Resultados do Ato Público contra a nova distribuição dos royalties do petróleo.

Dias atrás comentei a realização de um Ato Público encabeçado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) contra o projeto de lei que prevê a redistribuição dos royalties do petróleo.

As críticas à Proposta de Lei Substitutiva 448 extrapolam a cobertura da mídia sobre o entrave entre os Estados e Municípios produtores e não produtores, baseando-se no fato de a nova proposta extinguir itens que tratam da destinação de percentagens específicas para Ciência, Tecnologia & Inovação previstos na legislação vigente.

Salão Nobre lotado para o início das discussões. Ato Público realizado em São Paulo no dia 7 de Novembro de 2011. (Imagem: arquivo pessoal)

O evento terminou com a decisão das entidades organizarem um movimento para solicitar aos deputados da Câmara Federal mudanças no PLS 448 que destinem por lei percentuais para as áreas supracitadas. Um resumo do Ato foi publicado pela SBPC em “Já a partir de 2012, os fundos setoriais perderão quase metade do valor atual“.

O ScienceBlogs Brasil manifestou seu apoio à questão pela publicação do artigo “Royalties do Petróleo: Educação, Ciência, Tecnologia & Inovação e o PLS 448” no blog Raio-X. O texto contém explicações sobre o tema e foi elaborado para que todos tenham mais conhecimento sobre o assunto.

Acessem!

Royalties do Petróleo: Educação, Ciência, Tecnologia & Inovação e o PLS 448

 

Pesquisas mais importantes em câncer: as malignas células-tronco, o genoma e a imunologia.

Cancer novidades

Nesta semana a famosa revista Nature Medicine lançou um número com foco em câncer, e mostra o resultado de uma pesquisa que perguntou aos pesquisadores da área de câncer quais os trabalhos mais importantes dos últimos dois anos (2008-2010) [está em inglês mas tem conteúdo livre]. É importante saber o que esse pessoal acha importante porque essas pesquisas, mesmo que bem básicas ainda e na sua maioria longe de se tornarem tratamentos para uso da população, vão moldar o futuro do combate a essa doença.

Veja aqui os temas mais quentes na opinião dos pesquisadores.

  • Células-tronco de câncer – Já a algum tempo se sabe que apenas algumas células de um tumor têm a capacidade de se multiplicar. Isso é uma faca de dois gumes: ruim porque, mesmo que se mate muitas células e o tumor reduza de tamanho, se alguma ou mesmo uma só dessas células sobrarem elas podem formar o tumor novamente; mas também é bom porque reduz o nosso alvo, afinal só precisamos matar essas células-tronco do câncer.

A pergunta então é “quantas e como são estas células?”, e foi justamente um trabalho nessa área que recebeu mais citações na pesquisa entre os especialistas. Antes se achava que as células-tronco seriam apenas 0,1% das células de um tumor, mas Elsa Quintana e colaboradores descobriram que em tumores sólidos, no caso um melanoma, 25% das células têm capacidade de formar um tumor. Assim parece que o número é bem maior do que se pensava e varia em tipos de tumor e mesmo de um indivíduo para outro.

  • O genoma do câncer – A ideia não é nova: “já que o câncer acontece por causa do acúmulo de defeitos no DNA das células, vamos sequenciar e ver o que mudou”. O que acontece é que isso é muito caro e os resultados demoram a aparecer. Hoje em dia as técnicas de sequenciamento estão melhorando e vários alvos terapêuticos já foram encontrados, como genes e fatores de risco como o cigarro que aumentam as chances de gerar um tumor. Mesmo assim essa abordagem divide opiniões de especialistas.
  • Corrigindo os erros – Algumas tentativas de tratamento que chegaram a ser testadas em humanos mostraram resultados não esperados (BRAF e PARP). Até mesmo drogas que funcionaram em cultura de células e em animais, quando passam para humanos acabam tendo o efeito contrário do desejado. Estudar os porquês disto tem trazido informações interessantes, e não impedem que os testes em humanos continuem e se aperfeiçoem. Por isso é interessante até mesmo gerar resistência a células tumorais in vitro para entender como superá-la.
  • Imunologia e microambiente – Usar anticorpos específicos contra tumores é uma terapia já muito usada, mas o que ainda não se sabe muito é como o ambiente do tumor  e o sistema imune do doente realmente interagem com o tumor e como suas células, afetam essas células tumorais. Trabalhos nesta área também foram muito citados na pesquisa, e esta área parece estar adquirindo a visibilidde que merece.

Infelizmente a grande maioria das pesquisas apontadas pelos estudiosos estão em estágio muito experimental e longe de aplicação. Imagino que isto acontece porque leva-se muito tempo para levar idéias novas para testes em humanos, fazendo com que quando algo chega ao humano já não é tão novidade e novas descobertas chamam mais a atenção dos pesquisadores. Possivel também que poucos pesquisadores clinicos (clínico = em humanos) tenham respondido a pesquisa e tenha prevalecido a opnião dos pesquisadores básicos. De qualquer forma é por aí que caminhará a ciência e a medicina do câncer.

 

Vi na Nature Medicine – A close look at cancer

Mais Lady Gaga: Bad Project.

Como era de se esperar, apareceu mais uma paródia da argh Lady Gaga!

Eu sei como quem fez o vídeo se sente, não tem nada como ganhar um projeto-mico de presente e ficar batendo cabeça por meses a fio… Prá não falar de quando trabalhei num laboratório em que o pós-doc que coordenava o projeto identificava suas amostras principais em árabe!

Ê vidinha mais ou menos…

Rafael_RNAm diz:

Esse é o maior viral científico desde a bactéria de arsênio!!!Eu recebi isso de DEZENAS de pessoas, via twitter, orkut, Facebook, email, fax, pager e sinais de fumaça. 

Parabéns por pessoal do lab da Hui Zheng que produziu o vídeo. Esse tipo de material é muito bom para mostrar para nós, cientistas brasileiros, que lá no EUA e aqui os problemas são os mesmos (maldito Western!!!). 

É bom também para fazer a sua mãe entender que fazer ciência não é sempre a coisa mais honrada e divertida do mundo. E no final o que todos os pós-graduandos gritam é isso mesmo: “EU NÃO QUERO SER POBRE!!!!”

Se você não viu o outro vídeo que postamos aqui, acesse Lady Gaga no laboratório: Lab Romance!

A ingenuidade de Bill Gates sobre a Biologia

Caro Bill Gates,

Sinto informar que células não são tão rápidas quanto elétrons. Mais que isso: burocracia para mexer com gente e com o ambiente não é tão simples quanto programar um software.

Digo isto em vista da reportagem do New York Times, repassado pela Época, sobre o balanço dos investimentos em pesquisa em saúde feitos pela fundação Gates.

 

“Cerca de 1.600 propostas chegaram, e as 43 principais eram tão promissoras que a Fundação Bill & Melinda Gates liberaram US$ 450 milhões em bolsas de cinco anos _ mais de duas vezes a estimativa inicial.
Recentemente, a fundação chamou todos os cientistas a Seattle para avaliar os resultados e decidir quem seguirá recebendo os financiamentos. Numa entrevista, Gates soou de certa forma moderado, dizendo diversas vezes: “Nós fomos ingênuos”.”

[Leia a história e os projetos selecionados aqui]

 

Mas na verdade não dá pra saber se ele foi ingênuo ou enganado pelo hype alardeado pelos projetos. Afinal o objetivo de escrever um projeto é justamente convencer a todo custo quem o lê. O famoso “puxar a sardinha pro seu lado”, coisa que as vezes (muitas vezes) os cientistas fazem exagerando nas expectativas e enviesando as perspectivas. Outra coisa é que tem vários ganhadores do Nobel participando, e convenhamos que receber um projeto de um cara desses e dizer “não” não deve ser fácil.

Fato é que ele parece não ter gostado do resultado. E muita gente, incluindo um comentarista da reportagem acima, os cientistas e o próprio Bill Gates acham que o dinheiro investido nessas pesquisas foi algo bem significativo! Quando na verdade o gasto é irrisório comparando com gastos militares por exemplo. Para entender meu ponto de vista você precisa ler este texto espetacular do 100 Nexos, onde se lê que antes do telescópio Hubble, o instrumento mais fantástico da astronomia por muito tempo, que ajudou a desvendar milhares de mistérios do espaço, do tempo passado e do futuro, é uma aplicação tardia de um projeto de satélites-espiões que somaram 9 em nossa órbita!

Ou seja, enquanto mendigamos por recursos para a astronomia e também para outras áreas como a saúde e o bem-estar humano, uma quantia gigantesca é gasta sem que nós sequer saibamos onde.

Obrigado Bill Gates, continue assim gastando parte da sua fortuna pelo bem do próximo (e olhem que eu não estou nem questionando o como essa fortuna foi adquirida), mas acho que mesmo este esforço é uma gota num oceano de descaso pela vida humana.

Cientistas fora da universidade: existe vida lá fora. Mas e no Brasil?

embo 2010 logo.JPGEstive no almoço sobre carreiras do congresso EMBO Meeting (um dos motivos deste blog estar às traças). Foi ok, mas podia ter sido melhor. O tempo é curto, não se come, não se bebe, e o barulho das mesas complica a conversa. Mas o problema ficou só com o formato. Os convidados pareceram interessantes e interessados. Participei de três mesas de 35min de conversa com uma pessoa que fez doutorado em alguma área da ciência mas saiu da vida acadêmica.

Seguem aqui as áreas, os nomes e alguns comentários:

  • Política científica

Rochana Wickramasinghe, Royal Society Policy Centre. Basicamente ele liga grupos de cientistas ao governo em temas de interesse social. Como exemplo, o que ele está fazendo agora é colocar conceitos de neurociências na educação. Não para ensinar neuro aos alunos na escola, mas aplicar conceitos de neuro para melhorar o sistema de ensino. O papel do centro de política científica da Royal Society é juntar material de seus cientistas associados,  e monta um relatório de fácil entendimento para legisladores não-cientistas, além de manter contato com grandes personalidades do mundo político e científico.

  • Comunicação científica:

Rosina Malagrida i Escalas, Director, Science Communication, Barcelona Science Park.
Uma espécie de relações públicas(RP) de um grupo científico. O trabalho é bem de RP mesmo, mas exige um conhecimento de ciência para traduzir a produção da instituição para montar press-release e contatar a mídia. O papel principal desse tipo de RP é aumentar a visibilidade da instituição no seu contexto de interesse, usando a mídia, montando eventos, feiras e outras iniciativas. No caso de Rosina a instituição é mais local, dentro da Catalunia, assim é essa mídia e população que serão seu alvo. Claro que a posição de diretoria é interessante, pois ela pode utilizar mais a criatividade para inventar os projetos de divulgação, mas você vai começar escrevendo press-release e organizando eventos por um bom tempo pelo visto.

 

  • Pesquisa e desenvolvimento na indústria

Philippe Cronet, Chief Scientific Officer, Eurogentec S.A.
Sim, é possível fazer pesquisa na indústria (aquelas malditas capitalistas comedoras de criancinhas). E segundo Cronet, pesquisa na indústria é até mais livre que nas universidades por não haver a pressão de publicação ou prazos de bolsas e pós-graduação. O que ocorre é que os prazos são mais curtos na indústria, mas os objetivos são bem calculados e divididos por um time de diferentes áreas trabalhando juntos, o que pode trazer mais resultados e maior satisfação em vê-los atingidos mais rapidamente em comparação com os 3 ou 4 anos de uma pós. Assim, não há um projeto individual, e eventualmente seu chefe pode dizer “A concorrência já está fazendo isso, cancelem este projeto”. Mas calma, isto não quer dizer que você será demitido – só que vai trocar de projeto.

Muito empolgantes as carreiras em política científica e comunicação, mas percebi as imensas dificuldades para se seguir estas carreiras no Brasil, e ambas pelo mesmo motivo: falta de cultura científica que acaba levando à falta de estrutura.

Afinal, onde está a nossa Royal Society para patrocinar um escritório de política científica? A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ou a Academia Brasileira de Ciências (ABC) cumprem este papel? Quem deveria cumprir?

Lembro-me de um professor que durante a votação de células-tronco foi chamado para uma palestra na Câmara dos Deputados, e apenas UM (1) deputado apareceu, justamente o que o convidou para a palestra (pelo menos isso). E será que esta foi a única tentativa de explicar célula-tronco para nossos legisladores?

E o mesmo ocorre para a comunicação científica. No Brasil não há o costume de se contratar relações públicas nem mesmo em grandes empresas, quanto mais em institutos de pesquisa. Há iniciativas, mas muito fracas, e nenhuma estruturalmente robusta e duradoura. No jornalismo parece que estamos avançando – vide às agências de notícias de universidades e instituições de fomento – mas a comunicação científica vai além do jornalismo, e é neste ponto que não vejo iniciativas brasileiras.

Quanto à indústria, me espantou a quantidade de estudantes de doutorado ou pós-doutorado europeus que não tinham nenhum conhecido trabalhando na indústria. E eu, pobre criatura de um país em desenvolvimento, conheço pelo menos uma dezena de colegas que estão pesquisando ou em outras áreas em empresas ligadas a pesquisa.
Mas isso pode ser um problema meu de amostragem, já que estes colegas se formaram nas universidades mais bem conceituadas do Brasil, o que faz que sejam muito cobiçados por um mercado que é pequeno mas está crescendo, enquanto que talvez o mercado europeu esteja saturado.

Bom, segue o congresso. E mãe, to comendo direitinho, viu! [economizando DDI mode ON]

Para seguir o twitter do congresso: #EMBOmtg

Bônus:
Sugiro fortemente que você leia este relatório da Royal Society. Aliás o site é bem legal também.

Termodinamicorreto

Nem tudo dá certo;
Nem toda a ciência é boa;
Nem todo dado é inédito;
Nem toda pesquisa conta.
Publicar não torna artigo relevante
Nem jaleco torna burro inteligente.
Chega de conversinha. A isto há relatórios.
Chega de propagandas. A isto deixo a tese.
Chega de implorar migalhas. Deixo isto para os projetos
O real é o de punho próprio,
O que se anota e o que se escreve
Meu caderno de laboratório,
Que é risco e que é rasura,
Nada nele se apaga.
Bom seria se o fizesse.
Na verdade não. Melhor assim mesmo sem volta.
Termodinamicorreto, sempre rumo à entropia.
Termodinamicorreto, sem retorno ao pré-estado.
Sempre suando e dissipando
Todo tipo de energia.
Ah, e isto lembra mais falsidade:
Pôr ordem neste trabalho é sempre uma tendência
Quando na verdade o que havia era o caos,
Quase nunca uma providência.
Mas afinal, quem precisa estudar esta micro-história,
Pormenores de uma proveta?
Buscamos saber de heróis,
Vilões, amores, intriga.
Mas a micro-história de um protocolo não tem porque.
Ainda mais se é descoberta desvalida.
Aliás, existe descoberta sem valor?
Seria o mesmo caso da árvore caída,
Que cai sem ninguém ouvir?
Cai infinito distante.
Mas, se não lhe ouvem o barulho,
Pode mesmo o som existir?
Com esta falsa impressão, como ir adiante?
Nem tudo tem valor,
Nem tudo se justifica,
Só o que brilha é diamante.
Mas é a embromação que se multiplica
Me dê um artigo bom. Que mude esta ventura.
Que, elegante, mostre a coisa definitiva.
Ao lê-lo, que seja brilhante, como boa literatura.

Um argumento a menos para os “defensores dos animais”: Brasil regulamenta o uso de cobaias.

Demorou 13 (sim, TREZE) anos para sair (ou entrar, depende do referencial) do papel, mas o Ministério de Ciência e Tecnologia finalmente regulamentou a Lei Arouca, que trata do uso de animais para Ensino e Pesquisa no Brasil.

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Os verdadeiros Heróis da Ciência


Quem tiver interesse em conhecer tudo à respeito dessa nova Lei, pode acessar o Portal do Ministério da Ciência e Tecnologia, que contém toda a informação necessária.
Agora os defensores de animais precisarão rever parte de seu discurso, já que a idéia de “uso indiscriminado e assassino”, em teoria, não se aplicará mais. Como o Lula adora dizer, “nunca antes na história desse país” houve qualquer tipo de controle oficial sobre a utilização de animais, mas agora isso faz parte do passado.
Formação do Concea
A lei nº 11.794 de 8 de outubro de 2008 havia sido sancionada em Outubro de 2008, e foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 15 de julho (Decreto nº 6.899). Também ficou estabelecida a criação do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), que será presidido pelo ministro da Ciência e Tecnologia.
O Concea será formado por 14 integrantes, e incluindo dois membros de sociedades protetoras de animais legalmente criadas no país. No conselho também estarão representados órgãos públicos e associações científicas, como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências).
Todas as instituições que criam ou utilizam animais para fins científicos ou didáticos também deverão se adequar. Será considerado ilegal quem não criar ou se associar a uma comissão de ética em até 90 dias. Vale lembrar, no entanto, que todas as instituições de pesquisa e ensino sérias do Brasil já possuem seus comitês de ética há vários anos, de modo que o controle sempre foi exercido internamente (todos os projetos que envolviam experimentação animal de que eu participei até hoje foram avaliados e aprovados pelo comitê de ética da universidade em que trabalho.
Hoje, no Cobea (Comitê Brasileiro de Experimentação Animal), já existem 150 comissões de ética cadastradas. “A maioria das universidades federais e estaduais, assim como as particulares e as diversas instituições [públicas] de pesquisa e laboratórios particulares já tem sua comissão ou está criando”, afirmou Marcel Frajblat, pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (SC) e presidente do Cobea (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal), em entrevista à Folha de São Paulo.
O Estado chega atrasado mais uma vez
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Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório


Apesar de a Lei Arouca ser de extrema importância, vale ressaltar que já havia uma noção consciente sobre o manejo dos animais usados em experimentação animal, sendo necessário dar destaque à atuação da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório, a SBCAL, e dos Comitês de Ética em Pesquisa que já haviam sido formados muito antes de qualquer ação governamental, dada a importância desse controle.
* Em breve, teremos aqui no |RNAm| um parecer jurídico sobre o conteúdo da Lei Arouca, fiquem atentos!

RNAm Expresso – Vol.2

custo câncer.jpgImagem do dia (acima)- Quanto já se gastou com pesquisa sobre o câncer – Leia aqui um artigo em inglês sobre grana em pesquisa com câncer – NYTimes

A importância da ignorância na pesquisa científica

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Por Martin A. Schwartz
Originalmente publicado no Journal of Cell Science e traduzido por Rafael Soares
Reencontrei recentemente uma velha amiga que não via há anos. Éramos alunos de doutorado na mesma época, ambos estudando ciência mas em diferentes áreas. Ela deixou a área e foi para faculdade de direito em Havard e agora é advogada sênior de uma grande organização ambiental. Num determinado momento a conversa pendeu para o porque de ela ter largado a academia. Para meu total espanto ela disse que saíra porque se cansou de se sentir estúpida. Após alguns anos se sentindo estúpida todos os dias ela percebeu que estava pronta para fazer outras coisas.
Para mim ela era uma das pessoa s mais brilhantes que eu conheci, e a sua carreira posterior prova esta constatação. O que ela disse me incomodou. Eu continuei pensando naquilo, até que no dia seguinte caiu a ficha. A ciência me faz sentir idiota também. O que acontece é que eu me acostumei com isso. Tanto me acostumei a isto que persigo ativamente novas oportunidades de me sentir estúpido. Não sei o que eu faria sem este sentimento, e até acho que é assim que deve ser. Deixe-me explicar.
Para a maioria de nós, uma das razões para gostarmos de ciências na escola era que nós éramos bons nisto. Mas esta não pode ser a única razão – fascínio por entender o mundo físico e uma necessidade emocional de descobrir novas coisas devem existir também. Mas para a escola e a faculdade a ciência consiste em fazer aulas, e ir bem nas aulas significa dar as respostas certas nas provas. Se você souber as respostas você passa bem e se sente esperto.
No doutorado, onde você tem um projeto de pesquisa, a coisa é bem diferente. Para mim foi uma tarefa amedrontadora. Como eu poderia formular a pergunta que me levaria a uma descoberta significativa; desenhar e interpretar um experimento para que as conclusões fossem absolutamente convincentes; prever obstáculos e achar maneiras de circundá-los, ou, caso falhasse nisso, resolvê-los quando aparecessem? Meu projeto de doutorado era interdisciplinar e, por um tempo, sempre que tive um problema eu podia importunar alguém em meu departamento, que tinha especialista em várias disciplinas de meu interesse. Eu me lembro de um dia em que Henry Taube (que ganhou o prêmio Nobel dois anos depois) me disse que não sabia como resolver um problema que eu estava tendo, mesmo se tratando de sua área.
Percebi que eu era apenas um aluno de trinta anos e que Taube deveria, por baixo, saber 1000 vezes mais do que eu. Se ele não tinha a resposta, então ninguém tinha.
Foi aí que entendi: ninguém sabe. Por isso mesmo que é um problema em pesquisa. E sendo a MINHA pesquisa, era minha responsabilidade resolvê-lo. Ao encarar este fato resolvi o problema em poucos dias. (E não era realmente muito difícil; apenas tive que testar algumas poucas coisas.) A moral da história é que a área das coisas que eu não sabia não era apenas vasta; era, na prática, infinita. Ao invés desta constatação ser desencorajadora, ela era libertadora. Se a ignorância é infinita, a única atitude que nos sobra é dar o melhor de nós.
Eu gostaria de dizer que os programas de pós-graduação geralmente fazem um desserviço para a formação do estudante de duas formas. Primeiro porque os estudantes não percebem o quão difícil é fazer pesquisa. Mais difícil ainda pesquisa de grande importância. É muito mais difícil que ir bem nas aulas, mesmo nas mais exigentes. O que torna a pesquisa difícil é o mergulho no desconhecido. Nós simplesmente não sabemos o que estamos fazendo. Até termos um resultado, nós nem ao menos estamos certos se estamos fazendo as perguntas certas ou os experimentos adequados. Para atrapalhar, ainda temos a competição por financiamento e visibilidade em revistas de prestígio . Mas fora isto, fazer pesquisa relevante é intrinsecamente difícil, por isso qualquer mudança nos cursos, departamentos ou instituições não vão diminuir esta dificuldade intrínseca.
Segundo, nós não ensinamos nosso alunos a serem ignorantes produtivos – ou seja, se eu não me sinto estúpido, significa que eu não estou realmente me esforçando. Não estou falando de ´ignorância relativa´, como quando os outros alunos na turma lêem as lições, estudam, passam na prova, e você não. Também não estou falando de pessoas brilhantes que estejam em áreas que não aproveitam seus talentos. Ciência envolve confronto com a ´ignorância absoluta’. Aquela que é um fato existencial inerente a nosso esforço de adentrar no desconhecido. Exames de admissão e bancas de defesa atingem seus objetivos quando forçam o aluno até começar a dar respostas erradas ou desistir e dizer, ´não sei´. O objetivo do exame não é avaliar se o aluno responde todas as perguntas. Se ele responder, quem falhou no teste foi a banca. O objetivo real é identificar as fraquezas do aluno, primeiro para ver onde ele deve se esforçar mais, e segundo para saber se o conhecimento dele estaciona no nível alto o suficiente para tocar um projeto de pesquisa.
Estupidez produtiva significa ser ignorante por escolha. Focar em uma questão importante nos coloca numa posição de ignorância. Uma coisa boa em ciência é que ela nos permite tropeçar por aí, errar de vez em quando, e mesmo assim nos sentirmos bem, contanto que aprendamos algo com isso tudo. Claro que isto é muito difícil para alunos que estão acostumados a ter a resposta certa. Claro que um bom nível de confiança e equilíbrio emocional ajudam, mas eu acho que educação científica deve fazer mais para atenuar esta grande transição: de aprender as descobertas de outras pessoas para começar a fazer as suas próprias. Quanto mais confortáveis estivermos sendo ignorantes, mais profundamente poderemos penetrar no desconhecido para fazer grandes descobertas.

Artigos-fantasma na Alemanha e mortos vivos na Coréia

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Deu na Nature: Virgem Maria, o bixo tá pegando este mês! Mais um caso de malandragem científica.
Dessa vez na Alemanha, em um dos maiores centros de pesquisa do país, o Centro de Pesquisa Colaborativa (SFB).
Desesseis de seus membros foram acusados de citar no relatório anual artigos publicados que não existem. Os pesquisadores se desculparam por enviar informações falsas.
Mas desculpas não pagam os 16,6 milhões de euros investidos desde 2000 para o projeto de estudo de florestas na Indinésia.
Não que a mentira invalide toda a pesquisa ou o investimento feito, mas nenhuma mentira vem sem motivo. E o motivo seria excesso de cobrança ou falta de resultados mesmo? Ainda não se sabe.
Enquanto isso na Coréia…
E depois do escândalo do pesquisador sulcoreano Woo Suk Hwang, que maquiou dados de sua pesquisa com clonagem de célula-tronco humanas, só agora que o governo da Coréia do Sul autorizou outra pesquisa nesta área de clonagem. Desde o escândalo em janeiro de 2006 que ninguém lá era autorizado a fazer este tipo de pesquisa.
Agora as células tronco renascem da sepultura coreana.
Tempo muito valioso foi perdido, afinal a área de terapia celular é a área mais competitiva da biologia atual, e a que está se expandindo mais rapidamente. Dois anos podem fazer muita diferença nesta corrida científica.