatura, cadastro, afiliação etc.

PubmedCentral

É só acessar o link e fazer uma busca pelo assunto de interesse. Encontrou os artigos? Pode baixar quantos quiser!

A outra ferramenta do NCBI que quero indicar é uma novidade que me agradou muito: o PubReader http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/about/pubreader/ foi desenvolvido para oferecer uma leitura otimizada dos artigos disponíveis na PubMed Central. Direto do browser, sem PDF.

Cliquem na imagem abaixo para uma explicação rápida de como ele funciona e no link de exemplo para ver como um artigo é apresentado no PubReader:

PubReader

Exemplo: Correlation analysis of the side-chains conformational distribution in bound and unbound proteins (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3479416/?report=reader).

Pessoalmente, adorei a nova apresentação e torço muito para que essa ferramente seja replicada para outras bases! Aposto que vai ser especialmente bom para leitura em tablets e smartphones.

E vocês, o que vocês acharam do novo visual?

 

P.S. 1: Tenho que mencionar que o Brasil também possui uma opção muito boa de acesso livre a periódicos chamada Portal Periódicos CAPES http://www.periodicos.capes.gov.br/, mas vou escrever um texto específico sobre ele que vale à pena.

P.S. 2: Sim, estou vivo e a maior novidade de todas é que estou morando nos EUA desde Setembro. Vim para cá pelo programa Ciência Sem Fronteiras fazer um ano de doutorado-sanduíche no MIT, em Cambridge. More on that later =)

Qualidades de pós-graduandos bem sucedidos.

*** Esse texto é uma tradução autorizada de “3 qualities of successful Ph.D students: Perseverance, tenacity and cogency”, escrito pelo Prof. Matt Might da University of Utah ***

Todo outono uma nova safra de doutorandos chega à universidade. Desde que tenho procurado por esses estudantes, ouço a mesma pergunta uma dúzia de vezes todo ano: “Quanto tempo demora para se conseguir um Ph.D?”.

Essa não é a pergunta correta.

“Um doutorado pode levar tanto tempo quanto você quiser”, respondo a eles. Não existe um limite para quão rápido você consegue satisfazer todos os critérios da instituição. Uma questão melhor para se fazer é “O que faz um doutorando ser bem sucedido nesse processo?”.

Tendo acompanhado esses alunos em trajetórias de sucesso e fracasso em quatro universidades, percebi que o sucesso nessa pós-graduação está ancorado em três qualidades: perseverança, tenacidade e poder de convencimento.

Se você está fazendo doutorado ou pensando em começar um, leia.

O QUE NÃO IMPORTA
Existe uma concepção errada de que um Ph.D precisa ser esperto. Isso não pode ser verdade.

Uma pessoa esperta saberia que fazer doutorado não é lá uma ideia muito inteligente.

Qualidades de alguém “esperto” como brilhantismo e raciocínio rápido são irrelevantes numa pós-graduação. Estudantes que chegaram até esse ponto confiando apenas em seu brilhantismo e capacidade de raciocínio abandonam os programas de pós com uma previsibilidade irritante. Não duvide: ser brilhante e raciocinar rapidamente são características valiosas em outras empreitadas. Mas nenhuma é suficiente ou necessária na ciência.

É claro que ser esperto ajuda. Mas não dará conta do trabalho.

Ainda, como qualquer pós-graduando pode lhe dizer: muitos idiotas conseguem cruzar a linha de chegada e se vão, diploma de doutor em mãos.

Como meu orientador costumava me dizer, “Sempre que me sentia deprimido na pós – quando me preocupava em não conseguir finalizar meu doutorado – eu olhava para pessoas mais burras que eu terminando os seus, e pensava ‘se aquele idiota consegue um doutorado, droga, eu também posso‘“.
(Desde que me tornei professor tenho me percebido repetindo esse pensamento, só que eu troco o ‘conseguir um doutorado’ por ‘ganhar aquele financiamento’.)

PERSEVERANÇA
Para escapar da universidade com um doutorado você precisa estender de modo significativo a fronteira do conhecimento humano. Mais precisamente, você precisa convencer um grupo de experts que guardam essa fronteira de que o fez.

Você pode cursar disciplinas e ler artigos científicos para descobrir onde está essa fronteira.

Essa é a parte fácil.

Mas quando chega o momento de realizar essa expansão, você precisa entrar em sua fortaleza e se preparar para a carnificina de derrotas.

Muitos doutorandos desanimam quando chegam a essa fronteira porque não há mais um teste para realizar ou um procedimento a ser seguido. É nesse momento (entre 2 e 3 anos de doutorado) que os atritos chegam ao ponto máximo.

Encontrar um problema a ser resolvido raramente é difícil. Todos os campos de pesquisa são ricos em problemas abertos. Se encontrar esse problema for complicado, você está no campo errado. A parte difícil de verdade, claro, é resolvê-lo. Afinal, se alguém pudesse lhe dizer como fazê-lo não seria uma questão aberta.

Para sobreviver a esse período você precisa estar disposto a falhar do momento em que acorda até a hora de dormir. Você precisa estar disposto a falhar por dias, meses, talvez anos a fio. A habilidade que você adquire durante esse trauma é estimar a probabilidade de uma nova abordagem funcionar.

Se você perseverar até o final dessa fase, sua mente intuirá soluções para problemas de maneiras que não era capaz no passado. Você não saberá como ela faz isso (eu não sei como a minha faz). Ela apenas fará.

Enquanto adquire essa habilidade, você estará lançando artigos para revisão por pares para descobrir se os outros acham que o que você está fazendo se qualifica como pesquisa. Como a taxa de aceitação em bons periódicos varia entre 8% e 25% a maioria dos seus artigos será rejeitada. Você só pode esperar que, eventualmente, descobrirá como publicá-lo. Se você se dedicar e trabalhar duro o suficiente, conseguirá.

Para estudantes que se destacaram na graduação, a repentina e constante barragem de rejeição e falha é irritante. Se você tem um problema de ego, essa pós-graduação irá resolvê-lo. De modo vingativo. (Alguns egos parecem se recuperar após um tempo.)

Essa fase do doutorado exige perseverança – face a incerteza, a rejeição e a frustração.

TENACIDADE
Para aspirar a uma posição como professor titular após conseguir seu doutorado, você precisa de uma qualidade adicional: tenacidade. Como existem poucos desses cargos disponíveis, há uma competição feroz (porém civilizada) para consegui-los.

Na ciência da computação, um candidato competitivo terá aproximadamente 10 publicações, sendo entre 3 e 5 em periódicos de primeira linha (índice de aceitação de trabalhos inferior a 33%). Somente um título de doutor não garante nem uma entrevista.

Existem algumas boas razões para se conseguir um doutorado. “Porque você quer ser professor” pode ser a única realmente boa. Ironicamente, existe uma boa chance de você não perceber que tem essa vontade até o final da pós. Então, se você vai para a pós faça-a direito para o seu próprio bem.

Para se tornar professor você não pode ter uma única descoberta ou ter resolvido um único problema. Você precisa resolver vários e publicar cada solução. Ao terminar a pós, um arco conectando seus resultados deve emergir, provando aos avaliadores que sua pesquisa possui um caminho produtivo para o futuro.

Você também precisa criar relacionamentos com os acadêmicos do seu campo de modo ativo, agressivo até. Eles precisam saber quem você é e o que está fazendo. Também precisam estar interessados no que você está fazendo.

PODER DE CONVENCIMENTO
Finalmente, um bom aluno de doutorado precisa ser capaz de articular suas ideias de modo claro – pessoalmente e ao escrever.

A ciência é tanto um ato de persuasão como de descoberta.

Uma vez que tenha feito uma descoberta, você precisa persuadir os experts de que você fez uma contribuição legítima e significativa. Isso é mais difícil do que parece. Apenas mostrar “os dados” não funcionará. (Sim, em um mundo perfeito isso seria o suficiente.)

Ao invés disso, você precisa “alimentá-los de colherinha”. Enquanto escreve, precisa conscientemente minimizar a quantidade de tempo e gasto cognitivo que eles precisarão para entender que você fez uma descoberta.

Você pode precisar “sair em turnê” e dar palestras inspiradas para deixar seus pares animados com a sua pesquisa. Quando participar de conferências, você os quer esperando o próximo episódio ansiosamente.

Você precisará escrever resumos atraentes e introduções que fisguem o leitor e façam ele sentir vontade de investir tempo na leitura do seu trabalho.

Você aprenderá a balancear clareza e precisão, para que suas ideias se componham sem ambiguidade ou formalidade em excesso.

Geralmente, os alunos de pós não chegam com boas habilidades comunicativas. Isso é uma capacidade que eles forjam na pós. Quanto mais cedo isso acontecer, melhor.

Infelizmente o único modo de melhorar a escrita é fazê-lo repetidamente. 10000 horas é o número mágico que dizem ser necessário para se tornar um expert em algo. Você nunca chegará nem perto desse número escrevendo somente seus artigos científicos.

Assumindo a pouca prática em escrever para um público antes de se chegar à pós-graduação, se você ficar na pós seis anos até obter seu doutorado, é possível alcançar essas 10000 horas escrevendo 5 horas por dia. (Próximo do final de um doutorado não é incomum ultrapassar 12 horas de escrita diária.)

É por esse motivo que eu recomendo que novos estudantes comecem um blog. Mesmo que ninguém o leia, faça isso. Você não precisa nem escrever sobre o que pesquisa/estuda.

A prática do ato de escrever é tudo o que importa.

*** Esse texto é uma tradução autorizada de “3 qualities of successful Ph.D students: Perseverance, tenacity and cogency”, escrito pelo Prof. Matt Might da University of Utah ***

Doutorado, explicado.

*** Esse texto é uma tradução autorizada de “The illustrated guide to a Ph.D”, escrito pelo Prof. Matt Might da University of Utah ***

Toda primavera eu explico para um grupo de novos estudantes de doutorado o que um doutorado significa.

É algo difícil de se descrever com palavras. Por isso, uso figuras. Veja abaixo o guia ilustrado para um doutorado.

Imagine um círculo que contém todo o conhecimento humano:

Ao terminar o ensino fundamental, você sabe um pouco:

No final do ensino médio, você sabe um pouco mais:

Com um diploma de bacharel você ganha uma especialidade:

Um mestrado aprofunda essa especialidade:

A leitura de artigos de pesquisa em periódicos acadêmicos o leva ao limite do conhecimento humano:

Quando você chega à fronteira, você foca:

Você força essa fronteira por alguns anos:

Até que, um dia, a fronteira cede:

E, a expansão que você criou é chamada “título de doutor”, o Ph.D.

Claro, o mundo parece diferente para você agora:

Portanto, não se esqueça do cenário completo:

Continue forçando.

 

*** Esse texto é uma tradução autorizada de “The illustrated guide to a Ph.D”, escrito pelo Prof. Matt Might da University of Utah ***

P.S: Já fiz outra tradução do Prof. Might, confira aqui http://www.ciensinando.com.br/2012/05/dicas-blogueiros/

Reality check.

Uma das habilidades mais desenvolvidas pelos alunos de pós-graduação – incluindo este que vos escreve – é reclamar.

Achamos a vida de pós-graduando difícil, reclamamos dos horários muitas vezes malucos, da falta de reconhecimento, do pagamento injusto, da carreira concorrida na academia e da falta de desenvolvimento em P&D no Brasil para absorver os mestres e doutores formados. E apesar de muitas dessas reclamações serem válidas, gostaria de deixar um aviso: hoje (09/05/2012) às 14h Ana Amália Tavares Bastos Barbosa defende sua tese de doutorado “Além do corpo: uma experiência em arte/educação”.

“E daí?”, alguns podem perguntar. Começo a resposta pela imagem abaixo:

Ana Amália com seus alunos (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

Ana Amália sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e está paralisada faz 10 anos. Dependendo apenas de movimentos de seu queixo interpretados por computador, ela ensina arte para crianças com paralisia cerebral, pinta e, não satisfeita, desenvolveu um doutorado na Escola de Comunicação e Artes da USP.

Portanto, faça como eu farei de hoje em diante. Quando começar a entrar na espiral “pós-graduando desgraçado”, lembre-se dela, OK?

Fontes:

Mulher paralisada há dez anos por derrame defende tese de doutorado (Folha.com)

Escola de Comunicação e Artes (USP)

 

A valorização do pós-graduando importa?

*** Esse texto faz parte da blogagem coletiva “Qual é o valor do aluno de pós-graduação stricto sensu?” lançada pelo site Pós-Graduando ***

Quando recebi o convite dessa ação, comecei me informando sobre seus objetivos e aproveitei para conhecer a opinião dos autores que já haviam contribuído. E não é que foi exatamente da leitura desses textos que nasceu o meu? Explico.

Constante nos textos foi uma frase que todo estudante de mestrado e doutorado, após alguns momentos de quase surto, se acostuma a ouvir quase com indiferença: “mas você só estuda?”.

Essa indiferença pode ser adquirida de maneiras bem diferentes. Tem gente que desenvolve surdez seletiva, que aprende como um mestre a evitar essa discussão… No meu caso, entendi que quase ninguém que faz essa pergunta tem ideia do que são, como funcionam e quais são os propósitos de um mestrado ou doutorado na área de ciências.

Só que isso vai ser assunto para outro texto e vou aproveitar a oportunidade para escrever não sobre o pós-graduando, mas sobre o Brasil. E para isso vou adicionar à discussão outro ser incompreendido desse país: o professor. E ele tem que se acostumar às suas próprias frases cruéis, como “professor, você só dá aula?” e a campeã “quem não sabe fazer, ensina!”.

[abre parênteses] Imagina quando eu estava ao mesmo tempo na pós e dando aula? [fecha parênteses]

Essas frases, para mim, refletem um único problema: educação. Mais precisamente a importância (ou falta de) dada à Educação, o que tem impacto direto na importância dada à Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI). E essas concepções sobre pós-graduandos e professores são, em grande parte, subproduto da visão do estado brasileiro sobre o tema.

Tenham certeza: a falta de seriedade com que professores e pós-graduandos são encarados em nosso país resulta do descaso brasileiro – governo e cidadão – para com educação.

Não tá fácil prá ninguém... mas tem jeito.

Verdade seja dita, parte desse problema não é exclusividade nossa. Mesmo um país superdesenvolvido científica e tecnologicamente como os EUA têm problemas com a valorização de professores, e os alunos de pós são muitas vezes considerados subempregados. Duvida? Acesse os quadrinhos de Jorge Cham no PHD Comics e veja o cotidiano acadêmico retratado por lá. O conteúdo das tirinhas é humorístico, mas baseado na própria experiência acadêmica do autor. Também é muito comum ele elaborar seus desenhos de sugestões de undergrads e grad students norte-americanos.

Assim, o que esperar de um país que, verdade seja dita, ainda engatinha em direção ao time de “primeiro mundo” da Educação e CTI?

Felizmente isso não é um problema mundial. Na Holanda, por exemplo, grande parte de quem se dispõe a fazer um doutorado assina contrato de emprego e é um trabalhador como outro qualquer. Mesmo nos EUA, que têm problemas parecidos com os nossos, quem se dispõe a tocar um pós-doutorado faz isso como empregado (ao contrário do que acontece no Brasil, onde novamente o sustento é proveniente de bolsas).

Por essas e outras continuo, como um zumbi, recitando o “mantra da resolução dos problemas no Brasil”: educação, educação, educação. Investir com seriedade, paciência e competência em Educação Fundamental e Média formará cidadãos melhores e conscientes da necessidade de se investir em CTI.

Isso é um processo, não adianta investir um quadrilhão de dólares em CTI se a tal mão de obra qualificada for analfabeta funcional ou incapaz de pensar criticamente. Esse é o motivo de o investimento na formação de cidadãos ser mais importante do que gastar tubos de dinheiro com alta tecnologia. Como diz uma expressão em Inglês, quando entendermos isso e passarmos à ação, the rest follows.

E daí não será necessário realizar mobilizações sobre a importância do pós-graduando ou sobre o reajuste de bolsas… e sinceramente? Se você está passando por todo o estresse de um mestrado e/ou doutorado, da rotina (falta de rotina?) difícil, muitas vezes extenuante e comprometedora, e ainda fica chateadinho quando alguém tenta desqualificar sua escolha acadêmica, siga o conselho abaixo:

"Fique tranquilo, trabalhe muito e pare de mimimi". Sério.

Quer ver o início desse movimento e ler os textos dos outros participantes? Acesse o link do Pós-Graduando em http://www.posgraduando.com/pos-graduacao/qual-e-o-valor-do-aluno-de-pos-graduacao-stricto-sensu.

Ajuda ao clube de Biologia Sintética da USP!

Uma área de pesquisa que tem ganhado bastante atenção é a Biologia Sintética, que combina diferentes disciplinas (Biologia Molecular, Física, Engenharia etc.) com o objetivo de “construir” organismos que possam servir como ferramentas tecnológicas.

iGEMDentro da área de Biologia Sintética existe um evento anual que tem grande importância e repercussão: o iGEM (International Genetically Engineered Machine), uma competição em que estudantes da área apresentam seus projetos numa disputa que concentra algumas das maiores novidades da ciência atual.

Escrevo sobre esse assunto após receber um pedido de ajuda de alunos de graduação e pós-graduação do Clube de Biologia Sintética da USP que estão prontinhos para participar da iGEM, mas não conseguiram fundos para a viagem. Aproveitando a crescente interatividade das redes sociais, o grupo está tentando viabilizar sua participação na competição por uma ação bem comentada atualmente: o crowdfunding.

A ideia é resolver o problema de financiamento para a viagem por meio de doações. Para isso eles criaram uma página no site RocketHub, onde você pode fazer a sua doação e contribuir com eles!

Infelizmente eu só recebi a mensagem hoje, faltando 3 (três) dias para o encerramento da campanha. A arrecadação até o momento atingiu 65% da meta de USD$2750,00 e toda ajuda é bem vinda.

Acessem a página, conheçam o projeto e vejam como contribuir em http://www.rockethub.com/projects/6131-brazil-s-igem-team-registration.

O Prof. Carlos Hotta, do blog Brontossauros em Meu Jardim, foi o responsável por encaminhar o pedido e também escreveu a respeito, confiram no link “Ajudem estudantes a ir a uma competição de Biologia Sintética“!

Filosofia de laboratório.

Modelo tridimensional da estrutura do DNA.

Dia normal no laboratório. Vi que alguns alunos estavam preparando um gel para SDS-PAGE e perguntei se estava tudo OK. Responderam que “sim”, só estavam esperando o gel polimerizar por causa de uma receita que levava bem menos TEMED do que estamos habituados a fazer. Dito isso, comentei:

“Se vocês estiverem com pressa podem por um pouco mais. Só tomem cuidado para o gel não polimerizar antes de vocês o colocarem na forma. Outro dia mesmo fiquei pensando no sentido da vida ou sei lá o que e quando percebi, o gel tinha polimerizado e precisei refazer tudo…”

Eu mal terminei de falar isso e a resposta veio na lata:

“Ah, na dúvida é sempre 5´ -> 3´ !”

Isso que dá ficar muito tempo num laboratório de biologia molecular…

 

PS: não entendeu? Que tal lembrar da estrutura do DNA e de sua replicação na figura abaixo?

Sentido das fitas de DNA (esquerda) e um modelo de sua forquilha de replicação (direita).

PPS: “o sentido da vida” já foi descoberto faz muito tempo!

Imagens:

Getty Images (royalty-free) / WikiCiências / Wikipedia

Sobre o falecimento de César Ades.

Ontem, 14 de Março de 2012, foi confirmada a morte de César Ades em decorrência de traumatismos ocasionados por um atropelamento sofrido na região da Avenida Paulista (São Paulo, SP) na semana anterior.

Esse texto é destinado a criar um pouco mais de conteúdo a respeito dessa personalidade tão importante para a ciência brasileira, mas desconhecida do grande público. Algo que, já comentei com os colegas do SBBr, considero uma das obrigações dos divulgadores de ciência no Brasil.

Prof. César Ades (1943-2012)

César Ades era professor titular do Departamento de Psicologia Experimental da USP desde 1994 e foi um dos grande responsáveis pelo início e desenvolvimento dos estudos na área e comportamento animal no Brasil.

Participou da área acadêmica desde a metade da década de 1960, quando se formou psicólogo. Em sua longa e produtiva carreira, orientou e formou 34 mestres, 22 doutores. Além de ter publicado centenas de artigos científicos ou de divulgação científica e livros, foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Etologia.

Como parte da homenagem, indico uma entrevista para a revista Scientiae Studia em 2011. Para acessá-la é só clicar no link da referência abaixo:

KINOUCHI, Renato Rodrigues  and  RAMOS, Maurício de Carvalho. Psicologia e biologia: entrevista com César Ades. Sci. stud. [online]. 2011, vol.9, n.1, pp. 189-203. ISSN 1678-3166.

Nela, o professor César conta um pouco de sua história científica e dos momentos que o fizeram se decidir sobre sua área de pesquisa e carreira acadêmica. Achei interessante reproduzir aqui o motivo de ter feito psicologia:

“A filosofia era obviamente uma das alternativas, mas, embora me seduzisse o seu aspecto de reflexão e de análise essencial, parecia-me, na época, abstrata demais, lidava com as coisas, por assim dizer, num segundo nível de intencionalidade, a partir do pensamento de outros pensadores ou da atividade científica. Sentia-me mais atraído pela observação e manipulação diretas de fenômenos naturais. A biologia, de outro lado, parecia empírica demais e sem propostas a respeito de mecanismos mentais. Fui para o justo meio, a psicologia.”

Menciona também o início de seus estudos experimentais e sobre a publicação de seu primeiro artigo, que teve como objeto de estudo o comportamento exploratório espontâneo de ratos brancos. Também lista, com a humildade que lhe era notória, algumas de suas principais referências:

“São tantas as influências, serei muito incompleto.”

Sobre a área mais “administrativa” da academia, é interessante seu relato sobre os problemas e resistência dos colegas em sua luta para instalar uma comissão de ética em pesquisa com seres humanos quando foi diretor do Instituto de Psicologia. Ele também foi responsável pela criação, no mesmo instituto, da Comissão de Ética em Pesquisa com Animais (CEPA).

O final da conversa aborda a carreira de pesquisador, responsabilidades como cientista e sobre a satisfação proporcionada por uma vida dedicada à descoberta científica.

Resumindo, considero a entrevista uma aula para quem se interessa por ciência e pelas pessoas envolvidas nesse meio. César era um dos mestres que extrapolavam títulos e conquistas, sendo querido por todos que o conheciam.

Aproveitem para conhecer um pouco mais dessa grande personalidade da ciência brasileira e preencher um pouco do vácuo que existe sobre o nosso conhecimento de pesquisadores brasileiros importantes, mas exteriores à grande mídia.

Outras homenagens e links sobre o professor:

Currículo Lattes

César Ades na Wiki-PT (atualizada)

César Ades, psicólogo (In memorian)

Um memorial ao Cesar Ades (Ciência à Bessa)

 

Carnaval acadêmico 2012 e a Unidos da Pós-graduação!

Não resisti e fotografei o resultado de 5 pessoas – contanto este que vos fala, claro – trabalhando direto no laboratório durante o carnaval. As fotos foram tiradas no final da tarde da 4ª-feira de cinzas.

Bancada? Onde?
Alguém aí viu o NaCl? Não encontrei no armário!
Difícil deixar arrumado precisando correr vários SDS-PAGE em sequência...
Quando acabam as ponteiras começa o "momento zen": encher caixinhas!
"Ei, como é que tá a apuração das escolas de samba?" "Sei lá, meu, perdi minha calculadora, ajuda aqui!"

Esses são só alguns flashes que mostram o resultado final de ficar no laboratório tantos dias seguidos. Cansa, mas compensa pela rapidez em se conseguir resolver experimentos pendentes.

Claro que depois limpamos e arrumamos tudo, senão a chefe mata a gente. Ela é compreensiva com a zona, mas tudo tem limite… De qualquer modo, é muito bom quando o laboratório entra no modo “produção agressiva como se não houvesse amanhã”.

Ah, e prá constar, o clima não esfriou depois que acabaram os feriados. Preparei esse post rapidinho no sábado enquanto esterilizava a sala de cultura de células.

Acho que vou trocar a placa de “Biologia Molecular” do meu laboratório por um pôster de “Onde os fracos não têm vez”. Combina.