Geografia da Pós-graduação brasileira.

É péssimo admitir isso, mas só conheci o portal GeoCapes há duas semanas em uma palestra sobre política cientifica ministrada pela presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Profa. Dra. Helena Bonciani Nader.

Entre os dados pode-se consultar o número de bolsas de pós-graduação concedidas, a distribuição de discentes, docentes e de programas de pós-graduação, tudo isso em nível municipal, estadual ou federal.

Também são interessantes os dados de acesso ao Portal de Periódicos disponibilizado pela CAPES.

A imagem abaixo mostra um pouco da interface, para ampliá-la basta clicar.

Interface do portal GeoCapes. Acesse!

Um prato cheio para quem precisar ou se interessar por um raio-X da pós-graduação no Brasil.

Odeio esse termo, mas #ficadica!

A encenação da defesa de tese

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Defesas de tese. A linha de chegada de toda pós-graduação.

Pode ser mestrado ou doutorado. Pode ser com apresentação ou só entregar a tese escrita. Pode ser sozinho ou com uma banca de 6 ou até mais professores. A sua banca (o júri que avalia se você esta pronto para ostentar o título de doutor) pode ser composta só por amigos ou ter algum inimigo. (sim, cada departamento, mesmo dentro de uma mesma universidade, é diferente.)

E tem os prazos pra defender, para juntar a papelada toda, conseguir marcar a data com todos os professores da banca…

Eita estresse!

E por que chama defesa? Ora, não é óbvio? Porque o pós-graduando precisa se defender das flechadas da banca. Perguntas pontiagudas sobre o trabalho da tese ou sobre a área onde ela se encontra. Pode-se rebater com um bom escudo ou desviar no melhor estilo “Matrix” da saraivada de balas que saem das escopetas dos professores.

Ao final de tudo isto, o pós graduando será laureado com a honraria de Mestre, ou Doutor!
Que pompa!

Mas e se o candidato não estiver à altura do título?
E se fez um trabalho meia-boca, ou interpretou os dados de maneira errada, ou se ficar claro que o orientador ou outro aluno é que fizeram todo o trabalho? O que acontece?

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Acontece que ele TAMBÉM será laureado com a honraria de Mestre ou Doutor!
Que bomba!

Pois é meu amigo. Isto é o que acontece nas pós-graduações das melhores e maiores faculdades do Brasil. Não estou falando de qualquer FAFUP (Faculdade de Funilaria e Pintura) da vida não.
Isto acontece na USP, UNICAMP, UNESP, e por aí vai. Digo que ocorre pelo menos na área que eu conheço, a das biológicas.

Em poucas palavras: NÃO SE REPROVA ALUNO NAS DEFESAS!

Exceção parece ser o pessoal de exatas. Lá parece que o pau quebra solto. E parece que em outros países também é diferente (veja um relato no Brontossauros no meu Jardim). Mas nos vários departamentos que eu conheço e ouço falar, ninguém reprova mesmo.

E por que isto acontece? É a velha politicagem. Se eu for professor da banca e descer o pau no aluno que se mostra ruim, posso estar gerando mal estar com o professor que orienta este aluno, ou mesmo baixando o conceito do departamento de pós-graduação, que deixaria de somar mais um doutor formado ali. Situação chata né?

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Então o que todos os departamentos fazem? Acabam passando todo mundo! E eu já vi cada absurdo que dá até dó.
Claro que isto põe em cheque a qualidade dos doutorzinhos por aí. E também desanima saber que o meu titulo, que será conquistado com tanto suor e lágrimas, terá o mesmo valor deu um aluno medíocre empurrado com a barriga pelo sistema.

Um amigo meu uma vez disse que se colocassem um macaco no departamento “piii…” da USP, depois de 3 anos ele se forma doutor. É só alguém preencher as fichas por ele.
E eu acho engraçado que a maioria das pessoas que vão defender fica nervosa e com medo de não passar. Daí eu pergunto “você já viu ou ouviu falar em alguém que não passou?”, e sempre a resposta foi “não”. Então porque o nervosismo? Não querer fazer feio é uma coisa, mas o seu título já está garantido. Relaxa e goza.

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Por isso criei para as defesas de tese o termo “Dragão Banguela”: assusta, mas você sabe que não vai te machucar.

O doutorado de Einstein

albert einstein diploma doutorado.jpgNotícia da EFE pela Folha de S. Paulo:

GENEBRA – O diploma de doutorado do físico e humanista alemão Albert Einstein foi adquirido por mais de 300 mil francos suíços (198 mil euros, ou mais de R$ 500 mil) em um leilão na cidade suíça de Lucerna.

Pois é, gênios não nascem sabendo tudo. Eles têm que aprender muita coisa. Até Einstein teve que fazer doutorado! Pelo Departamento de Matemática e Ciências Naturais pela Universidade de Zurique.
O interessante é que ele é tão pop, todos se sentem tão íntimos, que ninguém o chama de DOUTOR Einstein.
Mas ele realmente está em outro nível…

A importância da ignorância na pesquisa científica

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Por Martin A. Schwartz
Originalmente publicado no Journal of Cell Science e traduzido por Rafael Soares
Reencontrei recentemente uma velha amiga que não via há anos. Éramos alunos de doutorado na mesma época, ambos estudando ciência mas em diferentes áreas. Ela deixou a área e foi para faculdade de direito em Havard e agora é advogada sênior de uma grande organização ambiental. Num determinado momento a conversa pendeu para o porque de ela ter largado a academia. Para meu total espanto ela disse que saíra porque se cansou de se sentir estúpida. Após alguns anos se sentindo estúpida todos os dias ela percebeu que estava pronta para fazer outras coisas.
Para mim ela era uma das pessoa s mais brilhantes que eu conheci, e a sua carreira posterior prova esta constatação. O que ela disse me incomodou. Eu continuei pensando naquilo, até que no dia seguinte caiu a ficha. A ciência me faz sentir idiota também. O que acontece é que eu me acostumei com isso. Tanto me acostumei a isto que persigo ativamente novas oportunidades de me sentir estúpido. Não sei o que eu faria sem este sentimento, e até acho que é assim que deve ser. Deixe-me explicar.
Para a maioria de nós, uma das razões para gostarmos de ciências na escola era que nós éramos bons nisto. Mas esta não pode ser a única razão – fascínio por entender o mundo físico e uma necessidade emocional de descobrir novas coisas devem existir também. Mas para a escola e a faculdade a ciência consiste em fazer aulas, e ir bem nas aulas significa dar as respostas certas nas provas. Se você souber as respostas você passa bem e se sente esperto.
No doutorado, onde você tem um projeto de pesquisa, a coisa é bem diferente. Para mim foi uma tarefa amedrontadora. Como eu poderia formular a pergunta que me levaria a uma descoberta significativa; desenhar e interpretar um experimento para que as conclusões fossem absolutamente convincentes; prever obstáculos e achar maneiras de circundá-los, ou, caso falhasse nisso, resolvê-los quando aparecessem? Meu projeto de doutorado era interdisciplinar e, por um tempo, sempre que tive um problema eu podia importunar alguém em meu departamento, que tinha especialista em várias disciplinas de meu interesse. Eu me lembro de um dia em que Henry Taube (que ganhou o prêmio Nobel dois anos depois) me disse que não sabia como resolver um problema que eu estava tendo, mesmo se tratando de sua área.
Percebi que eu era apenas um aluno de trinta anos e que Taube deveria, por baixo, saber 1000 vezes mais do que eu. Se ele não tinha a resposta, então ninguém tinha.
Foi aí que entendi: ninguém sabe. Por isso mesmo que é um problema em pesquisa. E sendo a MINHA pesquisa, era minha responsabilidade resolvê-lo. Ao encarar este fato resolvi o problema em poucos dias. (E não era realmente muito difícil; apenas tive que testar algumas poucas coisas.) A moral da história é que a área das coisas que eu não sabia não era apenas vasta; era, na prática, infinita. Ao invés desta constatação ser desencorajadora, ela era libertadora. Se a ignorância é infinita, a única atitude que nos sobra é dar o melhor de nós.
Eu gostaria de dizer que os programas de pós-graduação geralmente fazem um desserviço para a formação do estudante de duas formas. Primeiro porque os estudantes não percebem o quão difícil é fazer pesquisa. Mais difícil ainda pesquisa de grande importância. É muito mais difícil que ir bem nas aulas, mesmo nas mais exigentes. O que torna a pesquisa difícil é o mergulho no desconhecido. Nós simplesmente não sabemos o que estamos fazendo. Até termos um resultado, nós nem ao menos estamos certos se estamos fazendo as perguntas certas ou os experimentos adequados. Para atrapalhar, ainda temos a competição por financiamento e visibilidade em revistas de prestígio . Mas fora isto, fazer pesquisa relevante é intrinsecamente difícil, por isso qualquer mudança nos cursos, departamentos ou instituições não vão diminuir esta dificuldade intrínseca.
Segundo, nós não ensinamos nosso alunos a serem ignorantes produtivos – ou seja, se eu não me sinto estúpido, significa que eu não estou realmente me esforçando. Não estou falando de ´ignorância relativa´, como quando os outros alunos na turma lêem as lições, estudam, passam na prova, e você não. Também não estou falando de pessoas brilhantes que estejam em áreas que não aproveitam seus talentos. Ciência envolve confronto com a ´ignorância absoluta’. Aquela que é um fato existencial inerente a nosso esforço de adentrar no desconhecido. Exames de admissão e bancas de defesa atingem seus objetivos quando forçam o aluno até começar a dar respostas erradas ou desistir e dizer, ´não sei´. O objetivo do exame não é avaliar se o aluno responde todas as perguntas. Se ele responder, quem falhou no teste foi a banca. O objetivo real é identificar as fraquezas do aluno, primeiro para ver onde ele deve se esforçar mais, e segundo para saber se o conhecimento dele estaciona no nível alto o suficiente para tocar um projeto de pesquisa.
Estupidez produtiva significa ser ignorante por escolha. Focar em uma questão importante nos coloca numa posição de ignorância. Uma coisa boa em ciência é que ela nos permite tropeçar por aí, errar de vez em quando, e mesmo assim nos sentirmos bem, contanto que aprendamos algo com isso tudo. Claro que isto é muito difícil para alunos que estão acostumados a ter a resposta certa. Claro que um bom nível de confiança e equilíbrio emocional ajudam, mas eu acho que educação científica deve fazer mais para atenuar esta grande transição: de aprender as descobertas de outras pessoas para começar a fazer as suas próprias. Quanto mais confortáveis estivermos sendo ignorantes, mais profundamente poderemos penetrar no desconhecido para fazer grandes descobertas.