Quer saber como um governo obriga os pós-graduandos com bolsas federais a virarem excelentes divulgadores de ciência? É só escrever isso aqui num projeto de lei:
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei visa articular os programas federais de
concessão de bolsas de estudos para a educação superior com as redes
públicas de educação básica.
Art. 2º O estudante beneficiário de bolsa de estudos custeada
com recursos públicos federais fica obrigado a prestar serviços de
divulgação, formação e informação científicas e educacionais, de no
mínimo quatro horas semanais, em estabelecimentos públicos de educação
básica.
Art. 3º Caberá aos órgãos federais competentes, em conjunto
com as secretarias estaduais e municipais de educação, regulamentar e
definir as formas de participação dos bolsistas nas atividades das escolas.
Art. 4º Os bolsistas no exterior cumprirão o compromisso
quando do retorno ao Brasil, durante período igual ao de duração da bolsa.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Pronto! Problema da educação científica resolvido. PRÓXIMO!
Opa, é claro que não está resolvido coisa nenhuma. Vamos por partes.
Estágio em escola funciona?
Todo mundo que teve estágio obrigatório em escola para poder fazer a licenciatura sabe como é: uma bagunça. As escolas e os professores não estão minimamente preparados para receber os bolsistas, mesmo que os bem-intencionados. Ou o professor te larga com a molecada, ou só deixa você assistir. Poucos são os casos onde professores e escolas aproveitam essa mão de obra escrava.
Mão de obra escrava?
Sim, escrava. Bolsista de programa federal ganha no mestrado R$1.500 e no doutorado R$2.200. É mais do que muita gente ganha, você pode dizer, mas é muito menos do que o mercado paga por um profissional com esse tempo de estudo.
Um bom bolsista, com um trabalho sério, não tem vida nesse período, tanto pelo valor da bolsa ser baixo e deixar o bolsista especialista em harmonizações de miojo, quanto pelo tempo escasso. Muita leitura e trabalho de campo, ou pesquisa, ou laboratório, dependendo da área de atuação.
Claro que conheço bolsistas que só fazem um trabalhinho meia-boca no começo da pós e depois ficam coçando o saco ganhando bolsa até o fim do período. Mas são poucos e isso é problema do programa de pós e do orientador que permitem isso.
Por isso, 4 horas semanais parecem pouco, mas pra quem já não tem tempo é muito, e outra coisa mais importante, e que nunca é lembrada pelo governo nem para ajudar os professores, é o tempo de preparação de uma atividade em sala de aula, que eleva para o dobro o tempo gasto na semana.
Mas então o que fazer?
Claro que não sou contra os pós graduandos atuarem na divulgação científica. Na verdade o meu sonho é que todo cientista atue ou pelo menos saiba da importância de fazer divulgação. Mas fazer nas coxas é que não dá, né?
Na justificativa o projeto se vangloria porque “não cria órgão público e nem tampouco novo programa que possa demandar aumento de gastos públicos”. Num país em que falta muito investimento em educação, justificar uma mudança dizendo que é bom porque não vai mexer no orçamento e nem criar um orgão especializado pra organizar isso tudo, transforma esse projeto de lei numa piada. Só mais uma daquelas leis que não pegam.
Temos sim que gastar com divulgação científica, e temos sim que criar estruturas especializadas nisso. Como fazer exatamente eu não sei. Um caminho é fazer a divulgação valer realmente alguma coisa no currículo científico dos pesquisadores. Outra é ter um programa organizado e com objetivos bem definidos de como alunos de pós podem ajudar na divulgação científica nas escolas.
Temos que estimular novas vocações, e dar caminhos para os interessados a optarem por essa atividade, e não enfiar a divulgação guela abaixo de bolsistas, escolas e professores. Divulgar não é fácil nem trivial. É preciso treino e vocação. Um mau divulgador é pior do que nada, e pode fazer um grande estrago.
Eu gostava muito de psicologia. Quase prestei vestibular para psico ao invés de biologia. Passei a odiá-la quando tive aulas com uma péssima professora de Psicologia da Educação que não sabia nada de nada. Foi a neurociência que resgatou o meu respeito pela psico anos depois. Esse é o meu medo com quem não sabe ou não quer fazer divulgação mas vai fazer obrigado. Crianças odiando ciência sem antes entendê-la.