Por que investir em revistas científicas brasileiras?

Esta é a primeira postagem do blog Ciência em Revista, abrigado neste belo Portal de Blogs da Unicamp, em uma iniciativa pioneira e que ainda vai semear muitas ideias parecidas.

Fruto de um projeto de pesquisa que começou em 2013, com financiamento da Fapesp, este blog traduz o cuidado e a atenção que sempre tive com as revistas científicas brasileiras enquanto jornalista em ciência. Me incomodava a atenção desproporcionada que as revistas estrangeiras recebiam no noticiário, sobretudo algumas poucas que praticamente monopolizavam as seções de ciência. Será que elas só publicavam conteúdo de má qualidade ou desinteressantes? Ou seria porque nosso complexo de vira-lata valorizava mais o que os países desenvolvidos estão fazendo?

Você conhece algumas dessas revistas?
Você conhece algumas dessas revistas?

Formada em biologia e com pai químico, comecei a acessar algumas publicações que tinha mais familiaridade e interesse natural, uma delas a Química Nova, da Sociedade Brasileira de Química, à época publicada em português. De lá descobri um fascinante artigo

Crédito: Artigo de Carlos Filgueiras, Química Nova vol.27 (2), 2004
Crédito: Artigo de Carlos Filgueiras, Química Nova vol.27 (2), 2004
de Carlos Filgueiras, da UFRJ, que tratava sobre a educação científica que D.Pedro II destinou à princesa Isabel, sabendo da importância que a educação teria na vida de sua futura sucessora, e que inspirou uma matéria que publiquei na revista Pesquisa Fapesp em co-autoria com Renata Saraiva na edição no. 100. Como esta, as revistas científicas brasileiras, muitas vezes o principal veículo de difusão científica de áreas como as ciências humanas, algumas das ciências sociais aplicadas, artes, letras e linguística, guardam resultados de pesquisa, análises e discussões que interessam, e muito, a nossa sociedade.

Os dossiês da revista Estudos Avançados da USP, por exemplo, trazem análises sobre questões de extrema relevância e que podem subsidiar a formulação de políticas públicas, debates em salas de aula ou simplesmente na emissão de uma opinião mais embasada sobre o nosso cotidiano. Exemplo disso é a última edição que agrega artigos de especialistas sobre a crise hídrica na região Sudeste e os usos da água.

Alguns podem alegar, como já ouvi de jornalistas de ciência, que não há nada inédito ou relevante nos artigos científicos brasileiros, e, portanto, não interessa à mídia. Mas muitas pesquisas e, portanto, a publicação de seus resultados em revistas só interessam a nós brasileiros, como o artigo “Consumo de bebidas alcoólicas e direção de veículos, balanço da lei seca, Brasil 2007 a 2013“, da Revista de Saúde Pública e que gerou notícia de Carolina Medeiros (aluna de mestrado do Labjor/Unicamp e jornalista de ciência) na Agência USP – como parte do projeto de pesquisa que citei no início desta postagem – e que depois pautou Luiz Fernando Toledo em notícia no Estado de S.Paulo e que provocou efeito cascata em inúmeros outros veículos.

Não me entendam mal. O fato de investir em revistas científicas genuinamente brasileira não quer dizer que todas as nossas publicações estejam em um grau de maturidade acadêmica ou tenham alto nível de qualidade – o mesmo vale para revistas estrangeiras, ok jornalistas?. Estamos, a cada ano, aprimoramento a qualidade de nossas publicações e é inegável o avanço nos últimos 15 anos, fruto de investimentos e incentivos à indexação de revistas em repositórios (bancos de dados) como o SciELO (Scientific Eletronic Library Online) que estabeleceu critérios indexação que acabaram pressionando as publicações a melhorarem sua qualidade. Hoje os critérios caminham para a internacionalização crescente das revistas brasileiras, mas gera cada vez mais perguntas sobre a necessidade de todas as revistas precisarem atender a eles independente de sua missão.

A família imperial na biblioteca do Imperador, em litografia de Sisson de 1860. Os quatro membros da família foram representados segurando um livro ou objeto de estudo. Arquivo do Museu Imperial. Crédito: Artigo de C. Filgueiras, Química Nova
A família imperial na biblioteca do Imperador, em litografia de Sisson de 1860. Os quatro membros da família foram representados segurando um livro ou objeto de estudo. Arquivo do Museu Imperial. Crédito: Artigo de C. Filgueiras, Química Nova

Ao longo de meu trajeto como divulgadora de ciência, topei com revistas brasileiras centenárias e que guardam tesouros em suas páginas, como o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, fundada em 1894, e a Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, criada em 1909, e que até os dias atuais são publicações relevantes de nossa produção. Exemplo fresco desta relevância está em postagem que fiz em junho no blog Divulga Ciência (blog irmão deste) sobre a descrição dos primeiros casos de zika virus no Brasil, pautada em artigo publicado do Memórias do Instituto Oswaldo Cruz no mesmo mês. Uma leitora nos escreveu em setembro dizendo que, a partir da leitura da postagem, ela teria concluído que os danos cerebrais irreversíveis diagnosticados em seu bebe (ainda em gestação) poderiam estar relacionados ao fato de ter contraído o zika quando já tinha 3 meses de gestação e morava em Natal. À época, os médicos não lhe informaram se tratar do zika virus. Agora, o Ministério da Saúde acaba de anunciar que a principal hipótese relacionada ao grande número de nascimentos de bebes com microencefalia (399 em 7 estados até o momento) seria justamente a contração do zika virus durante o período gestacional.

Resultados e informações científicas interessantes e importantes socialmente não faltam. A questão que esbarrei – e ainda esbarramos – vai além do percepção negativa dessas revistas, mas chega à dificuldade do jornalista em acessar as novas edições, selecionar artigos interessantes e contatar os autores das pesquisas. Nestes três quesitos, algumas revistas científicas se destacam, pois já perceberam – há tempos – que a divulgação de seu conteúdo para a mídia e para o público mais amplo é uma estratégia para manterem sua visibilidade em meio a centenas de publicações que com a internet passaram a batalhar por leitores.

Em dois anos de projeto entendi as principais barreiras que os jornalistas enfrentam para acessar o conteúdo de nossas revistas, contatar seus autores e – num curto espaço de tempo – produzir suas notícias. De outro lado, o trabalho com editores científicos brasileiros da USP e de outras instituições iniciou uma conscientização sobre o papel da divulgação dos conteúdos das revistas, acostumadas a ser um veículo de comunicação restrito aos pares.

Este blog pretende divulgar não apenas os avanços nessa área, mas se deterá em apresentar o desafio de revistas e editores científicos brasileiros, e artigos que podem enriquecer as pautas jornalísticas ou mesmo as notícias de nosso cotidiano. A intenção é também contar com colaborações de especialistas.

Mais informações sobre a divulgação de revistas científicas brasileiras podem ser acessadas no blog – que deu origem a este – Divulga Ciência ou na página do Facebook.

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